quinta-feira, 11 de abril de 2019

Senhor, quando foi que te vimos?

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Antes das pompas e alfaias para um rito suntuoso, o culto a Deus se presta no cuidado do pobre.
Deus se oculta naqueles que são desprezados.
Deus se oculta naqueles que são desprezados. (Josh Applegate by Unsplash)
Por Élio Gasda*

“Jesus tomou consigo a Pedro, Tiago e João. Começou a ter pavor e a angustiar-se. Disse-lhes: A minha alma está profundamente triste a ponto de morrer. Ficai comigo e vigiai” (Mc 14,33-34). Viver a Semana Santa é ficar com Jesus sendo traído, humilhado, torturado e condenado, mais uma vez, à pena de morte. Em tempos tão difíceis, supostos cristãos disseminam a cultura do ódio, apoiam a tortura, desprezam o pobre, são entusiastas e defensores de uma política que aprofunda a miséria, a violência e a exclusão social. Pavoroso e angustiante.

Quantos que se dizem cristãos ainda continuam com este Jesus angustiado e apavorado? Para contemplar verdadeiramente o mistério da salvação que se revela na Páscoa é preciso estar com Jesus o Nazareno (Mc14, 67). Permanecer com Ele na sua hora mais dramática. Caso contrário, as atenções serão desviadas daquilo que realmente importa para Deus. Em gestos e palavras Jesus revelou qual a prioridade do Pai. A melhor ilustração é a parábola do Juízo final (Mt 25, 31-46). Dar de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede, vestir os nus, visitar os enfermos e os presos, acolher os estrangeiros. A morte de Jesus foi consequência da sua maneira de viver.

Como entender seu ensinamento? “Os melhores intérpretes da Sagrada Escritura são os 'Padres da Igreja'” (João Paulo II). O conhecimento dos primeiros depositários da fé é crucial para “a interpretação e a transmissão fiel de cada uma das verdades da Revelação” (Optatam Totius, n.16). Especificamente sobre a parábola, São João Crisóstomo (347-407), um dos mais conhecidos representantes da tradição da Igreja, deixou algumas instruções, entre elas a que se segue:

“Não pensemos que basta para nossa salvação trazer para a igreja um cálice de ouro e pedraria depois de haver despojado a viúvas e órfãos. Se queres honrar o sacrifício de Cruz, apresenta tua alma pelo que foi oferecido. Esta é que deve ser de ouro. Não nos contentemos de trazer dinheiro à igreja, mas observemos se procede de justo trabalho. Mais precioso que o ouro é aquilo que não é cúmplice da avareza. A igreja não é um museu de ouro e prata, mas uma reunião de anjos... O sacramento não necessita preciosas toalhas, mas almas puras. Os pobres necessitam muitos cuidados. Aprendamos, pois a pensar com discernimento e a honrar a Cristo como ele quer ser honrado (...). Que importa ao Senhor que sua mesa esteja cheia de objetos de ouro se ele se consome de fome? Saciai primeiro sua fome e logo, se sobra, adornai também sua mesa. Ou vais fazer um cálice de ouro e negar-lhe um copo de água? (...). Aplica tudo isso em Cristo. Ele anda sem teto e peregrino. E tu, que não lhe acolhes, te distrais em decorar o pavimento, as paredes e os capitéis das colunas das igrejas (...). Não é minha intenção proibir que se façam oferendas. Peço apenas que, junto com elas, e antes delas, se faça caridade”.

A preocupação com o sofrimento humano revela o que podemos saber de Deus e como relacionar-nos com Deus. No encontro com os pobres, a oportunidade de encontrar Jesus. Tocando neles, somos tocados por Cristo. Muitos cristãos, ao contrário, fazem de tudo para afastá-los de sua vista. Oferecem incenso, ouro, catedrais luxuosas, cálices caríssimos, ostentação, tatuagens. Pensam louvar a Deus com sedas e rendas, gritos, músicas barulhentas e melosas melodias. Mais preocupados com o esplendor da religião do que viver o mandamento do amor ao próximo.

Deus é absurdo para uns e escandaloso para outros (1Cor 1,18.23). Quer ser encontrado precisamente onde Ele está: no último, no escondido, entre os últimos e angustiados. No mais desprezível da condição humana. “Se falho na justiça e no amor, afasto-me de Deus e o meu culto não passa de idolatria” (Henri de Lubac).

São Vicente de Paulo (1581-1660), pai da caridade, ensinava que “Cristo, que está no pobre, é a regra da missão da Igreja. Embora a oração seja necessária, direi, contudo, que, a vossa principal função é o serviço dos pobres. Quando se trata de socorrê-los e haja receio de que a eles sobrevenha algum dano se não forem prontamente atendidos, estareis obrigadas a deixar a oração. Se não houver outro tempo para atendê-los senão o da Missa, importa deixá-la, não só em dia comum, como também em dia de preceito. A assistência ao próximo foi prescrita por Deus e praticada por Nosso Senhor Jesus Cristo, enquanto a obrigação da Missa é uma determinação da Igreja” (Conferências às Filhas da Caridade).

Em Salamanca, na residência dos padres Vicentinos, está inscrita a seguinte sentença: “Nem tudo consiste em distribuir sopa e pão. Isso também os ricos podem fazer. Porém, quanto mais os pobres se mostrem repulsivos, sujos e rudes, tanto mais o teu amor lhes deverás ofertar. Unicamente pelo teu amor, os pobres te perdoarão o pão que tu lhes dás”. 

Na Semana Santa seria mais cristão contemplar “uma pintura viva que fala, que tem uma expressão natural de Jesus angustiado, desprezado e agonizante. São os pobres, meus irmãos, a quem exorto a contemplar a paixão de Jesus. Em nenhum lugar vereis uma imagem mais realista”, propôs o bispo e teólogo Bossuet (1627-1704).

*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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