segunda-feira, 25 de novembro de 2019

ELA, a doença mais perversa

Cruel e sem cura, ELA apaga impiedosamente a vida de suas vítimas


Nirlando:
Nirlando: "É fatal que eu fique pensando sobre o tempo que me resta"
Cynara Menezes*
Tudo começou com um tombo subindo uma escada que resultou numa pequena fratura no joelho. Seis meses de tratamento ortopédico não deram jeito no problema e ele foi aconselhado por seu amigo médico, Dráuzio Varella, a procurar um neurologista. Há três anos, o jornalista Nirlando Beirão, atualmente com 70 anos, era diagnosticado com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), enfermidade degenerativa que afeta o sistema nervoso e resulta progressivamente em paralisia motora – aquela doença da qual foi vítima o cientista britânico Stephen Hawking, morto em 2018.
Nirlando não esconde o pânico que sentiu diante da notícia. “A minha condenação viera escrita em duas páginas bastante conclusivas, resultado de um exame –eletroneuromiografia– que fiz depois de muito azucrinar mais de um neurologista. Minúcias de números ilustravam a sentença diabólica”, escreve no livro Meus Começos e Meu Fim (Companhia da Letras), relato autobiográfico que soa ao mesmo tempo como um exorcismo da doença e uma comunhão com o passado.
Mineiro de Belo Horizonte, o redator-chefe da revista CartaCapital mistura o testemunho sobre ELA, sempre pontuado pelo humor sarcástico que lhe é característico, à história real do amor proibido que uniu sua avó paterna ao futuro marido, um padre português, no interior das Minas Gerais do começo do século 20. Um segredo sussurrado entre os feijões tropeiros e os doces de leite dos almoços de família de sua infância, e que Nirlando cavouca com o prazer dos que se libertaram da preocupação com o juízo dos parentes ou da posteridade.
“Hoje sou apenas a minha mão direita”Nirlando: “Hoje sou apenas a minha mão direita”
“É fatal que eu fique escrutinando o futuro, com a ansiedade hasteada, em busca da resposta impossível sobre o tempo que ainda resta. Mas é o passado que me subjuga, dia e noite, enumerando, como numa penitência sem remissão, tudo aquilo que nunca fiz. Nunca aprendi a nadar. Nunca pilotei uma Ferrari. Nunca pensei na aposentadoria que me deixaria hoje confortável. Nunca”.

Contar a saga amorosa dos avós era uma dessas frustrações, cortada da lista implacável das não realizações graças à ajuda preciosa de sua mão direita, que não o abandonou, ao contrário das cordas vocais. “Sou hoje a minha mão direita. De todas as roldanas, polias, gruas e alavancas subcutâneas que comandam, com competência invisível, nossos movimentos, este é o único item da anatomia que não me traiu miseravelmente. Sou destro – aleluia!”
O livro tem um sabor inegável de despedida, a começar pelo título, mas é também uma celebração ao estilo que o jornalista sempre cultuou. Nirlando é um dos mais elegantes repórteres brasileiros, elegante na maneira de ser e no conteúdo; um esteta do jornalismo – e não é uma doença que o faria esquecer disso. Não deve ser fácil escrever sobre si mesmo diante de uma enfermidade tão dura sem ceder à autocomiseração. Nirlando consegue escapar da armadilha, mesmo que não evite ser cru, sem floreios, sobre o destino que o espera.
A esclerose lateral amiotrófica (ELA), cuja causa específica ainda é desconhecida, caracteriza-se pela degeneração progressiva de neurônios motores localizados no cérebro e na medula espinhal. Esses neurônios são células nervosas especializadas que, ao perderem a capacidade de transmitir os impulsos nervosos, dão origem à doença.
Não se conhece a causa específica para a esclerose lateral amiotrófica. Parece que a utilização excessiva da musculatura favorece o mecanismo de degeneração da via motora, por isso os atletas representam a população de maior risco.
Outra causa provável é que dieta rica em glutamato seja responsável pelo aparecimento da doença em pessoas predispostas. Isso aconteceu com os chamorros, habitantes da ilha de Guan no Pacífico, onde o número de casos é 100 vezes maior do que no resto do mundo. Estudos recentes em ratos indicam que a ausência de uma proteína chamada parvalbumina pode estar relacionada com a falência celular característica da ELA, uma doença relativamente rara (são registrados um ou dois casos em cada 100 mil pessoas por ano, no mundo), que acomete mais os homens do que as mulheres, a partir dos 45/50 anos.
Apesar das limitações progressivas impostas pela evolução da doença, o paciente costuma ser uma pessoa dócil, amorosa, alegre, que preserva a capacidade intelectual e cognitiva e raramente fica deprimida. No caso de Nirlando, não o impede de continuar sendo torcedor apaixonado do Atlético Mineiro e do Corinthians.
Mineiro de BH, Nirlando é torcedor apaixonado do Galo.Mineiro de BH, Nirlando é torcedor apaixonado do Galo.
Sintomas

O principal sintoma é a fraqueza muscular, acompanhada de endurecimento dos músculos (esclerose), inicialmente num dos lados do corpo (lateral) e atrofia muscular (amiotrófica), mas existem outros: câimbras, tremor muscular, reflexos vivos, espasmos e perda da sensibilidade.
Diagnóstico
A doença é de difícil diagnóstico. Em grande parte dos casos, o paciente passa por quatro, cinco médicos num ano, antes de fechar o diagnóstico e iniciar o tratamento.
Tratamento
O tratamento é multidisciplinar sob a supervisão de um médico e requer acompanhamento de fonoaudiólogos, fisioterapeutas e nutricionistas. A pesquisa com os chamorros serviu de base para o desenvolvimento de uma droga que inibe a ação tóxica do glutamato, mas não impede a evolução da doença. Os experimentos em curso com animais apontam a terapia gênica como forma não só de retardar a evolução, como possibilidade de reverter o quadro.
Recomendações
O diagnóstico e o início precoce do tratamento são dois requisitos fundamentais para retardar a evolução da doença. Não subestime os sintomas, procure assistência médica.
Embora a ELA seja uma doença degenerativa irreversível, não há como fazer prognósticos. Em alguns casos, a pessoa vive muitos anos e bem.
A relação do paciente com a equipe médica e familiares é sempre muito rica. Ele está sempre animado e procurando alternativas para enfrentar as dificuldades do dia a dia.
Pelo menos aparentemente, o portador da doença costuma sofrer menos do que o cuidador, que precisa aprender a maneira correta de tratar do doente, sem demonstrar que teme por sua morte iminente.
*Cynara Menezes (cynara@socialistamorena.com.br) é editora de Socialista Morena, um site independente que cobre temas como cultura, política, feminismo, direitos humanos, mídia, entre outros.

domtotal.com
Nirlando Beirão fala sobre ELA à TV Bandeirantes

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