quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Nesta temporada do Advento, ouça os profetas de sua cidade


O Tempo de Advento tem foco na leitura bíblica dos profetas, mas estes ainda estão ao nosso redor


Podemos, ao longo de nossas vidas, encontrar profetas sem percebermos
Podemos, ao longo de nossas vidas, encontrar profetas sem percebermos (Waldemar Brandt/ Unsplash)
Jeffrey Essmann


O advento possui uma estranheza maravilhosa. Passamos por seus dias roxos acendendo velas em meio a um mundo sombrio, cantando O Senhor está a caminho (O come, o come, Emmanuel), que nos diz para nos regozijar, mas que soa mais como um hino fúnebre. E ouvimos aqueles poetas peculiares, os profetas. Eles aparecem, é claro, durante todo o ano, mas no Advento ocupam o centro do palco: João Batista anunciando o "Espírito e o fogo", Isaías aguardando "uma grande luz". A verdadeira estranheza do Advento é a estranheza da voz profética, uma voz que flutua entre a denúncia e o consolo, o presente e o futuro, a causa e o efeito. É uma voz que ecoa no silêncio sagrado de nosso coração, e o Advento é um período de quietude, para que possamos captar essa ressonância e ser atraídos por Deus através desse eco.
Enquanto os profetas, em geral, parecem chamar a atenção, Jesus apontou que eles não foram reconhecidos em sua terra natal. Isso implica que podemos, ao longo de nossas vidas, encontrar profetas sem percebermos, aquelas pessoas que por gentileza ou chatice (ou alguma combinação das duas qualidades) nos chamaram para o caminho do que realmente somos e apontam para onde deveríamos ir  –pessoas como nossos pais. A Bíblia está repleta de pais cuja intimidade com Deus impulsionou seus filhos a vidas de santidade e testemunho extraordinário: Abraão, Isaac, Jacó, a mãe dos mártires dos Macabeus, a mãe dos filhos de Zebedeu. Maria, de fato, foi profeta no casamento de Canãa, quando disse a Jesus que o vinho estava acabando. Sua profecia: “Sua vida privada acabou. Está na hora de brilhar”.
Meu pai era um profeta improvável – talvez, segundo a tradição, até relutante. Ele não era um homem particularmente religioso e nem muito comunicativo. Mas os profetas não são necessariamente faladores (Sim, Isaías conta com 66 capítulos, mas Obdias tem poucas páginas). Havia também uma profecia de atos simbólicos – Jeremias enterrando um cinto de linho, Ezequiel deitado de lado por mais de um ano – o que constituía uma espécie de arte performática a Idade de Bronze. E, embora meu pai certamente fosse capaz de provocar uma diatribe ocasional, principalmente durante minha adolescência, quando me viu mergulhando nas idolatrias da contracultura dos anos 60, sua verdadeira profecia era silenciosa, constante e performativa, apontando-me para um reino que aparecia misteriosamente no Centro-oeste.
Todo verão, ele levava a família por uma semana ou duas para um chalé à beira de um lago no norte de Wisconsin, minhas primeiras experiências com a beleza da natureza e o mistério por trás dessa beleza. Poucas horas depois, na direção norte, a proporção de árvores mudaria de decídua para a conífera e o ar ficava com um cheiro de menta limpa de sempre-vivas. Depois do jantar, ele e mamãe sentavam-se à beira do lago e observavam o pôr-do-sol, enquanto meu irmão e eu rondávamos a beira do lago, tentando pegar os pequenos sapos que só saíam ao entardecer. Todas as férias incluíam uma visita a um parque estadual e uma caminhada pelo profundo da floresta, onde senti pela primeira vez que havia algo no mundo, na vida, que era totalmente sem nome e inexprimivelmente bom.
Foi também no lago que meu pai me ensinou o silêncio. Algumas manhãs depois do café da manhã, ele me dizia para pegar minha vara de pescar e encontrá-lo no píer. Quando nos levou para o lago e eu comecei a tagarelar de emoção, ele me lembrou que pescar era essencialmente uma atividade silenciosa: "Você não quer assustar o peixe".
Nós iscamos nossos anzóis e perseguimos nossos peixes em um silêncio quase monástico. Ocasionalmente, podia fazer uma pergunta (por que alguns peixes parecem tão engraçados?); ele me contava alguma história da pesca (um pique do norte em que pegou vários peixes antes de eu nascer). Mas, em geral, ficamos em silêncio – silenciosos e felizes. Algumas vezes, percebia minha vara de pesca balançando e cambaleando no sol da manhã; ouvia uma pequena onda errante ao lado do barco, seriam momentos inesquecíveis. Eu adorava meu pai. Aqueles tempos em que fiquei sentado em silêncio na presença de um pai amoroso me ensinaram quase tudo o que eu precisava saber sobre oração e sobre o céu. Hoje, quaisquer pequenos êxtases que eu aprecie estão cheios de lagos e peixes de água doce.
Na plenitude do tempo, fui entregue a uma comunidade de profetisas para minha educação formal: as Irmãs da Escola de Notre Dame. Embora costumemos associar profecia a indivíduos, havia no tempo do Antigo Testamento também comunidades proféticas, contínuas ou circunstanciais (Em certo ponto, durante os 40 anos no deserto, Deus derramou o espírito profetizador não apenas sobre Moisés, mas sobre 70 anciãos israelitas – mas apenas por um curto período de tempo). Contudo, solo ou em grupos, o carisma profético era o mesmo: instigado por uma intensa experiência do Deus vivo, chamando o povo de volta para a aliança e transformando-o em uma comunidade digna de seus filhos. Com uma visão tão perspicaz quanto a de Isaías, eles viram o futuro.
As irmãs abrangeram toda a gama de temperamento profético. A irmã Julita na primeira série foi consoladora, tendo um prazer evidente em nos mostrar o amor de Deus. A irmã Gemma na quarta série inclinou-se mais para a ira dele. Embora as irmãs se concentrassem incansavelmente no bem e no verdadeiro, nunca abandonaram o belo. Foi a “irmã da arte” que me apresentou a Cézanne (e, por extensão, as glórias da cor); um grupo de irmãs fazendo uma leitura coral de Leaves of grass que me emocionou com Walt Whitman. E, no sentido profético mais tradicional e preditivo, foi minha professora, freira, da sexta série que me disse pela primeira vez que eu seria escritor. Mais importante de tudo, elas me apresentaram a um Deus ainda ativo no mundo através de seu filho. A última vez que vi minha professora da sétima série foi em uma foto na primeira página do jornal arquidiocesano, de braços dados com outros religiosos católicos na linha de frente de uma manifestação de direitos civis.
Vivemos em um mundo em que a profecia foi abafada pela previsão: o clima, as eleições, o mercado de ações. Mas João Batista não conduziu pesquisas. A precisão de Isaías não teve uma margem de mais ou menos 3 pontos percentuais. Os profetas simplesmente dizem a verdade. E nos concentramos neles durante o Advento, porque é o tempo que nos leva à maior verdade de todas: Deus está conosco. Ele está aqui, agora. Nós somos salvos. É uma mensagem extraordinária que todos nós, cristãos comuns – pais, professores, paroquianos, amigos – devemos transmitir. No batismo, fomos ungidos para sermos profetas uns para os outros e para o mundo, testemunhar a grande luz, arder com o Espírito e o fogo e ecoar a voz de Deus no coração de todos. E sim, podemos passar despercebidos em nossas cidades; mas se tivermos sorte, podemos animar o Reino de Deus.
Publicado originalmente em America / domtotal.com
Tradução: Ramón Lara

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