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A vida é aquilo que acontece enquanto você está fazendo outros planos" - John Lennon
Marco Lacerda*
Com a passagem do dia funesto do assassinato de John Lennon – 8 de dezembro – um repórter de TV perguntou a uma senhorinha perto dos 90 anos de idade, de origem hispânica, na avenida Ipiranga, em São Paulo: “De qual canção de John Lennon a senhora mais gosta”. Ela disse, como se tivesse 15 anos: “A felicidade é uma pistola quente” (Hapiness is a warm gun, em inglês). Um garoto que atravessava a cena opinou: “Gosto de todas”. O repórter perguntou então a uma adolescente porque mataram Lennon e ela respondeu em tom dramático, como se tivesse 80 anos: “Porque o mundo está acabando”.
O aniversário dessa data que deixou o mundo inteiro de luto em 1980, me fez pensar com meus botões que os Beatles são a única saudade comum compartilhada por todo o planeta – por alegrias e dores distintas, como é próprio da poesia. Nos anos 60, quando eles surgiram, meus ouvidos estavam entupidos de MPB, Roberto Carlos e Tropicalismo. Quando finalmente ouvi uma canção dos Beatles – uma época irreal em que todo mundo tinha 20 anos – o planeta já estava contaminado por eles. Pelas cidades, a qualquer hora, ouvia-se alguém gritar: Help, I need somebody.

Nessa época, nas mesas de botecos, voltava sempre à tona o velho tema de que os nomes dos melhores músicos começam com a segunda letra do alfabeto: Bach, Beethoven, Brahms, Bartok. Alguns defendiam a inclusão de Bosart, Bruckner e Berlioz. Ninguém poderia imaginar, porém, que a lista estava incompleta.
Em 1970, estando na Cidade do México para a cobertura da Copa do Mundo, fui recebido para uma entrevista pelo escritor Carlos Fuentes em sua residência no mitológico bairro Coyoacán, onde, em 1940, Leon Trótsky foi assassinado pelo agente soviético Ramón Mercader.
Em seu estúdio, Fuentes datilografava seus textos com um só dedo, envolto na nuvem de fumaça dos cigarros que fumava sem trégua, distante dos horrores do mundo e com a bela canção dos Beatles, I love her, no talo. Naquele instante fui tomado pelo sentimento de que o mundo fora igual desde o meu nascimento, até que os Beatles começaram a cantar.
Com lucidez sobrenatural, sobretudo depois do segundo trago, Carlos interrompeu sua escrita, abaixou um pouco o volume do som e me disse, antes de iniciarmos a entrevista: “Ouço os Beatles com um certo medo, pois sei que vou me lembrar deles pelo resto dos meus dias e até depois da minha morte”.
If I fell - The Beatles
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Dom Total.
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