quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Não há espaço para uma manjedoura no shopping

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É preciso um esforço consciente para preservar o Advento e o senso de expectativa adequado à estação


O presépio é exibido durante uma cerimônia de iluminação da árvore de Natal na Praça de São Pedro, no Vaticano, em 5 de dezembro
O presépio é exibido durante uma cerimônia de iluminação da árvore de Natal na Praça de São Pedro, no Vaticano, em 5 de dezembro (CNS/ Paul Haring)
Michael Sean Winters


O Natal se aproxima. As velas do advento, três roxas e uma rosa, adornam o altar. O Gloria não é cantado há três semanas. As leituras de Isaías nos apontam, como apontaram para o povo de Israel, a vinda do Messias e o seu Reino. Ao longo da rua principal da minha cidade, a maioria das casas tem velas nas janelas, iluminando o caminho para aquele que receberemos no interior das nossas casas na noite do Natal.
Fora do ambiente da Igreja, um Natal diferente já chegou. As lojas estão lotadas, e nos fins de semana ficam ainda mais intransitáveis. Os caminhões de entrega de correios são onipresentes, entregando as compras do Cyber Monday. Notei os primeiros itens de Natal no mercado do meu bairro no fim de semana depois do Halloween. As grinaldas já têm fitas vermelhas, e não roxas. As luzes das árvores de Natal brilham através das janelas de muitas casas e, nos gramados, todo tipo de coisas aparecem, desde um Papai Noel inflável até um quebra-nozes de madeira. Algumas casas são enfeitadas com luzes gritantes.
É preciso um esforço consciente para preservar o Advento e o senso de expectativa adequado à estação. Requer disciplina espiritual para evitar o consumismo que realmente tirou o Cristo do Natal e o substituiu pelo dinheiro. Em papel de embrulho!
Nosso santo padre, o papa Francisco, nos prestou assistência especial este ano com uma curta carta apostólica intitulada Admirabile signum. Confesso que não li a notícia no National Catholic Reporter em 2 de dezembro. Nem me lembro de ter visto a manchete. Mas um amigo me incentivou a ler esta curta epístola do papa e é realmente maravilhosa.
A carta nos encoraja a mantermos e restaurarmos a tradição de erguer um presépio - em nossas casas, em nossas igrejas e em nossas escolas. E ainda reflete sobre a história do presépio e, mais importante ainda, a espiritualidade da cena:
De modo particular, desde a sua origem franciscana, o presépio é um convite a "sentir", a "tocar" a pobreza que escolheu, para Si mesmo, o Filho de Deus na sua encarnação, tornando-se assim, implicitamente, um apelo para O seguirmos pelo caminho da humildade, da pobreza, do despojamento, que parte da manjedoura de Belém e leva até à cruz, e um apelo ainda a encontrá-Lo e servi-Lo, com misericórdia, nos irmãos e irmãs mais necessitados (cf. Mt 25, 31-46).
O papa nos pede para refletir sobre a cena, começando com o céu estrelado e os temas de escuridão e luz que sustentam nossas perguntas existenciais: Quem sou eu? De onde venho? Por que amo e sofro?
Francisco nos pede que consideremos a tradição das ruínas que cercam e, em alguns casos, até substituem a caverna em Belém como pano de fundo para a manjedoura. "Aquelas ruínas são sinal visível sobretudo da humanidade decaída, de tudo aquilo que cai em ruína, que se corrompe e definha. Este cenário diz que Jesus é a novidade no meio dum mundo velho, e veio para curar e reconstruir, para reconduzir a nossa vida e o mundo ao seu esplendor originário".
O papa nos pede que consideremos o papel dos pastores na história do nascimento de Cristo:
"Vamos a Belém ver o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer" (Lc 2, 15): assim falam os pastores, depois do anúncio que os anjos lhes fizeram. É um ensinamento muito belo, que nos é dado na simplicidade da descrição. Ao contrário de tanta gente ocupada a fazer muitas outras coisas, os pastores tornam-se as primeiras testemunhas do essencial, isto é, da salvação que nos é oferecida. São os mais humildes e os mais pobres que sabem acolher o acontecimento da encarnação.
Ele observa que muitas pessoas acrescentam números adicionais e acredita que os números mais adequados são os pobres. "Em primeiro lugar, as de mendigos e pessoas que não conhecem outra abundância a não ser a do coração", escreve o papa. "Também estas figuras estão próximas do Menino Jesus de pleno direito, sem que ninguém possa expulsá-las ou afastá-las dum berço de tal modo improvisado que os pobres, ao seu redor, não destoam absolutamente. Antes, os pobres são os privilegiados deste mistério e, muitas vezes, aqueles que melhor conseguem reconhecer a presença de Deus no meio de nós". Este não é um resumo apurado dos ensinamentos de Francisco nesses sete anos?
O papa discute a importância de Maria e José, de colocar o Menino Jesus na manjedoura no Natal e os Reis Magos na Epifania. Também oferece reflexões concisas sobre o significado teológico do presépio e de todas as suas partes, mas o principal é que o presépio é um meio de transmitir a fé. É algo tão simples que até uma criança pode entender.
"A sua representação no presépio ajuda a imaginar as várias cenas, estimula os afetos, convida a sentir-nos envolvidos na história da salvação, contemporâneos daquele evento que se torna vivo e atual nos mais variados contextos históricos e culturais", ele escreve.
Uma das coisas que aconteceram depois do Concílio Vaticano II, e que acho que agora podemos ver com algum pesar é o desaparecimento de muita piedade popular. Não erramos ao nos concentrarmos na eucaristia, especialmente nesse tempo que ficou na língua das culturas locais e podíamos entendê-la. Mas a piedade popular – figuras de santos e água benta no lar, peregrinações, procissões, devoções familiares - são coisas que agem como uma espécie de estrutura espiritual para a eucaristia. Esses gestos de piedade não competem com a missa, mas apoiam a fé necessária para discernir o corpo e sangue de Cristo na Eucaristia.
Nossos irmãos e irmãs latinos não abandonaram sua piedade popular como nós. Quem pode deixar de testemunhar os fogos de artifício, as faixas mariachi e as centenas e centenas de buquês de flores aos pés da Virgem de Guadalupe na semana passada e não reconhecer que a fé de nossos irmãos e irmãs latinos está viva de uma maneira que a fé na Igreja Anglófona não está?
A causalidade é uma coisa difícil de determinar, mas é claro que uma das razões pelas quais a religião está nas cordas no Ocidente é que nos tornamos ricos. Na semana passada, Jonathan Luxmoore publicou um ótimo artigo na National Catholic Reporter sobre o 30º aniversário do colapso do comunismo na Europa Oriental. Nele, foi observado: "A igreja teve que lidar com seus próprios problemas. As esperanças de um reavivamento religioso em massa, alto nos primeiros anos após o domínio comunista, desapareceram à medida que o estilo de vida dos consumidores diluía o entusiasmo popular".
"Você não pode servir a Deus e ao dinheiro", disse Jesus a seus discípulos (Mateus 6,24). Veja o que nossa cultura de consumo fez no Natal e você poderá discernir o quão presente está Jesus. Francisco nos desafia de muitas maneiras, mas sempre nos desafia a aprofundar nossa fé. Este advento, ao reunirmos em torno dos nossos presépios, Deus permita que o aprofundamento da fé seja nossa oração.
Publicado originalmente por NCR.
*Michael Sean Winters cobre o nexo de religião e política para a NCR

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