quarta-feira, 3 de julho de 2019

Igreja toca o delicado tema dos filhos de padres, tratados até como 'filhos de Satanás'

domtotal.com
Os filhos de sacerdotes 'muitas vezes só descobrem a verdade só após a morte de seus pais [sacerdotes]', revela a presidente da associação Enfants du Silence.
A associação Enfants du Silence faz com que os bispos franceses abram seus arquivos e ajudem os filhos dos sacerdotes a saber mais sobre seus pais.
A associação Enfants du Silence faz com que os bispos franceses abram seus arquivos e ajudem os filhos dos sacerdotes a saber mais sobre seus pais. (Reprodução/ Pixabay)
Por Cameron Doody
Religión Digital

"Já é hora da Igreja Católica fazer uma distinção entre vida apostólica e celibato". O ex-padre Michel de Trucis, agora pai de dois jovens adultos, está convencido de que chegou o momento de romper o silêncio em torno dos filhos dos sacerdotes. Os bispos franceses estão de acordo. Eles decidiram "abrir seus arquivos e ajudar os filhos de padres a saber mais de seus pais", diz Anne-Marie Mariani, fundadora da associação Enfants du Silence (Filhos do Silêncio).

Em 13 de Junho, conforme  contou ao National Catholic Reporter, Mariani se reuniu com Jérôme Beau, arcebispo de Bourges e presidente da comissão francesa de bispos para os ministros ordenados e ministros leigos.

"Foi uma reunião muito encorajadora", diz Mariani, falando sobre o encontro que teve com Beau e dois outros membros do Enfants du Silence, e revela que tem outra reunião marcada com o prelado em outubro.

"O que importa é primeiro ouvir esses filhos do silêncio que expressam seu sofrimento e entender o que está em jogo", disse Beau após este primeiro encontro.

Um grande sofrimento

É que o sofrimento dos filhos dos sacerdotes - que às vezes se sentem ilegítimos e rejeitados - pode ser muito grande, segundo a psicóloga Marie-Françoise Bonicel.

"Essas crianças muitas vezes se sentem filhos ilegítimos... Mas é mais difícil de suportar a sensação de que nunca deveriam ter nascido, porque a sua existência é o resultado de uma transgressão, não só de uma lei humana, mas de um compromisso sagrado que alguns veem como lei de Deus", disse Bonicel.

"Filhos de Satanás"

"Sempre vivi em total insegurança", revela Léa (nome fictício), 45 anos, que prefere permanecer no anonimato porque, do contrário, "acabaria com minha carreira acadêmica". O pai de Léa foi jesuíta e trabalhou em Paris. Quando se apaixonou por sua mãe, decidiu deixar a Companhia de Jesus para se casar com ela e ter filhos. "Alguns parentes nos chamavam de filhos de Satanás", lamenta Léa sobre sua infância.

O pai de Léa conseguiu um emprego como professor na Bretanha, mas alguns de seus vizinhos souberam que ele fora padre. "Eles nos insultaram, destruíram nosso jardim", diz Léa. "Até hoje, pergunto-me por que meus pais não viveram no anonimato de uma cidade grande."

"Nunca conversamos sobre o passado dele. Minha mãe nos disse para não perguntar, já que tinha sido doloroso para ele", revela Léa. "Seu pai nunca deveria ter tido filhos", disse-lhe sua mãe uma vez. Não é de se estranhar que Léa sempre tenha lutado contra a depressão.

Esperanças para o futuro

Mas as experiências dos filhos dos padres nem sempre são tão duras quanto as de Léa. Basile e Raphaelle de Truchis, filhos do ex-padre Michel de Truchis, contam que eram livres em sua infância para fazer todas as perguntas que queriam a seus pais e que nunca foi difícil.

"Participávamos da missa, das turmas de catequese; nossos pais sempre estiveram envolvidos nas atividades da paróquia", diz Raphaëlle.

Difícil ou não, o importante é que eles finalmente reconhecem os descendentes dos sacerdotes pelo que são: filhos de seus pais.

Os filhos de sacerdotes, lamenta Anne-Marie Mariani,  "muitas vezes só descobrem a verdade só após a morte [de seus pai (padre)]". Agora, com a decisão dos bispos franceses para colaborar todos os que procuram por seus progenitores entre o clero, "estamos esperançosos de que estas situações não voltem a ocorrer", diz a fundadora da Enfants du Silence.

Para a Igreja, mesmo aqueles que deixaram o ministério ordenado continuam sendo padres, ainda que não possam exercer suas funções sacerdotais. Segundo a doutrina, a Ordenação imprime caráter indelével. Apesar disso, em alguns momentos o artigo trata, por simplificação, tais pessoas como ex-padres.

Publicado originalmente por Religión Digital.

Tradução: Ramón Lara

Nenhum comentário:

Postar um comentário