quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Confrontando as causas do clericalismo: pecado original e dinâmica institucional


Muito poucos João Vianneys ou são Vicentes de Paulo se tornam bispos. Por quê? Porque procuramos mais lealdade institucional do que santidade.


O clericalismo está enraizado no pecado do orgulho, mas também envolve a luxúria, a inveja e a avareza.
O clericalismo está enraizado no pecado do orgulho, mas também envolve a luxúria, a inveja e a avareza. (Wikimedia Commons/Simon Burchell)
Por Peter Daly*

Reformar o sacerdócio significa reduzir os efeitos do clericalismo. Este é uma coisa real, não um mito ou uma quimera. É um senso de elitismo e superioridade entre o clero que o diferencia “de” e “acima” do resto das pessoas na Igreja. Afeta o modo como as pessoas clericais – clérigos e leigos – se comportam. Para enfrentar o clericalismo, a Igreja deve primeiro descobrir de onde vem essa dinâmica para depois descobrirmos como combatê-la.
Penso que o clericalismo deriva de quatro coisas: de nossa natureza decaída, da dinâmica institucional, da tradição corrompida e da formação no seminário.
Nossa “natureza decaída” é um artigo de nossa fé. Através do pecado das primeiras pessoas, Adão e Eva ou quem quer que fossem, nossa natureza foi corrompida pela “concupiscência”. Isso significa que temos uma tendência ou atração pelo pecado. Não se trata apenas de luxúria. O pecado fundamental, segundo a maioria dos teólogos, é o orgulho. Nossa natureza decaída é inclinada a todos os sete pecados capitais: orgulho, raiva, luxúria, inveja, gula, avareza e preguiça. O clericalismo está enraizado no pecado do orgulho, mas também envolve a luxúria, a inveja e a avareza.
Não vamos erradicar os efeitos do pecado original até o eschaton, o fim dos tempos. Contudo, podemos treinar e praticar, reduzir os efeitos do nosso pecado mediante a graça e a oração. Em outras palavras, clérigos e leigos clericais precisam estar cientes de que essa atitude de superioridade e elitismo não é de Deus. Isso não é bom. Deve ser contido. Requer disciplina, assim como viver uma vida casta exige disciplina.
Sempre haverá pessoas ambiciosas no sacerdócio, que veem a vida clerical como uma carreira poderosa, e não como um chamado ao serviço.
Sempre haverá pessoas avarentas no sacerdócio, que usam a riqueza e os recursos da Igreja para seu próprio prazer, luxo e enriquecimento.
Sempre haverá pessoas lascivas no sacerdócio que usam sua posição de poder e autoridade para gratificar-se sexualmente.
Sempre haverá pessoas invejosas no sacerdócio. A inveja é “a tristeza pelo sucesso de outra pessoa”. Os padres invejosos veem o sacerdócio como uma competição para obter a “paróquia mais rica”, a “posição de chancelaria” ou a nomeação episcopal.
O primeiro passo para combater o clericalismo nascido de nossa natureza decaída é falar sobre isso. Podemos fazer esse enfrentamento tratando to tema na formação do seminário, retiros de sacerdotes, conferências do clero, cartas episcopais ao rebanho e documentos papais. Se não falarmos sobre isso, não podemos tratar o problema.
A segunda causa do clericalismo é a “dinâmica institucional”. Podemos fazer mais do que simplesmente rezar pela nossa natureza decaída. As dinâmicas institucionais são as maneiras pelas quais qualquer grande organização funciona. Isto é parte da vida.
As pessoas querem passar tempo com o chefe porque é assim que são conhecidas e promovidas. Elas querem os trabalhar nas sedes da empresa, porque esses empregos têm poder e lhes dão ascensão. Querem controlar as finanças, as decisões, os planos, o cronograma de promoção, porque podem progredir. Essas dinâmicas são praticamente as mesmas, seja nas forças armadas, nas burocracias corporativas, na academia ou na Igreja. Qualquer grande burocracia terá pessoas que são “bajuladoras”, “imbecis”, “idiotas” e “maldosas”. Mais uma vez, a natureza humana.
