Há uma janela para a esperança em meio às desilusões e incertezas da existência humana no mundo
A espera desse Messias que vem, nos arranca das amarras da totalidade e nos lança ao Infinito (NeONBrand/Unsplash)
Pe. Rodrigo Ferreira da Costa, SDN*
O tempo litúrgico do advento convida-nos à preparação para acolher o Cristo que vem. Os cristãos vivem de uma espera: a de que um dia Aquele que era e que é, virá (Ap 1, 8). E então não haverá mais morte, nem luto, nem angústias, nem lamentos, nem medos, nem dor, porque tudo isso deixará de ser (Ap 21, 4). Essa espera pela vinda de “Senhor e do seu Reino” já nos mobiliza a viver ativamente segundo a nossa esperança. Pois a esperança cristã é performativa, já experimentamos o “hoje” do primeiro dia da semana da nova criação. Isso nos livra do fatalismo histórico e pessoal e lança-nos para a esperança na promessa de “novos céus e nova terra”. Porque a história não é o entre-tempo da espera. Ela é advento. É peregrinar pelas trilhas Daquele que vem ao nosso encontro. Ele é o Emanuel, o Deus conosco que “visitou e libertou o seu povo” (Lc 1, 68), que “se angustiou em nossas angústias” (Is 63, 8s) e prometeu conduzir seus servos e os consolar quando estes atravessam o vale sombrio (Sl 23). Mas Ele é também o Deus adveniente, que vem a cada instante para nos salvar, que passa e se passa em nossa história. Por isso, o discípulo (a) desconhecendo o dia e a hora em que o Senhor virá, precisa estar de prontidão para recebê-Lo nos irmãos e irmãs, principalmente nos pobres e excluídos, para aprender a amar.
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O messianismo de Jesus não fechou a história, pelo contrário, “o que aconteceu com ele é prolepse (antecipação) de tudo o que acontecerá com a humanidade” (Pannenberg). O Novo Testamento procura manter a dialética entre “o já e o ainda não”. Jesus anuncia a proximidade do Reino de Deus (Mc 1, 15) e aponta o seu agir-no-mundo como a presença do Messias e a irrupção do Reino de Deus entre nós (Mt 11, 2-5), por outro lado, ele ensina seus discípulos a rezarem pela vinda do Reino (Mt 6, 10). Em Cristo, a humanidade já entrou no sábado, no repouso do Senhor, mas ainda esperamos o “sábado” definitivo no qual “ninguém mais vai sofrer, ninguém vai chorar, ninguém mais vai ficar triste” (Oração eucarística para missa com crianças – III).
No sábado, Deus inabita na criação e a criação repousa em Deus. Toda a criação é predestinada para o sábado, para o dia do Senhor, dia pleno de paz e harmonia. Esta experiência do sábado, nós já a fazemos sacramentalmente em nossas liturgias. Na Eucaristia fazemos memória do fim do mundo e da nova criação (morte-ressurreição de Jesus). O domingo, dia do Senhor, é a expressão da escatologia realizada, pois já estamos introduzidos na nova criação libertada de toda escravidão, angústia, opressão. Já saboreamos a alegria eterna da nova criação. Pois, na Eucaristia, memorial da páscoa do Senhor somos transformados também, pelo Espírito, num só corpo, ou seja, já experimentamos em nós mesmos a inabitação de Deus. Mas, a Eucaristia também mantém a esperança escatológica na vinda do Senhor. “Todas as vezes que vocês comem deste pão e bebem deste cálice, estão anunciando a morte do Senhor, até que ele venha” (1 Cor 11, 26).
Mas como pensar uma esperança que não nos tira do mundo, nem tampouco nos aliena a ele? O ser humano tem dificuldade de viver na tensão. Gostamos dos extremos. Muitos tentam “fugir do mundo” no intuito de encontrar o “paraíso perdido”, esquecendo-se que “cada instante do tempo é parábola do Eterno” (K. Barth). Por outro lado, há aqueles que querem identificar o Reinado de Deus com ideologias políticas e econômicas, acreditando que o Reino de Deus já se realiza plenamente no aqui e agora de nossa história, esquecendo-se das palavras de Jesus que alertou os seus discípulos contra os falsos messias: “Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: ‘sou eu!’ e ainda: ‘O tempo está próximo.’ Não sigais essa gente!” (Lc 21, 8).
Santo Agostinho dizia que tinha medo que Deus passasse sem que ele o percebesse. Ele temia não se dar conta de ver e sentir os “sinais” de Deus e, este acabasse passando despercebido. Seguindo o conselho do santo de Hipona, precisamos cultivar em nós o espírito de vigilância na fé, na oração, em uma abertura atenta e disponível para reconhecer os “sinais” da vinda do Senhor em todas as circunstâncias e momentos da vida, e não deixarmos Deus passar despercebido por nós. Essa atenção vigilante não nos deixa desperdiçar as ocasiões de acolher e amar Deus no próximo. Como nos alerta o Papa Francisco: “A pessoa atenta é a que, em meio ao barulho do mundo, não se deixa tomar pela distração ou pela superficialidade, mas vive de maneira plena e consciente, com uma preocupação voltada antes de tudo aos outros. Com esta atitude percebemos as lágrimas e as necessidades do próximo e podemos dar-nos conta também das suas capacidades e qualidades humanas e espirituais” (Angelus, 3 de dezembro de 2017).
A espera desse Messias que vem, nos “arranca” das amarras da totalidade e nos lança ao Infinito. “Expulsa-nos” da imanência e nos abre à transcendência, sem com isso negar a história e a nossa liberdade encarnada. Experimentar o eschaton em nossa vida cotidiana é perceber que há uma janela para a esperança em meio às desilusões e incertezas da existência humana no mundo. Isso nos faz caminhar pelos desertos da vida e da história em busca da Terra da Promessa, na esperança de entrarmos/experimentarmos o repouso do SENHOR.
Mais do que perguntar pelo dia e a hora em que Jesus virá, nossa atitude primeira é a de acolher e reconhecer o Senhor que continuamente vem ficar conosco e segui-lo no caminho que leva ao Pai, a fim de que, com sua vinda gloriosa no fim dos tempos ele nos introduza no seu Reinado de amor, justiça e paz, para fazer-nos tomar parte no banquete da alegria eterna. Neste sentido, a vinda do Senhor deve ser esperada e não programada; pois, como um amigo que vem nos visitar (cf. Ap 3,20-21), Ele deve ser esperado na expectativa de encontrá-lo.
*Padre Rodrigo, SDN é licenciado em Filosofia, bacharel em Teologia, com especialização em formação para Seminários e Casa de Formação. Mora atualmente na paróquia São Bernardo, Belo Horizonte - MG
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