terça-feira, 11 de junho de 2019

Falta de memória sobre passado pode fazer voltar a ele, diz antropólogo sobre ditadura no Brasil

Doutor e professor analisou algumas posições radicais do presidente Jair Bolsonaro (PSL).



'Parece algo impensável alguém ter uma perspectiva revisionista da história sobre um regime que, de fato, não foi democrático'
'Parece algo impensável alguém ter uma perspectiva revisionista da história sobre um regime que, de fato, não foi democrático' (ARQUIVO - ESTADÃO CONTEÚDO)
Por Rômulo Ávila 
Repórter Dom Total

Muitos brasileiros ainda não têm consciência sobre os reais efeitos provocados pela ditadura. A observação é do antropólogo do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra/ Portugal, Bruno Sena Martins. Professor do doutorado ‘Pos-colonialismos’ e cidadania global, Bruno foi um dos palestrantes do Congresso Internacional Direito, Democracia e Ambiente, realizado programa de Pós-Graduação da Dom Helder Escola Direito, e encerrado na terça-feira (4).
Em entrevista ao Dom Total, o pesquisador falou sobre a ditadura, democracia no Brasil e analisou algumas posições do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que defende que não houve ditadura no país, que o Holocausto pode ser perdoado e que o nazismo é de esquerda. Alerta que a falta de memória sobre o passado pode fazer voltarmos a ele.
Confira  
Ditadura e democracia no Brasil
Trata-se de uma questão complexa. O Brasil é um país que tem tido poucos momentos de uma vivência democrática mais plena. Obviamente, após a Constituição de 1988, houve um processo que procurou reverter aquilo que era as lógicas herdadas e que tinham relação com o autoritarismo, lógicas coloniais, racistas e de desigualdades de classe. E essa democracia se fez pela participação cívica e também por uma certa distribuição social, ascensão das classes mais pobres, com acesso de negros e pobres nas universidades.
Perder nesse momento o espaço de liberdade e de distribuição social nos faz pensar qual a natureza da democracia que estamos vivendo hoje e que, às vezes, os processos democráticos elegem pessoas que colocam a democracia em risco.
Não houve ditadura no Brasil
Parece algo impensável alguém ter uma perspectiva revisionista da história sobre um regime que, de fato, não foi democrático no modo como governou o país por um longo período. Uma das coisas que mais fazem falta para uma sociedade ser democrática é a memória. Precisamos ter memória dos momentos de ditadura, tortura, repressão das minorias e restrição de liberdade para que, hoje em dia, possamos ter uma leitura crítica e não voltarmos a viver esses momentos. Se nós não temos consciência do passado existe uma grande possibilidade de voltarmos a ele.
Bruno Sena MartinsBruno Sena Martins
Comissão da Verdade
O que acontece é que a Comissão da Verdade chegou ao Brasil em 2011 e não foi aprofundada como deveria. O fato de no Brasil não ter ocorrido um processo de transição, que tenha condenado os que cometeram crimes na ditadura, que não tenha tido, de fato, uma denúncia daquilo que foram as más práticas (assassinatos, torturas, perseguições) faz com que não exista na sociedade brasileira uma consciência daquilo que realmente ocorreu. E a Comissão da Verdade pode ter esse efeito. Agora, parece que o processo que ocorreu no Brasil veio um pouco tardio e, por várias circunstâncias, não foi tão intenso e aprofundado para que a consciência do que realmente foi a ditadura entrasse no senso comum do brasileiro.
Presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer ser possível perdoar o Holocausto
Essa declaração mostra, mais do que tudo, que é uma pessoa que não tem uma ilustração muito clara sobre o que foi o passado. Dizer que podemos perdoar o Holocausto é uma declaração que indigna pessoas que foram vítimas e descentes que conhecem a realidade do que foi esse genocídio e massacre cometido no século 20. É uma declaração de alguém que não tem cultura histórica e política suficientemente maturada para saber situar-se naquilo que é o espaço político democrático.
Nazismo é de esquerda, diz Bolsonaro
Se nós levássemos uma declaração dessa para universidades da Europa seria vista com risível e patética. Obviamente, sabemos que o nazismo se enquadra dentro dos movimentos fascistas, de extrema-direita, autoritários e com características próprias estudadas por historiadores e sociólogos. Nesse mundo da pós-verdade não se pode dizer qualquer coisa. Há estudos, conhecimentos e saberes que temos que transportar conosco. Não podemos fazer declarações dessas porque têm, realmente, a intenção de revisionismo perigoso e que não nos ajuda conhecer a realidade do passado e nem as dinâmicas sociais do presente.
Redação

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