"A reação democrática que impediu a consumação de um novo ato de crueldade contra Lula revela que a Lava Jato e seus amigos tentaram mostrar uma força que já não possuem", escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia
(Foto: Reuters | Ricardo Stuckert)
(Foto: Reuters | Ricardo Stuckert)
Quando circulou a notícia de que Lula seria transferido para São Paulo, a reação esperançosa de um bom número de advogados e militantes do Lula Livre foi de relativa satisfação.
A impressão era que Lula ficaria mais perto da família e que esta situação até poderia facilitar o acesso a possíveis benefícios na condição de prisioneiro.
A revelação de que seria transferido para Tremembé II desfez qualquer otimismo, confirmando um contraste imenso entre a visão de brasileiros e brasileiras que compreendem a importancia de garantir um tratamento justo a Lula e a postura do governo Bolsonaro e seus aliados, que precisam dele como um troféu e pretendem garantir sua permanência da prisão de qualquer maneira.
O chocante foi constatar que a mudança não traria nenhum benefício a Lula. Só representava mais um esforço de degradação a um presidente que, como o próprio Sérgio Moro já admitiu, não perdeu o direito a um tratamento compatível com a dignidade do cargo que ocupou.
Em Tremenbé II, até sua aparência seria modificada: teria o cabelo raspado e a barba cortada. Lula passaria a usar uniforme e, caso tivesse direito a progressão da pena, que em muitos locais permite que o prisioneiro passe o dia fora para trabalhar, seria forçado a permanecer na prisão. Em Tremembé II, três empresas privadas têm autorização para empregar a mão de obra de prisioneiros, o que explica o mórbido tuite de João Dória: "Lula, se desejar, terá oportunidade de fazer algo que nunca fez na vida: trabalhar!".
A reconstituição da jornada desta quarta-feira mostra uma máquina operando com uma finalidade política óbvia -- rebaixar o tratamento dispensado ao preso político que se tornou o ponto de encontro de muitas linhas que definirão nosso futuro como nação.
A cronologia mostra que tudo foi feito e preparado em casa. Na sequência de uma solicitação da Polícia Federal de Curitiba, onde delegados maldiziam Lula e Dilma já no segunto turno de 2014, a juiza Carolina Lebbos, responsável pela carceragem, determinou a transferência do prisioneiro para São Paulo. A decisão caiu na mesa do juiz Paulo Eduardo de Almeida Sorci, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. O Conselho é um órgão do Ministério da Justiça e o juiz Sorci foi nomeado por Sérgio Moro.
A reação democrática que em poucas horas impediu a consumação de um novo ato de crueldade contra Lula confirma um ponto importante: a Lava Jato e seus amigos tentaram mostrar uma força que já não possuem.
A composição de forças que ontem se uniram no STF lembrava, como uma fotografia atualizada, o conjunto ecumêmico que em 1975 foi à missa da Sé, em São Paulo, para protestar contra o assassinato de Vladimir Herzog no DOI-CODI paulista.
Herzog foi morto por criminosos fantasiados de agentes do Estado, incapazes de compreender que os tempos de impunidade estavam perto do fim.
A fracassada transferência de Lula, ontem, traduziu um esforço para manter tudo como está num país onde o mito Lava-Jato se desfaz dia após dia nas revelações da Vaza Jato e a decepção de toda população cria uma vontade de imensa de reação e mudança.
Lula continua preso onde sempre esteve, sua condição segue injusta como sempre foi. Será preciso enfrentar, ainda, novas fraudes em curso.
Ao lado de possíveis acordos pelo alto, será necessário, também, mobilizar parcelas cada vez maiores de homens e mulheres do povo para enfrentar as investidas que virão.
Mas há algo de bom em celebrar a derrota de uma nova injustiça.
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