quinta-feira, 21 de maio de 2020

Mercado britânico alerta parlamentares no Brasil contra projeto de lei de regulação fundiária

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Sob os olhos vigilantes do consumidor, as grandes redes varejistas britânicas avisam que podem boicotar produtos importados do Brasil, caso passe no Congresso Nacional um polêmico projeto de lei de regulação fundiária, que, segundo ambientalistas, pode acelerar a destruição da floresta amazônica. Uma carta aberta assinada por 41 conglomerados de peso, que, juntos, representam mais de 70% do mercado do Reino Unido foi enviada aos parlamentares no Brasil pedindo que o país reconsidere a medida que será submetida à votação nos próximos dias.

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O documento encaminhado à RFI pelo British Retail Consortium (BRC) destaca que a nova lei “incentivará a apropriação de terras e o desmatamento generalizado, o que colocará em risco a sobrevivência da Amazônia e o cumprimento das metas do Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas, além de prejudicar os direitos das comunidades indígenas e tradicionais”.

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Em outra passagem, afirma que a aprovação do projeto “também colocaria em risco a capacidade de organizações como as nossas de continuar a comprar do Brasil no futuro. Este trecho em especial deve causar calafrios aos produtores brasileiros, diante da importância do grupo de signatários, entre eles, o British Retail Consortium, que reúne nomes os maiores supermercados do país (Tesco, Asda, Waitrose, J Sainsbury e Marks & Spencer), além de Burger King UK, do fundo de pensão sueco AP7 e outros fundos de investimentos.

“Queremos continuar a comprar e investir no Brasil, bem como a ajudar a garantir que a proteção da Amazônia possa ser economicamente produtiva para todos. Pedimos que o governo brasileiro reconsidere sua posição, e esperamos continuar a trabalhar com parceiros no Brasil para demonstrar que o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental não são mutuamente excludentes”, conclui o documento.

A pressão sobre o governo brasileiro não vem de hoje, e pode ser explicada por duas razões. A primeira é que o consumidor europeu tem se mostrado cada vez mais exigente. Quer saber exatamente as origens dos produtos que põe à mesa. A segunda é comercial, que pode ser expressão do protecionismo de países com agricultura fortemente subsidiada. O fato é que todos esses grupos juntos detêm a maior parte do mercado britânico e suas decisões afetam diretamente as exportações brasileiras de alimentos para o Reino Unido. Atualmente, 30% do que o Brasil vende para os britânicos são produtos agropecuários.

Posições diante do aquecimento global são critério de escolha política
Pesquisa de opinião realizada em 2019 com eleitores da União Europeia (UE) mostram que 77% deles consideram que posições diante do aquecimento global são critério para escolha de um candidato político. E que a sua maior preocupação é com a produção saudável e sustentável de alimentos. Os percentuais chegam a 87% dos entrevistados na Eslováquia, 86%, na Áustria, 85% na Itália e 81% na França.

No Reino Unido, uma pesquisa do instituto Ipsos Mori mostra que 85% dos britânicos temem a mudança do clima. Trata-se do maior percentual desde que a entidade começou a medir o sentimento da população a respeito do tema, desde 2005. Ou seja, a manifestação do setor varejista acompanha o humor da clientela local.

Protestos contra produtores brasileiros
Estes números explicam os grandes protestos que fecharam parte das capitais europeias em 2019. A reação se intensificou após os incêndios na Amazônia durante o ano passado, quando foram registradas manifestações contra o Brasil em várias capitais da Europa. Em parte da Europa, parlamentares e comentaristas chegaram a advogar o boicote a mercadorias brasileiras. Ou seja, o tema já era motivo de preocupação dos produtores do Brasil.

Mas não é só a preocupação do cidadão que move os grandes lobbies do setor alimentício, que também tem seus interesses comerciais. Se estão atrás de produtos de qualidade, também querem ter bons preços para oferecer aos clientes. A pressão é antiga e, de certa forma hipócrita, porque esconde protecionismo, que deve se acentuar depois dos incêndios na Amazônia e, agora, com a perspectiva deste projeto de lei. França e Irlanda, países que saíram na dianteira para avisar que não ratificariam o acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE), estão entre aqueles cujos lobbies agrícolas são fortes.

Mas é o no Reino Unido que está baseada, por exemplo, a chamada Mesa Redonda da Soja, instância da qual participam os varejistas, com apoio implícito do governo, para fixar exigências de fornecedores. Eles defendem que não se deve importar a soja de áreas desmatadas. Isso quer dizer que se deve comprar do Brasil apenas a chamada soja premium, que é mais cara.

Ao restringir a origem do produto, eles forçam o fim da produção da soja das áreas desmatadas, o que obrigaria os produtores a vender a mercadoria premium pelo mesmo preço da comum, conceito conhecido por monopólio de demanda.

No Brasil, de acordo com o Código Florestal, considerado moderno por vários países do mundo, existe a possibilidade de se plantar em áreas onde haja o desmatamento legal. Segundo especialistas, ao criar a barreira ao produto de uma área como esta, não se reduz o desmatamento, porque, pela lei, a área pode ser destinada a outro tipo de plantio.

O efeito, na prática, seria o de impor barreiras comerciais e afetar preços. O problema é o discurso inflamado de quem está realmente preocupado com o ambiente pode ser usado como desculpa e argumento para aqueles que travam um longa queda de braço contra os produtos brasileiros.

Por Vivian Oswald, correspondente da RFI em Londres.

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