sexta-feira, 27 de março de 2020

A bênção mais 'poderosa' do catolicismo contra o Covid-19

Em decisão histórica, Francisco abre exceção e realiza ritual romano pedindo o fim da pandemia do coronavírus
Papa Francisco durante bênção pascal Urbi et Orbi, em 2018
Papa Francisco durante bênção pascal Urbi et Orbi, em 2018 (Andreas Solaro / AFP)
Mirticeli Medeiros*

Diante de situações extraordinárias, medidas extraordinárias. Preocupado com a proliferação do Covid-19, que provocou milhares de vítimas em todo o mundo, o pontífice abre uma exceção e concede uma bênção especial ao mundo inteiro. A Urbi et Orbi – à cidade (Roma) e ao mundo – que, na tradição católica, acontece durante três ocasiões solenes – Natal, Páscoa, eleição do papa –, é concedida excepcionalmente por Francisco nesta sexta-feira (27), após momento de oração em frente à basílica de São Pedro. Diante da praça vazia, “mas cheia de nossas preces” – disse o papa no último domingo – ele reza pelo fim da pandemia.

Em palavras mais simples, a fórmula é considerada a bênção mais poderosa do catolicismo e somente o sumo pontífice da Igreja Católica pode presidi-la. Os fiéis que a recebem têm direito à indulgência plenária – o cancelamento das penas geradas pelos pecados, as quais, de acordo com a doutrina católica, deverão ser “pagas” após a morte.

Uma oração universal

Por muitas pessoas não compreenderem a importância dessa invocação, passou-se despercebido o que significa realizar esse ritual nesse momento específico. Com a decisão de abrir essa exceção, o papa exprime o sentido da universalidade da Igreja, convocando os católicos de todo o mundo a lutar, com fé e com obras, pela erradicação desse vírus. Sem dúvida, algo que ficará marcado, para sempre, na história do catolicismo.

Francisco utiliza as prerrogativas que tem para clamar o fim da pandemia e, com o gesto, faz uma espécie de “exorcismo” contra os negacionismos e minimizações em torno da doença. Além disso, ele pediu que se transferisse para a basílica de São Pedro o crucifixo milagroso, o qual, de acordo com a tradição católica, pôs um fim à peste de 1522. O objeto sacro é venerado na igreja de San Marcellino al Corso, no centro de Roma, onde Francisco rezou pela mesma intenção, no último dia 15 de março.

Curiosidades

A fórmula Urbi et Orbi também aparece nas assinaturas dos decretos das congregações romanas, em bulas papais e outros documentos de caráter universal. A frase indica que as decisões tomadas por esses organismos ou pelo próprio papa devem ser aplicadas em Roma e em toda a Igreja. Entre os séculos 16 e 19, os papas concediam essa bênção com mais frequência, como no caso de Pio IX, que também a invocava na quinta-feira santa e em outras datas solenes. Depois da queda do Estado pontifício, em 1870, os papas não a realizavam na sacada da basílica de São Pedro, como acontece hoje. Por se auto-intitularem “prisioneiros no Vaticano”, após a tomada de Roma, a bênção passou a ser invocada no interior da basílica de São Pedro.

Só em 1922, papa Pio XI retomou o costume de voltar-se para o público, demonstrando, com isso, o desejo de estabelecer o diálogo entre a Santa Sé e o movimento nacional italiano. Ambos reivindicavam a posse de Roma: a Igreja, como sede do governo temporal do papa e os expoentes do Risorgimento, como capital do reino da Itália. Desde o tratado de Latrão, quando foi criado o Estado da cidade do Vaticano, em 1929, acontecem as tradicionais “saudações militares”, que contam com a participação de representantes da guarda pontifícia e das forças armadas italianas. Ou seja, é um evento que, desde então, também simboliza a união entre os povos.

*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras

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