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A acolhida do Reino de Deus nas vidas particulares engendra uma transformação radical das relações sociais
A acolhida do Reino de Deus nas vidas particulares engendra uma transformação radical das relações sociais (Pixabay)
Por Tânia da Silva Mayer*
Dezembro se inicia com uma atmosfera natalina que vem se arrastando desde o dia das crianças em outubro. O comércio nos faz sempre lembrar que o fim do ano está próximo e que ele tem seu início dois meses antes do fim. Com as decorações de natal, as pessoas também começam adquirir hábitos e discursos mais conciliadores que terão seu ápice nas felicitações de natal e ano novo. Mas se pode duvidar se isso é feito com sinceridade.
Essa experiência antecipada do natal em outubro é comum para cristãos e não cristãos. O comércio não poupa ninguém. No entanto, formalmente, os cristãos iniciaram dezembro com as celebrações do tempo do advento. Antes disso, na reta final do tempo comum, foram nutridos de uma riquíssima teologia que recordava a eminência do reinado de Deus sobre o mundo.
Esse caráter escatológico, isto é, esse momento que condensa a expectativa sobre o último momento e a finalidade de todas as coisas vividas, é o tom inicial desse tempo caracterizado por uma espécie de espera vigilante pela manifestação definitiva de Jesus Cristo na completude do tempo, quando, não nos é dado saber. Por essa razão, essa semana e a próxima se desenvolvem numa atmosfera de que a qualquer hora podemos ser assaltados pelo Reino definitivo. Esse clima deveria ensinar aos cristãos que esse tempo e essa vida não bastam, que o apego ao poder e às coisas materiais são vaidades ilusórias e que é urgente a conversão para o que é realmente fundamental.
E não há dúvidas quanto ao que os cristãos são chamados a se converter. A acolhida do Reino de Deus nas vidas particulares engendra uma transformação radical das relações sociais. Precisamente, essas relações se realizam radicadas na justiça e na fraternidade universais. E isso só é possível graças à mudança de paradigma que coloca os adversários em verdadeiras situações de conciliação, pois já não desejam e não praticam o mal com vistas a prejudicar ou eliminar o que pensa e se comporta de maneira diferente no mundo.
Por isso, o tempo do advento apresenta uma dimensão ética que exige um saber viver bem com os adversários de modo a não os prejudicar. Nesse sentido, aquele espírito acomodado e acovardo que faz ressoar da boca de muitos o “Maranata, vem Senhor!!” deve ceder lugar a uma espiritualidade que nos confronta exigindo de nós o florescimento de outra postura justa para com os outros, para com a criação e para com Deus.
Desse modo, logo veremos que posturas conservadoras e fundamentalistas oferecem forte resistência às transformações que o reinado de Deus deve engendrar no mundo. Porque essas posturas tem como ponto de partida não a justiça e a fraternidade universais, mas o prejulgamento e o cultivo de uma assimetria irreconciliável entre os diferentes, a não ser que se faça adesão às suas doutrinas e ao seu modo unilateral de ver a vida e as relações.
Por isso mesmo, há grandes grupos dentro do cristianismo que vendem a alma ao mercado e fazem desse período do ano um momento para uma caridade fingida e comercial e, portanto, descompromissada e descompassada com a verdadeira revolução que acontece nos corações pela proximidade do Reino inaugurado por Jesus. Certamente, essa caridade não traduzida num modo novo de ser e estar no mundo com as outras pessoas diante de Deus livra alguns da exigente proposta ético-espiritual feita aos cristãos neste tempo da presença aproximada do Senhor.
Essa presença aproximada renova a esperança por um novo céu e uma nova terra para além desse mundo e procura animar os que realmente se deixaram confrontar por Jesus e por sua palavra. Não apenas animar, mas encorajar a enfrentar com resiliência os inúmeros empreendimentos como esses que impedem o Reino se expandir com maior acolhimento por parte das pessoas. É também a esperança que nos faz olhar para além das bolas, das luzes e dos enfeites natalinos que decoram shoppings e igrejas e contemplar em lugares remotos do mundo o Reino que emerge silenciosamente sinalizando sua força trans-formadora.
*Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE); graduanda em Letras pela UFMG. Escreve às terças-feiras. E-mail: taniamayer.palavra@gmail.com
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