quinta-feira, 30 de maio de 2019

Procura vã no Planalto Central

Um único em cada poder me bastará para dar por satisfatoriamente encerrada minha pesquisa de lanterna em punho.


Diz que minha decepção vai ser ainda maior nas duas outras casas.
Diz que minha decepção vai ser ainda maior nas duas outras casas. (Arturdiasr/Wikipedia)
Por Afonso Barroso*
Meu nome é Diógenes. Sou conhecido como o homem da lanterna. Saí de dentro do meu barril para vir até Brasília, e cá estou eu em plena Praça dos Três Poderes. À minha frente, o Congresso Nacional, com duas torres gêmeas céu acima, e céu abaixo duas tigelas enormes no simbolismo do côncavo e do convexo. Dizem que o côncavo é a Câmara e o convexo, o Senado. Ou é o contrário, não sei bem. Não entendo as concavidades e convexidades da arquitetura política.
À minha direita, o Palácio do Planalto, no melhor estilo niemeyeriano, sede do governo federal. À minha esquerda, um pouco mais afastado, o Supremo Tribunal Federal, terceiro braço da trindade dirigente do país. Trindade que, contrariamente à da Santíssima, nada tem de santa.
Como meu nome é Diógenes, a missão que atribui a mim mesmo é a de procurar um homem honesto nos próprios desta praça. Um único em cada poder me bastará para dar por satisfatoriamente encerrada minha pesquisa de lanterna em punho.
Entremos primeiro no Palácio do Executivo. Logo ao chegar a lanterna me mostra, a um canto discreto, um sujeito com cara de ex-qualquer coisa, percebe-se que é um tremendo cara de pau. Acolá, vejo outro com ares de Zé. Não sei se Zé Mané ou Zé Ninguém. Nem nota minha presença. Parece ocupado em contar alguma coisa, parece que é dinheiro. Minha lanterna não capta bem a imagem.
Mas eis que vejo mais adiante, acenando para mim, um que tem jeito de trustista ou trotskista. Não parece confiável. Chego até ele e constato que é um robô. Apenas acena e sorri sem parar. Aquele outro ali tem uma bela dama do lado, não sei se primeira ou segunda, mas não confio em nenhum dos dois. É um casal altamente suspeito. E lá está uma senhora que me atira um sorriso fingido, sem nexo e sem sexo. Tem cara e vestes de alguém que um dia já foi não sei o quê e será não sei que lá.
De repente, o foco da minha lanterna se assusta com uma figura de barba indecisa, igualzinha à do "italiano". E logo vejo outra dama, raquítica tadinha, e mal-humorada, esperando, esperando o trem que não vem. Tem cara de silvícola. Olha só, há um afro naquela sala, mas não dá pra ver direito. Está muito escuro para a potência da minha lanterna. Ouço mais à frente (só dá pra ouvir) um que fala feito maluco e parece maluco mesmo. Pelo sotaque, é nordestino.
Passo por um com jeito de playboy e por um carequinha de quem desconfio de graça. E assim vou caminhando, observando, perscrutando, empunhando minha lanterna inquisidora. Só vou parar quando achar quem mereça registro nesta minha caminhada a esmo pelos desvãos do poder central. Quero achar um homem, mas pode ser também uma mulher que não me faça perguntar, como Noel, onde está a honestidade. Vou tentar nos outros dois poderes. Mas, espera, acho melhor não. Minha lanterna me aconselha a parar por aqui. Diz que minha decepção vai ser ainda maior nas duas outras casas.
Resolvo, então, atender à ponderação dela. Apago-a, pois tudo leva a crer que não vou achar mesmo o que procuro. Vejo que esta praça não é nem nossa nem dos Nóbrega. Melhor voltar para o meu barril.
*Afonso Barroso é jornalista, redator publicitário e editor

Nenhum comentário:

Postar um comentário