Escolha é vista por entidades e ONGs como ameaça à sobrevivência desses povos
Índios isolados na terra indígena Vale do Javari, onde Ricardo Lopes Dias atuou como evangelizador (G.Miranda/Funai)
O Ministério da Justiça e Segurança Pública nomeou o pastor evangélico Ricardo Lopes Dias para o cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Diretoria de Proteção Territorial da Fundação Nacional do Índio (Funai). A nomeação é assinada pelo secretário executivo da pasta, Luiz Pontel de Souza, e está formalizada no Diário Oficial da União (DOU) desta quarta-feira (5).
A indicação do pastor evangélico e ex-missionário para chefiar a área levou a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), uma das principais ONGs do setor, a divulgar uma nota de repúdio contra sua nomeação. Várias outras entidades e organizações ligadas aos povos indígenas também se manifestaram criticando enfaticamente a escolha.
Na nota, a Coiab argumentou que o país estará sujeito a "crimes de genocídio e etnocídio que serão cometidos contra os nossos parentes isolados e de recente contato caso se concretize a nomeação de uma pessoa ligada às atividades de proselitismo religioso para o setor da Funai que atua com esses nossos parentes". A entidade afirma que os indígenas "sofreram historicamente com a atuação de missionários proselitistas – muitos deles da Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB) – que fizeram contato forçado com nossos avôs e avós".
Ricardo Lopes Dias já foi ligado por anos à MNTB, agora conhecido como Ethnos360, e atuava como missionário, evangelizando índios na região da terra indígena Vale do Javari, no Amazonas, uma das maiores terras indígenas demarcadas do país com mais de 8 milhões de hectares e que concentra o maior número de registros de povos indígenas isolados em todo o mundo. A Missão Novas Tribos é conhecida em todo o mundo por suas tentativas de forçar o contato e evangelizar povos indígenas isolados. É uma das organizações missionárias mais extremistas, cujas missões no Paraguai levaram a várias mortes durante as décadas de 1970 e 1980.
Segundo a Coiab, o contato forçado foi feito por meio de mentiras, violência e ameaças de morte. "Em outras investidas de contato para nos evangelizar nos ofereceram presentes para atrair e nos enganar, muitas vezes esses presentes estavam contaminados com doenças, o que levou muitos de nossos parentes à morte", declara a organização. "Temos o direito de pensar e viver diferente da sociedade não indígena. Temos o direito a nossos territórios! Não vamos deixar que tais igrejas e esses fundamentalistas religiosos façam com nossos parentes isolados o que fizeram com nossas famílias no passado!", conclui a Coiab. A Funai não se manifestou a respeito.
Protestos generalizados
Diversas outras organizações não governamentais emitiram notas de repúdio contra a indicação de Ricardo Lopes Dias para cuidar da área de índios isolados. "A atuação missionária nas aldeias tem sido nociva tanto quanto as doenças, pois causa a desorganização étnica, social e cultural dos povos indígenas", declarou a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também protestou contra a escolha da Funai. "O governo Bolsonaro dá evidentes sinais de abandono à perspectiva técnico-científica, do respeito ao direito de existência livre desses povos, com seus próprios usos, costumes, crenças e tradições, em seus territórios devidamente reconhecidos e protegidos, para uma orientação neocolonialista e etnocida, de atração e contato forçados, com o uso do fundamentalismo religioso como instrumento para liberar os territórios destes povos à exploração por grandes fazendeiros e mineradores", afirmou.
O Instituto Socioambiental (ISA) declarou que a indicação de Dias "alarma indigenistas, que veem no nome um risco à política consolidada de não contato com essas populações e o respeito ao isolamento voluntário desses povos". Historicamente, os missionários procuram promover o contato com povos indígenas isolados e de recente contato para evangelizá-los, o que contraria uma política consolidada no Brasil, referência para as políticas públicas de países vizinhas lembra o ISA.
Sarah Shenker, da organização Survival International, declarou que a escolha de Lopes Dias “é como colocar uma raposa no galinheiro”. É uma agressão, uma declaração de que eles querem entrar em contato com povos indígenas isolados à força, o que os destruirá. Juntamente com a recente proposta do presidente Bolsonaro de abrir terras indígenas para mineração e exploração, este é um plano genocida para a destruição total dos povos mais vulneráveis do planeta cuja sobrevivência está agora em risco. Nós resistiremos com todo o nosso poder, junto com nossos amigos indígenas do Brasil”, declarou em nota.
A Defensoria Pública da União (DPU) cobrou explicações da Funai e também manifestou "preocupação com as movimentações que podem indicar mudanças nas políticas públicas de proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato". "O risco de uma nomeação que não atenda a critérios técnicos é a morte em massa de indígenas, decorrente de doenças a partir do contato irresponsável ou dos conflitos flagrantes com missões religiosas madeireiros, garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais", disse a DPU.
Agência Estado/Survival International/Dom Total
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