quinta-feira, 30 de julho de 2020

Inácio de Loyola: uma vida que nos provoca

Embora não seja um santo que tenha caído na devoção popular, Inácio pode inspirar e ajudar às pessoas de hoje
Vitral do Santuário de Loyola, na Espanha
Vitral do Santuário de Loyola, na Espanha (Unsplash/Enrique Vidal Flores)
Carlos César Barbosa*

Inácio de Loyola é um daqueles santos que não figura na lista dos mais populares e devocionais. Salvaguardadas as exceções, não costumamos louvá-lo com novenas e procissões. A piedade popular lhe reserva um lugar discreto. O senso comum acostumou a lembra-lo como um soldado de Cristo. Não raras as vezes, o santo vê-se restringido quase que ao âmbito estrito de sua ordem (Companhia de Jesus) e suas adjacências.

Ao longo dos séculos a figura do místico Inácio sempre esteve cercada por ambiguidades que foram fazendo dele o santo que conhecemos ou que muitos acham conhecer.

Exigente, ele tinha a justa medida entre o rigor e a ternura. Determinado, para não dizer cabeça-dura, sabia ser completamente dócil ao Espírito. Sem almejar o lugar dos poderosos, ele soube se relacionar bem com reis e papas. Soube conciliar, ainda, a fidelidade carinhosa à Igreja hierárquica com a evangélica liberdade de crítica. Enfim, amado por uns e odiado por outros, inquestionavelmente, este homem de personalidade forte tinha em sua vida, em suas palavras e em suas ações um verdadeiro ímã que atraía as pessoas para Cristo e para a sua Companhia.

Íñigo, que mais tarde se tornou Inácio, nasceu em 1491 na Espanha, no Castelo de Loyola. De família nobre, seguiu carreira militar. Em 1521, quando defendia a cidade de Pamplona, caiu gravemente ferido por uma bala de canhão e, durante a sua recuperação, motivado por algumas leituras que inicialmente não lhe faziam gosto, acabou tendo a sua vida mudada radicalmente. A leitura da vida de Cristo e da vida dos Santos foi a porta de entrada para a sua conversão. A partir desse episódio, Inácio trilhará um longo caminho de conhecimento de si, de Deus e do mundo.

Em 1540, viu a sua ordem religiosa aprovada pelo papa Paulo III. Na condição de superior geral, morreu em 31 de julho de 1556, em Roma. Em 1609 foi beatificado pelo papa Paulo V e, em 1622, Gregório XV o canonizou juntamente com outros santos de igual quilate: Teresa de Ávila, Francisco Xavier e Felipe Néri.

Entre idas e vindas, altos e baixos a Igreja sempre reconheceu o inestimável legado de Inácio. Desde o século passado muitos papas, mais especificamente  Pio XI, Pio XII e Paulo VI, não pouparam elogios e gestos delicados para com Santo Inácio e a Companhia de Jesus. De modo particular, vale destacar o papa Pio XI que, há exatos 98 anos, pela constituição apostólica Summorum pontificum declarou Santo Inácio de Loyola padroeiro de todos os Exercícios Espirituais. Esse mesmo papa, em 1929, na carta enciclica Mens nostra, evidenciou a importância e a profundidade dos Exercícios Espirituais, dispondo, pois, que a partir daquela data se praticassem os Exercícios anualmente na Cúria Romana, lançando, assim, um costume que permanece até hoje.

De fato, os Exercícios Espirituais segundo o método inaciano são uma proposta de caminho espiritual bastante oportuno e, como disse Pio XI, embora pequeno em volume é repleto de celestial sabedoria. Tendo os exercícios como meio, Deus e o homem vão dialogando e estreitando os laços. É um verdadeiro caminho de aprofundamento das nossas relações, onde somos levados a questionamentos e às escolhas sérias. Em última instância, os exercícios são uma escola de discernimento, cuja estrutura está tecida pelo Evangelho.

Ainda que a devoção não nos leve imediatamente a Santo Inácio, escutar o que diz a Igreja sobre ele, celebrar a sua memória, revisitar a sua vida e reler a sua experiência de Deus podem nos ajudar em nossa própria experiência de busca e crescimento espirituais, pois, tal qual Inácio, somos antes de tudo peregrinos da vontade de Deus.

Neste sentido, a vida deste santo nos segue atual e inspiradora. Aqui lembramos, por exemplo, que em seu processo de conversão, desde a sua convalescença até o fim de sua vida, a abertura ao novo foi fundamental. Deixar-se ser tocado pelas novidades de Deus foi um imperativo na vida de Inácio e segue sendo em nossa vida. Mas isso não é o suficiente.

Inácio também buscou a todo instante a profundidade naquilo que fazia e sentia. Hoje, falta-nos um olhar mais demorado sobre as situações e as pessoas. Acostumamos a apenas molhar os pés na margem. Não mergulhamos a fundo nem aprofundamos à realidade de nós mesmos, dos outros, de Deus e do mundo. Respostas rápidas e não discernidas são mais fáceis e sedutoras, mas não se sustentam por muito tempo.

Assim, um terceiro aspecto da vida de Inácio que se destaca pela atualidade tem a ver com as relações sólidas que ele estabelecia com todos. Essas relações foram sendo construídas a partir de sua relação com Deus. Inácio soube estabelecer relações com todo tipo de gente. Soube se relacionar com uma Igreja em ebulição, com uma sociedade em grandes descobertas e com um grupo diverso e cada vez mais crescente de homens que buscavam ser companheiros de Jesus sob o estandarte da Companhia de Jesus. Com Santo Inácio, aprendemos que as relações sólidas e justas são construídas quando, entre outras coisas, sabemos acolher o outro e dar a devida atenção ao melhor que cada um traz em si.

Portanto, ser aberto e sensível às novidades de Deus, buscar a profundidade com coragem e ousadia e estabelecer relações sólidas e justas são alguns dos aspectos da vida de Inácio que oxalá inspirem também a nossa vida hoje. Certamente, há muitos outros aspectos da vida deste santo que podem nos inspirar e apontar para Jesus.

Dito isto, por que não conhecer, então, mais sobre este santo? Por que não conhecer mais dessa espiritualidade que tem ajudado um número sem fim de pessoas? Ao final, quem sabe, poderemos repetir as palavras do padre Antônio Vieira em seu sermão de Santo Inácio em 1669: "admirável é Deus em seus santos, mas em Santo Inácio Deus é singularmente admirável".

*Carlos César é jesuíta, graduado em Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e estudante de Filosofia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte (FAJE)

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