sábado, 26 de outubro de 2019

A urgente e necessária reforma no ministério ordenado

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A compreensão da natureza clerical precisa mudar e alcançar a realidade eclesial na prática
O padre Joshua J. Whitfield é casado, foi anglicano e se tornou católico sem deixar o presbiterato
O padre Joshua J. Whitfield é casado, foi anglicano e se tornou católico sem deixar o presbiterato (Arquivo pessoal)
Felipe Magalhães Francisco*

No catolicismo, a presidência da Eucaristia só é permitida aos presbíteros e bispos, bem se sabe. Em muitos lugares, essa questão traz um problema: a falta de ministros ordenados, no segundo grau da ordem, faz com que milhares e milhares de cristãos católicos não possam celebrar a Eucaristia dominicalmente. Há alguns anos, estimava-se que, no Brasil, 70% das comunidades eclesiais não tinham celebração eucarística aos domingos. A celebração da Palavra de Deus, que é um sacramental com sentido teológico-litúrgico de grande valor, tornou-se uma espécie de tapa-buraco: compreende-se que as celebrações da Palavra, presididas por diáconos e por leigos e leigas cumprem o preceito dominical.

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Esta não é, sem dúvidas, a solução para a problemática. Todo fiel tem o direito de celebrar a Eucaristia aos domingos, o dia do Senhor. A celebração da Palavra, nesse caso, é um paliativo, que acaba desfigurando seu real valor dentro do conjunto da ritualidade do cristianismo católico. Não é incomum, infelizmente, que as pessoas pensem que a celebração da Palavra seja uma mini missa ou que só seja celebrada na ausência de um presbítero, ou, pior, que não tenha tanto valor, pelo fato de não ser presidida por um padre.

Discute-se, com razão, a questão da ordenação de homens casados, para suprir essa carência eclesial que é real. Essa é uma das pautas do corrente Sínodo da Amazônia, que se encerrará no domingo próximo, dia 27. A questão para a qual chamamos a atenção, aqui, é que essa reflexão não deva se dar apenas por um quesito instrumental, no sentido de resolver a questão de ausência de padres em muitos lugares. O mesmo se diga para a questão tão importante da ordenação de mulheres e da inclusão pastoral de padres que pediram dispensa do ministério para se casar.

Essas três questões são importantes, longe de dúvidas. Mas devem se refletidas, sobretudo, como uma questão teológica, que parta da compreensão da variedade de ministérios e de estados de vida, dentro da Igreja. O ministério ordenado não pode ser entendido de modo cristalizado: ele não surgiu da maneira como é compreendida atualmente. Jesus não ordenou uma pessoa sequer! Nesse sentido, ele é e deve ser passível de mudanças. Ora, essa é uma das questões eclesiais centrais para os nossos tempos: é preciso uma reforma no ministério ordenado!

A formação daqueles que serão ordenados é bastante problemática. Nenhuma estrutura eclesial e eclesiástica mudará se não se mexer nos seminários e institutos de formação de seminaristas. Temos visto o surgimento de um novo clero que já nasce esclerosado: triunfalista, ufanista e longe do que realmente significa a ministerialidade do presbiterato. A compreensão da natureza clerical precisa mudar e alcançar a realidade eclesial na prática. Fora disso, toda iniciativa, tal como as três que aqui foram elencadas, por melhores que sejam, já nascerão viciadas. Basta que percebamos, por exemplo, o que acontece em muitas dioceses nas quais há o ministério de diáconos permanentes: muitas vezes, o que aconteceu foi uma clericalização de homens casados bem atuantes nas comunidades, que “subiram de carreira”.

A iniciativa do sínodo é pertinente e urgente. Mas ela não deve vir sozinha, é preciso coragem para mexer na estrutura do ministério ordenado que tem se tornado cada vez mais rígida. Não espanta que a questão da ordenação de homens casados, para a Amazônia, seja uma das questões cruciais para a votação, no sínodo, porque ela abre brechas para a conversa sobre o fim do celibato clerical.

Uma reforma do ministério ordenado é urgente, em muitos aspectos, mas, sobretudo, na maneira como eles compreendem seu próprio lugar na Igreja. A exortação da Primeira Carta de Pedro não deve cair no esquecimento: “Aos anciãos [presbíteros] entre vós, exorto eu [...]: sede pastores do rebanho de Deus, confiado a vós; cuidai dele, não por coação, mas de coração generoso; não por torpe ganância, mas livremente; não como dominadores da herança a vós confiada, mas antes, como modelos do rebanho” (1Pd 5,1-3).

*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

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