segunda-feira, 24 de junho de 2019

Moro, The Intercept e Jairim Cabuloso

Mais que um caso difícil, um osso duro de roer para o advogado Bráulio Araújo Gueiros.


Sérgio Moro & The Intercept: quem vencerá esse duelo de titãs?
Sérgio Moro & The Intercept: quem vencerá esse duelo de titãs?
Por Marcos Caldeira Mendonça*
Após assassinar um carcereiro e fugir da cadeia, Jairim Cabuloso, que com 11 anos já furtava Cornetto, Mirabel e Mandiopã no antigo Supermercado Braguinha, passou a noite bebendo e fumando no bar Três Irmãs Capixabas, em Itabira. De manhã, agrediu o dono do estabelecimento com seis tacadas de sinuca, poetizou em risos a agressão ("Sinuca na nuca, kkkkkkkk..."), deu um murro no rosto da balconista que acabara de pegar serviço, xingou-a de puta e deixou o recinto, sem pagar a conta e dando pontapés num vaso de orquídea no passeio.
Entubou o cano de um tresoitão na garganta de uma recém-operada professora aposentada e roubou seu Corsa, cor de abóbora, em que levava o marido para sessão de hemodiálise no Hospital Nossa Senhora das Dores.
Acelerou o auto contra um posto bancário, estourou duas máquinas de dinheiro e recolheu num saco maços e maços de notas de cem. Deu uma coronhada na cabeça de uma grávida que acabara de estacionar um Honda Civic, roubou esse carro e saiu em alta velocidade, furando sinais vermelhos.
Hábil, guiava com a mão esquerda e, com a direita, segurava o revólver e um litro de uísque furtado não se sabe onde, de cujo bico sorvia talagadas nervosas.
Dirigiu-se a um posto de combustíveis e, apontando a arma para a testa de um frentista, mandou-o encher o tanque, exigindo velocidade de pit-stop de Fórmula 1. “Rápido, idiota, rápido, vai, ou estouro seus miolos e estrupo [sic] sua mulher”, berrou, equilibrando na boca um cigarro aceso.
Tanque cheio, arrancou à Nigel Mansell nos melhores anos dos 80, não sem antes atirar a bagana em direção à bomba de gasolina, acertando em cheio o líquido que escorria da mangueira ainda na mão do frentista. O posto fez buuuummm, levando aos ares cinco vizinhos à direita e três à esquerda.
Perseguido pela polícia, fugiu na contramão e atropelou um senhor sem as pernas que seguia lentamente numa cadeira de rodas e uma octogenária que estava no passeio, com uma criança pagã nos braços.
Quilômetros à frente, furou duas blitzen da PM, bateu em oito carros, incluindo uma ambulância do Samu que prestava socorro, e descarregou o tresoitão contra policiais. Bala perdida atingiu o tórax de um padre cego que ia à igreja rezar a primeira missa do dia.
Um fardado atirou e acertou um pneu do Honda Civic. O fugitivo mirou a cabeça do policial e apertou o gatilho insistentemente. Percebendo que acabaram as munições, deu uma derradeira golada no uísque e atirou o litro violentamente contra uma carreta lotada de material tóxico, explosivo, infeccioso e radioativo, que vinha em sentido contrário.
O casco do Ballantine's fez plaaaaftttt no para-brisa e o transformou em mil estilhaços. Fragmentos furaram os olhos do motorista, que perdeu a direção do possante e este explodiu após cair numa ribanceira de 720 metros. O fogo se alastrou e consumiu uma vila de casas de madeira e um bosque de mata nativa. O material dangeroso que milagrosamente restou na carreta escorreu para um rio, contaminando-o.
Mais à frente, Jairim Cabuloso topou com uma barreira da Polícia Federal. Colou o acelerador no assoalho, já com os pneus no arame, e investiu contra o que viu pela frente. Destroçou sete cavaletes, atropelou quatro homens da lei, bateu em duas viaturas e só parou ao se chocar contra a alvenaria de um posto policial, com um golpe fundo na cabeça.
Limpou o sangue com a camisa que vestia, na qual se lia "Ustra Vive", saiu do carro, apoderou-se de uma pistola Taurus que estava em cima de uma mesa, enroscou o braço direito no pescoço de um tenente-coronel e apontou a arma para ele, fazendo-o refém. Um policial com megafone, que comandava dezenas de colegas, gritou: "Perdeu, perdeu. Você está cercado. Entregue-se".
Ameaçando matar o tenente-coronel, Jairim Cabuloso exigiu helicóptero abastecido e piloto e a presença de um repórter da TV Globo. “Se não tiver, serve da rádio Itabira AM mesmo, mas isso só em último caso e se for muito rápido”, gritou.
Meia hora depois, chegou a aeronave, sete minutos após aparecer na cena o repórter municipal Hátila Lemme, que tudo fotografou e deu o furo.
Jairim Cabuloso subiu no veículo e deu ordem de voo, descumprindo o acordo de liberar o tenente-coronel. Precavido, levou-o como garantia. Já longe dali, temendo cilada, vestiu o único paraquedas disponível, pegou um saco de dinheiro, atirou na testa do piloto e saltou. A aeronave rodopiou furiosamente e despencou sobre um orfanato em manhã de festa.
Jairim Cabuloso pousou numa Área de Preservação Ambiental, esmagando uma canela-de-ema de 118 anos. O paraquedas se enroscou em um ninho com três ovos de ave ameaçada de extinção. O ninho, que era cuidado com extremo zelo por um biólogo mudo e cruzeirense, caiu de aproximadamente 25 metros e bateu numa pedra pontuda.
Assim que se desvencilhou do paraquedas, Jairim Cabuloso foi acertado numa perna por um atirador de elite. Caído, recebeu voz de prisão, mas, com a desenvoltura de um Lee, apoderou-se de estaca e empalou o policial. Conseguiu acertar também outro que vinha, rachando-lhe o crânio. Aproximou-se deste e se preparou para lhe dar paulada fatal. Com os olhos fixos na cabeça deste segundo homem da lei e as mãos já baixando com a madeira, levou outro tiro, na outra perna, e arriou.
Foi preso, enfim, o homem que passou a noite anterior bebendo e fumando no bar Três Irmãs Capixabas, em Itabira. Atado a ferros, mãos e pés, foi levado para a cadeia. Duas horas depois, já batia queixo com doutor Bráulio Araújo Gueiros, seu advogado.
A tarefa de doutor Bráulio Araújo Gueiros nesse caso faz lembrar a de quem tem defendido o ex-juiz Sergio Moro após as revelações feitas pelo portal The Intercept.
*Marcos Caldeira Mendonça, jornalista, é editor do jornal O TREM Itabirano, de Itabira, MG.

Nenhum comentário:

Postar um comentário