quarta-feira, 1 de abril de 2020

Rezemos com papa Francisco pelo fim da pandemia

Papa invoca a bênção mais poderosa da Igreja para pedir a Deus pela humanidade neste momento de sofrimento


Papa Francisco dá a bênção Urbi et Orbi com a Praça de São Pedro vazia no Vaticano
Papa Francisco dá a bênção Urbi et Orbi com a Praça de São Pedro vazia no Vaticano (Yara Nardi/ Pool/ AFP)


BÊNÇÃO "URBI ET ORBI"
 (Íntegra da Oração do papa Francisco pedindo a Deus pelo fim da pandemia)

Adro da Basílica de São Pedro  
Sexta-feira, 27 de março de 2022

"Ao entardecer…" (Mc 4, 35): assim começa o Evangelho, que  ouvimos. Desde há semanas que parece o entardecer, parece cair a noite.  Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se  das nossas vidas, enchendo tudo dum silêncio ensurdecedor e um vazio  desolador, que paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se  nos gestos, dizem-no os olhares. Revemo-nos temerosos e perdidos. À  semelhança dos discípulos do Evangelho, fomos surpreendidos por uma  tempestade inesperada e furibunda. Demo-nos conta de estar no mesmo  barco, todos frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes e  necessários: todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo  encorajamento. E, neste barco, estamos todos. Tal como os discípulos  que, falando a uma só voz, dizem angustiados "vamos perecer" (cf. 4,  38), assim também nós nos apercebemos de que não podemos continuar  estrada cada qual por conta própria, mas só o conseguiremos juntos.
Rever-nos nesta narrativa, é fácil; difícil é entender o  comportamento de Jesus. Enquanto os discípulos naturalmente se sentem  alarmados e desesperados, Ele está na popa, na parte do barco que se  afunda primeiro... E que faz? Não obstante a tempestade, dorme  tranquilamente, confiado no Pai (é a única vez no Evangelho que vemos  Jesus a dormir). Acordam-no; mas, depois de acalmar o vento e as águas,  Ele volta-se para os discípulos em tom de censura: "Porque sois tão  medrosos? Ainda não tendes fé?" (4, 40).
Procuremos compreender. Em que consiste esta falta de fé dos  discípulos, que se contrapõe à confiança de Jesus? Não é que deixaram de  crer N’ele, pois invocam-no; mas vejamos como o invocam: "Mestre, não  te importas que pereçamos?" (4, 38) Não te importas: pensam que  Jesus se tenha desinteressado deles, não cuide deles. Entre nós, nas  nossas famílias, uma das coisas que mais dói é ouvirmos dizer: "Não te  importas de mim". É uma frase que fere e desencadeia turbulência no  coração. Terá abalado também Jesus, pois não há ninguém que se importe  mais de nós do que ele. De fato, uma vez invocado, salva os seus  discípulos desalentados.
A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto  as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos  programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades.  Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre,  sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade. A tempestade põe a  descoberto todos os propósitos de "empacotar" e esquecer o que  alimentou a alma dos nossos povos; todas as tentativas de anestesiar com  hábitos aparentemente "salvadores", incapazes de fazer apelo às nossas  raízes e evocar a memória dos nossos idosos, privando-nos assim da  imunidade necessária para enfrentar as adversidades.
Com a tempestade, caiu a maquilhagem dos estereótipos com que  mascaramos o nosso "eu" sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a  descoberto, uma vez mais, aquela (abençoada) pertença comum a que não  nos podemos subtrair: a pertença como irmãos.
"Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?" Nesta tarde,  Senhor, a tua Palavra atinge e toca-nos a todos. Neste nosso mundo, que  tu amas mais do que nós, avançamos a toda velocidade, sentindo-nos em  tudo fortes e capazes. Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver  pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os  teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias,  não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo.  Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num  mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-te:  "Acorda, Senhor!"
"Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?" Senhor,  lanças-nos um apelo, um apelo à fé. Esta não é tanto acreditar que tu  existes, como sobretudo vir a ti e fiar-se de ti. Nesta Quaresma, ressoa  o teu apelo urgente: "Convertei-vos…". "Convertei-vos a mim de todo o  vosso coração" (Jl 2, 12). Chamas-nos a aproveitar este tempo de prova como um tempo de decisão.  Não é o tempo do teu juízo, mas do nosso juízo: o tempo de decidir o  que conta e o que passa, de separar o que é necessário daquilo que não o  é. É o tempo de reajustar a rota da vida rumo a ti, Senhor, e aos  outros. E podemos ver tantos companheiros de viagem exemplares, que, no  medo, reagiram oferecendo a própria vida. É a força operante do Espírito  derramada e plasmada em entregas corajosas e generosas. É a vida do Espírito, capaz de resgatar, valorizar e mostrar como as nossas vidas  são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas),  que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes  passarelas do último espetáculo, mas que hoje estão, sem dúvida, a  escrever os acontecimentos decisivos da nossa história: médicos,  enfermeiros e enfermeiras, trabalhadores dos supermercados, pessoal da  limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários,  sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que compreenderam  que ninguém se salva sozinho. Perante o sofrimento, onde se mede o  verdadeiro desenvolvimento dos nossos povos, descobrimos e  experimentamos a oração sacerdotal de Jesus: "Que todos sejam um só" (Jo 17, 21). Quantas pessoas dia a dia exercitam a paciência e infundem  esperança, tendo a peito não semear pânico, mas corresponsabilidade!  Quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram às nossas crianças,  com pequenos gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar uma  crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a oração!  Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem pelo bem de todos! A  oração e o serviço silencioso: são as nossas armas vencedoras.
"Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?" O início da  fé é reconhecer-se necessitado de salvação. Não somos autossuficientes,  sozinhos afundamos: precisamos do Senhor como os antigos navegadores,  das estrelas. Convidemos Jesus a subir para o barco da nossa vida.  Confiemos-lhe os nossos medos, para que Ele os vença. Com Ele a bordo,  experimentaremos – como os discípulos – que não há naufrágio. Porque  esta é a força de Deus: fazer resultar em bem tudo o que nos acontece,  mesmo as coisas ruins. Ele serena as nossas tempestades, porque, com  Deus, a vida não morre jamais.
O Senhor interpela-nos e, no meio da nossa tempestade, convida-nos a  despertar e ativar a solidariedade e a esperança, capazes de dar  solidez, apoio e significado a estas horas em que tudo parece naufragar.  O Senhor desperta, para acordar e reanimar a nossa fé pascal. Temos uma  âncora: na sua cruz, fomos salvos. Temos um leme: na sua cruz, fomos  resgatados. Temos uma esperança: na sua cruz, fomos curados e abraçados,  para que nada e ninguém nos separe do seu amor redentor. No meio deste  isolamento que nos faz padecer a limitação de afetos e encontros e  experimentar a falta de tantas coisas, ouçamos mais uma vez o anúncio  que nos salva: Ele ressuscitou e vive ao nosso lado. Da sua cruz, o  Senhor desafia-nos a encontrar a vida que nos espera, a olhar para  aqueles que nos reclamam, a reforçar, reconhecer e incentivar a graça  que mora em nós. Não apaguemos a mecha que ainda fumega (cf. Is 42, 3), que nunca adoece, e deixemos que reacenda a esperança.
Abraçar a sua cruz significa encontrar a coragem de abraçar todas as  contrariedades da hora atual, abandonando por um momento a nossa ânsia  de omnipotência e possessão, para dar espaço à criatividade que só o  Espírito é capaz de suscitar. Significa encontrar a coragem de abrir  espaços onde todos possam sentir-se chamados e permitir novas formas de  hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade. Na sua cruz, fomos  salvos para acolher a esperança e deixar que seja ela a fortalecer e  sustentar todas as medidas e estradas que nos possam ajudar a  salvaguardar-nos e a salvaguardar. Abraçar o Senhor, para abraçar a  esperança. Aqui está a força da fé, que liberta do medo e dá esperança.
"Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?" Queridos  irmãos e irmãs, deste lugar que atesta a fé rochosa de Pedro, gostaria  nesta tarde de vos confiar a todos ao Senhor, pela intercessão de Nossa  Senhora, saúde do seu povo, estrela do mar em tempestade. Desta colunata  que abraça Roma e o mundo desça sobre vós, como um abraço consolador, a  bênção de Deus. Senhor, abençoa o mundo, dá saúde aos corpos e conforto  aos corações! Pedes-nos para não ter medo; a nossa fé, porém, é fraca e  sentimo-nos temerosos. Mas tu, Senhor, não nos deixes à mercê da  tempestade. Continua a repetir-nos: "Não tenhais medo!" (Mt 14, 27). E nós, juntamente com Pedro, "confiamos-te todas as nossas preocupações, porque tu tens cuidado de nós" (cf. 1 Ped 5, 7).
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Radio Vaticano / DomTotal

Redação DomTotal

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