segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Povos do Ártico e do Pacífico são vítimas da mudança climática

-

Relatório ressalta que a mudança climática representa um golpe 'na identidade cultural dos habitantes do Ártico', especialmente os povos indígenas.


Ártico começa a mostrar sinais de sofrimento com mudanças climáticas.
Ártico começa a mostrar sinais de sofrimento com mudanças climáticas. (Flickr)
"É uma parte de nós que vamos perder", afirma Kabay Tamu. Quando o mar inundar sua pequena ilha de corais, sua terra e cultura correm o risco de desaparecer, assim como outras em todo planeta.
Kabay Tamu, de 28 anos, é um morador de Warraber, pequena ilha de quase 40 hectares e de menos de 300 habitantes entre a Austrália e Papua Nova Guiné.
"Vemos claramente os efeitos da mudança climática, o aumento do nível do mar, a erosão que leva nossa terra, com a qual temos uma profunda conexão cultural e espiritual", relata Tamu por telefone à reportagem.
O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado na quarta-feira (25), destaca a possibilidade de que algumas ilhas se tornem inabitáveis. Não necessariamente porque ficarão debaixo d'água, e sim porque as repetidas inundações contaminarão a água doce.
"Diante desta perspectiva sombria, cada um tem uma escolha pessoal", destaca Kabay Tamu.
Para ele e sua família, partir não é uma opção. "Perderíamos nossa cultura", justifica, ao mencionar as terras sagradas onde seu povo, que vive na ilha há milhares de anos, pratica diversas cerimônias e rituais.
A questão dos deslocamentos de moradores relacionada com a mudança climática é abordada nos aspectos prático, político, econômico e logístico. "Mas no que diz respeito ao aumento do nível do mar, devemos reconhecer que é uma questão totalmente diferente", destaca Bina Desai, do Observatório de Situações de Deslocamento Interno (IDMC).
"Não há retorno. É uma realocação, não apenas física, mas também cultural e espiritual", prossegue, ao citar a resistência de alguns à ideia de "partir sem seus antepassados" enterrados no local. O desafio é antecipar o possível deslocamento de populações inteiras "sem perturbar a identidade de sua cultura", afirma.
É mais fácil falar do que fazer, porém, quando esta identidade está profundamente arraigada na relação com o meio ambiente imediato, como alegam muitos povos indígenas, tanto nas pequenas ilhas do Pacífico como nas zonas geladas do Ártico.
Povo forte
"O povo sami pertence ao Sapmi (Lapônia) tanto como o Sapmi pertence ao povo sami", explica Jannie Staffansson, do Sami Council, que representa este povo do norte da Escandinávia.
Os sami já observam os danos do aquecimento global em seu território, onde a neve desaparece, e as renas têm dificuldades para encontrar comida. "Parte o coração observar os animais lutando", desabafa Staffansson.
"Se perdermos as renas, perderemos grande parte da nossa cultura", completa.
O mesmo acontece do outro lado do Oceano Ártico, com os inuit do Alasca e do Canadá. "As comunidades inuit querem manter seu estilo de vida e a vitalidade de uma cultura baseada na caça", insiste Dalee Sambo Dorough, membro do Inuit Circumpolar Council, que representa os 160 mil inuit.
Quando são perguntados sobre a possibilidade de partir, para ela a resposta é óbvia. "De maneira alguma. O Ártico é nossa pátria", afirma.
Ela admite que será necessário transferir parte dos habitantes, já que o gelo provavelmente cederá, mas aposta na adaptação dos inuit à adversidade. "Nosso povo é muito forte, conseguimos sobreviver no Ártico", aponta.
O mais recente relatório do IPCC ressalta que a mudança climática representa um golpe "na identidade cultural dos habitantes do Ártico", especialmente os povos indígenas. O documento vai além e também menciona o perigo iminente para os valores culturais e para a beleza das paisagens, vítimas do degelo em zonas de montanhas.
A cultura não está necessariamente ligada à terra e à natureza. Anders Levermann, do Instituto do Clima de Potsdam, questiona o futuro das megalópoles costeiras ameaçadas a longo prazo pelo aumento do nível do mar.
"Hong Kong é hoje um farol da democracia na China; Nova Orleans, um verdadeiro bastião cultural; Nova York, um lugar importante para os negócios. Hamburgo, Calcutá, Xangai... Perderemos todas estas cidades se não reduzirmos as emissões de CO2", alerta.
AFP

Nenhum comentário:

Postar um comentário