terça-feira, 20 de agosto de 2019

Suécia e o antissemitismo


Se tantas manifestações antissemitas de políticos ocorrem na Suécia, o mínimo que seria de se esperar é que elas fossem punidas e rejeitadas.


A Suécia dentro da Europa.
A Suécia dentro da Europa. (Divulgação)
Por Lev Chaim*
Quando pensamos na Suécia, logo nos vem à cabeça um país educado, o diretor de cinema Ingmar Bergman, a rainha Sílvia, de sangue brasileiro etc. Por essas e outras é que vocês, caros leitores, podem avaliar o meu espanto ao ler um relatório da polícia sueca de 2017, sobre as áreas vulneráveis do país, afirmando existirem cerca de 61 dessas áreas, com 200 redes criminosas. O país da bela Sílvia? Dá para acreditar?
Eu fiquei me perguntando: qual teria sido o erro dos suecos? Para que vocês tenham uma ideia de como está a tolerância sueca para um assunto extremamente vulnerável e conflituoso - o antissemitismo, fique sabendo que se você mora em Malmo, a terceira maior cidade da Suécia, poderá constatar que os políticos social-democratas de lá expressam livremente os seus sentimentos antissemitas sem nenhuma consequência.
IlmarReepalu, ex-prefeito de Malmo, foi acusado inúmeras vezes de manifestar sentimentos antissemitas. Outros importantes políticos social-democratas como Adrian Kaba também difundiram teorias de conspiração antissemita no passado. E neste ano, a Liga da Juventude Social Democrata dessa mesma Malmo, numa manifestação do Dia do Internacional do Trabalho, saiu às ruas entoando o refrão: “esmaguem o sionismo”. Ali, eles queriam dizer, esmaguem Israel.
Se tantas manifestações antissemitas de políticos ocorrem na Suécia, o mínimo que seria de se esperar é que elas fossem punidas e rejeitadas. Mas, para o espanto de todos, não houve até o momento nenhum custo político para os que fizeram esses comentários antissemitas, mesmo apesar do Partido Social Democrata ter manifestado publicamente que lamentava esses incidentes. Daí tira-se a seguinte conclusão absurda aos olhos da maioria dos europeus: comportamentos antissemitas de políticos suecos são aceitáveis e não têm consequências políticas para quem os promovem.
Mas não são só os políticos do partido Social Democrata que, ao que tudo indica, promovem uma aceitação de atos antissemitas como a coisa mais comum do mundo. Um político liberal de Malmo, Muhammad Khorshid, em 2018, após ter feito declarações antissemitas, perdeu o seu posto político, quando vieram à tona muitas declarações contra Israel, que ele havia feito em um passado recente. Em junho deste ano, o site de notícias Samnytt revelou que, apesar de renunciar ao cargo, Khorshid ainda se reunia com o líder dos liberais de Malmo. Os temas dessas reuniões foram integração de migrantes, segurança pública e o futuro de Malmo. Com isto percebe-se que, mesmo após todos os seus atos criminosos, ele ainda era levado em consideração pelos políticos da cidade.
Em maio último, a comunidade judaica de Malmo, uma organização religiosa e cultural fundada em 1871, enviou um memorando à prefeitura da cidade intitulado: “Plano de Ação para a Contínua Sobrevivência da Comunidade judaica de Malmo”. Ali estava escrito: “A comunidade judaica irá desaparecer num futuro próximo se nada de drástico for feito. Malmo já é ‘uma zona proibida’ para os judeus do mundo todo. A menção de Malmo na mídia mundial, quase sempre tem a ver com o antissemitismo. Uma pesquisa no Google sobre o antissemitismo na cidade revela 215 resultados. Os esforços de hoje não são suficientes. Em 2021, a comunidade judaica irá comemorar o seu 150º aniversário. Fazemos parte da espinha dorsal da cidade desde o século XIX. Só que agora estamos sumindo. Estamos vendo que os membros de nossa comunidade estão saindo de Malmo. O antissemitismo desempenha um papel crucial no êxodo de jovens judeus da cidade em que nasceram, cresceram e agora também o êxodo de seus pais.”
Dois altos executivos da cidade doaram uma verba para promover um melhor entendimento dos políticos da cidade de Malmo para com os moradores judeus da cidade. Mas, essa verba e esse propósito acabaram gerando um conflito público dos executivos para com os políticos Social Democratas de Malmo. Tanto é que um dos executivos, Dan Olofsson, em um comentário proferido ao jornal Kvallsposten, disse: “Não acredito que os social democratas estejam se portando dessa maneira porque são antissemitas e sim porque priorizam os votos de outros grupos de eleitores. A passividade em relação às agressões contra os judeus se torna um ponto positivo em relação a outros eleitores”.
Os “outros grupos de eleitores” aos quais Olofsson se refere, ao que parece, são os migrantes muçulmanos com background do Oriente Médio. Em uma pesquisa realizada em 2.010 nas escolas de ensino médio da Suécia, apurou-se que 18% de todos os alunos do ensino médio do país tinham uma postura negativa em relação aos judeus. Entre os estudantes de Malmo, essa porcentagem pulou para 55%. Seis principais razões foram citadas:
  • Engajamento fortemente pró-palestino entre os políticos suecos.
  • Desejo dos políticos suecos de conquistarem os votos dos migrantes.   
  • O multiculturalismo sueco é tão sem reservas em relação às culturas estrangeiras, que não é capaz de diferenciar “cultura” de racismo.
  • O medo de parecer contrário à imigração.
  • Importantes instituições suecas, como a igreja da Suécia, legitimaram o antissemitismo ao endossarem o documento antissemita Kairos Palestina
  • Imigração em larga escala de países onde o antissemitismo é considerado coisa “normal”.
Devido a essa situação, as autoridades suecas decidiram realizar uma conferência do Holocausto na cidade de Malmo. A hipocrisia é evidente porque os políticos da cidade nada fizeram para proteger os judeus que lá vivem. Eles não podem de maneira consistente se distanciar do antissemitismo. “Lembrar o Holocausto é lembrar as vítimas”, disse Nima Gholan Ali Pour, conselheiro político dos Democratas das Suécia da cidade de Malmo, em um artigo sobre o assunto - “Essa conferência não deveria ser uma camuflagem para os políticos da situação em Malmo, para que eles possam se livrar da culpa que carregam, por colocar os judeus da cidade na situação vulnerável em que eles agora se encontram”. Aí eu me pergunto, caros leitores: onde está a Suécia romântica que havia em nossas cabeças? 
*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou mais de 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora até hoje. Ele escreve todas as terças-feiras, para o Domtota

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