quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Relembrar a esperança: uma tarefa para tempos sombrios

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A esperança cristã não é passiva, mas faz caminhar e não se conformar com este mundo.
A esperança cristã é baseada no encontro com o Ressuscitado.
A esperança cristã é baseada no encontro com o Ressuscitado. (Jan Tinneberg)
Por Fabrício Veliq*

Em tempos tão conturbados como o que presenciamos atualmente em nosso país – aumento da violência, crescimento dos empregos informais, quarteirização da força de trabalho, corrupção que atinge o judiciário, diminuição de direitos que atinge principalmente a parcela mais pobre da população, desvalorização da moeda e do prestígio que a nação demorou tanto tempo para conquistar, dentre tantas outras mazelas – torna-se salutar relembrar uma verdade teologal cristã: a esperança.

O texto bíblico, desde o Antigo Testamento, mostra que a esperança se faz presente nas diversas narrativas do povo hebreu. Ela deve se apresentar para nós hoje como importante chave de leitura da fé de Israel, na qual sempre se baseou, de que Deus é aquele que cumpre suas promessas.

O êxodo, evento marcante e relembrado até hoje pela comunidade judaica, pode ser lido como base de sua esperança. O povo crê que Deus enviou Moisés para lhe libertar da escravidão no Egito. Segue-o pelo deserto na esperança de habitar a terra de Canaã, crendo que aquele que prometeu é poderoso para cumprir. Os sinais feitos ao Faraó e sua terra eram indicativos de que o Deus, em quem colocava sua confiança, era maior que a opressão vivida sob o governo egípcio.

Nessa esperança, o povo segue o caminho do deserto – o que não deve ser visto somente como uma linda história para crianças. Antes, aí é possível ressaltar um aspecto que lhe é fundamental. Ela não é passiva, uma espera de que Deus resolva simplesmente os problemas do povo. Ao contrário, é algo que leva à ação da caminhada, motivada pela fé naquele que faz a promessa e é capaz de cumpri-la.

Também o Novo Testamento (principalmente Mateus), ancorado na narrativa do êxodo, mostrará Jesus se revelando como novo Moisés e, mais ainda, libertador de todo o mundo. Os paralelos são imensos e não devem ser esquecidos. Assim como Moisés liberta o povo da opressão do Egito, assim Jesus, de acordo com os Evangelhos, liberta o mundo da opressão da morte. Assim como  o primeiro traz a lei ao povo, o segundo revela a vontade de Deus ao mundo, mostrando que sua lei é o amor. Como um conduz o povo à terra prometida, o outro conduz a humanidade rumo ao Reino de Deus que há de vir. Como o povo precisou confiar na promessa de Deus a Moisés para se aventurar pelo deserto uma geração inteira, os que creem em Jesus necessitam compreender que a esperança cristã – apoiada na promessa da nova criação de todas as coisas – não é passiva, mas demanda ações efetivas sobre a realidade.

A esperança cristã é baseada no encontro com o Ressuscitado. Se ele ressuscitou, nós também seremos ressuscitados com ele. Se nele habita a plenitude da vida, então dela somos coparticipantes. Ao mesmo tempo, somos os responsáveis por mostrar ao mundo as nuances do Reino vindouro. A esperança cristã, quando bem compreendida como fruto do encontro com o Ressuscitado, deve gerar em nós o desejo de transformação da realidade. Em outras palavras, ela faz com que lutemos contra as estruturas de morte e opressão que habitam este mundo, faz tomar a causa que Jesus assumiu, a causa dos pobres e sem direito, dos marginalizados, desapropriados e esquecidos da sociedade.

Assim, essa esperança é aquela que faz caminhar e não se conformar com este mundo, lutando por sua transformação, por reconhecer que este não é o desejado por Deus. Ela, mesmo que às vezes esmorecida, segue firme, crendo que, como a ressurreição mostra que a morte não tem mais a última palavra, assim também é possível crer que as estruturas desta, que hoje imperam sobre nosso país, não serão vencedoras.

*Fabrício Veliq é protestante e teólogo. Doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE), Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), Bacharel em Filosofia (UFMG) E-mail: fveliq@gmail.com.

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