O uso de categorias gregas para falar de Deus trouxe problemas para o cristianismo.
Os atributos dos deuses gregos não deveriam ser aplicados ao Deus cristão. (Francisco Ghisletti/ Unsplash)
Por Fabrício Veliq*
Diversas são as imagens de Deus no cristianismo que persistem na mente de muitos cristãos. Uma delas é a visão que lhe confere os mesmos atributos dos deuses gregos. Sem dúvida, isso se deveu à grande influência da filosofia grega por ocasião da grande expansão de Alexandre também sobre o povo de Israel.
Essas influências, ao mesmo tempo que ajudaram na definição de diversos dogmas cristãos, também trouxeram questões que ainda pesam na forma como cristãos pensam Deus. As ideias de sua impassibilidade – ou seja, de que ele não pode sofrer ou ser afetado pelas ações humanas – e onipotência são alguns exemplos.
A onipotência a la grega coloca a relação entre Deus e o mal numa situação extremamente complicada. Gera a pergunta incômoda para diversas teologias que a tem como base: “por que Deus permite ou não acaba com o mal se ele é onipotente?”. Para o filósofo Epicuro, se Deus, em sua onipotência, podendo acabar com o mal, não o faz, é sádico; se não acaba porque não pode, então não é onipotente. Dependendo do conceito de onipotência usado, tem-se uma visão totalmente diferente de Deus.
A questão da impassibilidade, também muito difundida entre os gregos, afirmava que Deus não poderia sofrer, uma vez que isso implicaria em alteração, o que seria sinal de imperfeição. Contudo, pensar um Deus impassível compromete grandemente a proposta cristã e coloca em xeque o próprio princípio da encarnação. Caso compreendamos esta como entrada de Deus no mundo, sua assunção da humanidade e carnalidade, precisaremos lançar por terra a ideia de que não pode sofrer. Afinal, assumir a humanidade implica também em assumir todo o sofrimento humano e suas mazelas.
Ao mesmo tempo, se Deus é amor, como afirma a Primeira carta de João, então não é razoável a ideia de que não sofra. Amar é sempre sofrer o outro, reconhecendo sua liberdade de até mesmo não querer retribuir o amor oferecido. Isso é um absurdo para muitos e leva a pensar que todos são obrigados a amar a Deus sob a pena de ir para o inferno caso não o façam. A encarnação revela, desse modo, a radicalidade do amor divino que considera o ser humano como alguém com grande dignidade e possibilidade de escolha sobre qual vida deseja seguir.
Com isso em mente, não deveria ser espantoso que o Deus cristão precise ser visto como quem se importa e, por isso, está disposto a se envolver com aqueles a quem ama. Um cristianismo baseado no exemplo de Cristo, a partir da encarnação, entende-se como religião que se dispõe a sofrer as dores do mundo, as causas dos marginalizados, angustiados, pobres e miseráveis como sua própria causa, lutando contra todas as estruturas que geram morte na sociedade.
Como diria o teólogo Moltmann, “um Deus que não pode sofrer também não pode amar”. Portanto, se nos dizemos seguidores de Cristo, não podemos ter uma atitude que segue na contramão desse princípio. Difícil? Sim. Mas, como toda atitude de amor, exige a disposição para sermos como Jesus e, por meio do amor com que fomos amados, exalá-lo e praticá-lo por onde passarmos.
*Fabrício Veliq é protestante e teólogo. Doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE), Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), Bacharel em Filosofia (UFMG) E-mail: fveliq@gmail.com
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