Todavia, há algo que podemos fazer sobre a dinâmica institucional. Podemos alterar os critérios para quem é promovido. Podemos reduzir os ganhos que criam a elite. Podemos ser o que o papa Francisco disse que quer, uma "Igreja mais pobre para os pobres".
Por exemplo, poderíamos estabelecer como requisito absoluto que ninguém fosse sagrado bispo sem ter pelo menos uma década de experiência paroquial comum como padre.
Eu tive quatro arcebispos. Todos eles chegaram pela “via rápida”. O cardeal James Hickey tinha apenas nove meses em uma paróquia antes de se tornar secretário do bispo, foi nomeado reitor do seminário e depois bispo. Ele costumava se referir a esses poucos meses na paróquia como seu quadro de referência para a vida sacerdotal.
O cardeal Theodore McCarrick não serviu um único dia como pároco comum. Ele começou a vida sacerdotal como reitor de estudantes da Universidade Católica da América. Depois, passou adiante e foi presidente da universidade de Porto Rico, secretário do cardeal em Nova York, bispo auxiliar e depois bispo.
Mais recentemente, o cardeal Donald Wuerl serviu apenas alguns meses em uma paróquia antes de ser levado para a chancelaria, e depois para Roma para ser secretário de um cardeal, John Wright. Wuerl nunca mais esteve em uma paróquia. Ele passou a ser bispo auxiliar, depois bispo e depois arcebispo.
Ninguém deve ser nomeado bispo a menos que tenha tido experiência substancial nas trincheiras como pároco comum. Na Marinha, nenhum oficial seria considerado almirante se não tivesse pelo menos alguma “experiência de caserna”, realizando o trabalho básico de um oficial. É chocante como poucos de nossos bispos realmente têm uma experiência tão pobre na vida paroquial.
A experiência paroquial faz a diferença. Isso torna as pessoas mais empáticas com as lutas do crente comum. Faz a Igreja e suas muitas “regras” enfrentarem a vida real e suas muitas mudanças. Constrói compaixão, flexibilidade, compreensão e até oferece uma sensação de humildade. Eu sempre disse que na paróquia “todos, inclusive o pastor, limpam banheiros”.
Padres que pensam que suas coisas não cheiram mal não podem entender como todos as outras pessoas lutam com a condição humana.
Todo bispo deve ter, pelo menos, uma década o um período importante de serviço paroquial. Isso pode eliminar metade dos bispos da Igreja. Bom, de qualquer maneira eles não são os que queremos. Veja o cardeal Joseph Ratzinger. Para ele, o sacerdócio é uma viagem acadêmica. Mesmo para o cardeal Jorge Bergoglio, foi apenas quando ele saiu da via rápida nos jesuítas e se tornou um padre comum e bispo auxiliar que ele desenvolveu o coração de um pastor.
A dinâmica institucional tende a promover os “meninos brilhantes” e aqueles que passam muito tempo com o chefe, o bispo. É por isso que tantos secretários e vigários-gerais de bispos se tornam bispos.
Muito poucos João Vianneys ou são Vicentes de Paulo se tornam bispos. Por quê? Porque procuramos mais lealdade institucional do que santidade, compaixão, justiça ou um senso de empatia pelos pobres. A mentalidade clerical escolhe bispos porque eles são bons administradores, arrecadadores de fundos, próximos das pessoas certas. Não precisa ser assim. Podemos mudar isso alterando os critérios para quem é promovido. Podemos nos ajustar para lidar com a dinâmica institucional.
Há muito mais a dizer sobre dinâmica institucional. Mas você entendeu. Mude a dinâmica e mudaremos o resultado.
Teses inteiras foram escritas sobre nossa tradição corrompida e os problemas da formação do seminário. Esses dois temas terão que esperar pela próxima coluna. Fique ligado.
Publicado originalmente por NCR.
Tradução: Ramón Lara
Pe. Peter Daly é sacerdote aposentado da Arquidiocese de Washington e advogado. Após 31 anos de serviço paroquial, agora trabalha com instituições de caridade católica.

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