sexta-feira, 11 de outubro de 2019

EXCLUSIVO: canonização de mártires da Amazônia é cogitada no sínodo

Bispo apresenta ao papa Francisco uma proposta para que todos aqueles morreram em missão no território amazônico sejam reconhecidos como santos pela Igreja Católica.


Irmã Doroty: a missionária americana Dorothy Stang foi assassinada no dia 12 de fevereiro de 2005, aos 73 anos.
Irmã Doroty: a missionária americana Dorothy Stang foi assassinada no dia 12 de fevereiro de 2005, aos 73 anos. (Carlos Silva/Reuters)
Por Mirticeli Medeiros*
Especial para o Dom Total

Em entrevista exclusiva ao Dom Total nesta sexta-feira (11), o bispo de Rio Branco (AC), dom Joaquím Fernandéz, OAR pede a canonização de todos aqueles que morreram defendendo a Amazônia e os mais vulneráveis. Ele fez o pedido formal ao papa Francisco através de uma carta, entregue em mãos ao pontífice.
Caso o pedido seja acatado pelo papa, religiosos ativistas, reconhecidos mundialmente, receberiam as honras dos altares. Irmã Dorothy Stang, assassinada em 2005, seria a primeira da lista. O padre comboniano Ezequiel Ramín, morto a tiros na floresta amazônica após voltar de uma missão de paz, em 1985, também poderia integrar o elenco.
Reconhecimento do martírio
De acordo com o religioso, a proposta ainda é alvo de resistências “por eles não serem considerados mártires da fé”.
A Igreja Católica só dá o título de mártir a quem morre por questões ligadas à fé, como no caso de uma vítima de perseguição religiosa. Diferente das outras modalidades de reconhecimento da santidade de vida de uma pessoa, o martírio não necessita de um milagre para ser atestado. 
Óscar Romero
O processo do arcebispo salvadorenho Monsenhor Oscar Romero passou por algo parecido. Ele foi assassinado por um atirador de elite enquanto celebrava uma missa na capital do país, em 1980. Por aderir aos ideais de não violência e denunciar os atentados contra os direitos humanos em suas homilias, foi perseguido pelo regime militar da época.
Dorothy, a irmã semente

Nascida em Dayton, estado de Ohio (EUA), em 1931, Dorothy Stang ingressou na congregação das irmãs de Nossa Senhora de Namur aos 17 anos. Chegando ao Brasil em 1966, teve sua vida dedicada aos pobres da Amazônia. Sua morte em 2005 se deu por fidelidade à missão junto a um projeto de assentamento de terras da reforma agrária.

Os agricultores familiares do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança, em Anapu (PA), vinham sendo coagidos por madeireiros com visitas constantes de pistoleiros no assentamento. Por mais de um ano a irmã vinha denunciando a violência e as ameaças de morte, inclusive junto ao Ministério da Justiça, à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, e participando da CPI Mista da Terra, na Câmara Federal, como o fizera em 2004, quando foi à Brasília mais de uma vez.

Seu desejo, manifesto quando chegou ao Pará na década de 70, “de trabalhar com os mais pobres dentre os pobres”, resultou em 6 tiros tomados pelas costas. Os mandatários – grileiros, madeireiros e latifundiários – sentiram-se atrapalhados em seus interesses escusos. Junto ao corpo estava a Bíblia que lera aos seus assassinos antes de se virar e ser alvejada. A terra, que tanto havia defendido e onde queria ser sepultada, acolhia o corpo da irmã, semente da fé que busca a justiça do Reino, ao passo que era regada com seu sangue. De acordo com Dom Erwin, bispo da Prelazia do Xingu, onde fica Anapu, Dorothy "não foi enterrada: foi plantada".

Ezequiel, mártir da justiça

Ezequiel Ramin nasceu em Padova, Itália, em 1953. Desejoso por dedicar sua vida aos mais pobres e necessitados como missionário além-fronteiras, foi ordenado padre da congregação dos combonianos em 1980. Aos 30 anos foi enviado em missão ao Brasil, sendo destinado a trabalhar em Rondônia, que ainda estava em processo de colonização, na cidade de Cacoal.

Conflitos de terra marcavam a região. Os poderosos além da prática da grilagem, expulsavam e matava indígenas para ficar com suas terras e, assim, ampliar latifúndios. A falta de reforma agrária gerava gritantes forma de desigualdade social. Fiel à opção preferencial pelos pobres, Ezequiel colocou-se em defesa dos indígenas e dos posseiros (trabalhadores rurais sem-terra) em busca do direito à terra e à vida digna.

Após inúmeras ameaças, principalmente por suas denúncias da injustiça, no dia 24 de julho de 1985, aos 32 anos, o Ezequiel foi brutalmente assassinado. Foi pego de surpresa voltando de uma missão de paz, na qual pedira que os posseiros deixassem a Fazenda Catuva, que estava sendo disputada, por correrem perigo. Foi baleado várias vezes pelos pistoleiros a mando de fazendeiros da região. Seu corpo foi encontrado na estrada, a uns 50 metros da traseira do carro que utiliza nas missões.
Segundo irmã Antonietta Papa, atual superiora-geral das Filhas de Maria Missionária e que na época atuava na região, o missionário foi morto por dar nome às coisas. “Recordo que uma vez, durante uma reunião, leu-nos o texto de uma sua homilia, na qual citava nomes e sobrenomes… ‘Não pode dizer essas coisas’, alertamos preocupados”, testemunha a irmã. Os mandantes do crime nunca foram presos.

*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras.

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