sábado, 26 de março de 2022

O banquete da fraternidade

 Pe. Geovane Saraiva*

Nunca é tarde para iniciar, em uma enorme vontade, o processo de conversão, voltando-nos para nossas misérias e erros, a partir do personagem da parábola do filho pródigo, o filho mais novo.[1] Igualmente, não esqueçamos nunca do filho mais velho, do olhar misericordioso do pai, revelando-nos que não somos justos e que estamos longe da proposta amorosa e salvífica de Deus. Aqui entra a mística cristã, na assaz compreensão do sentido da misericórdia, de um dia participarmos das Núpcias do Cordeiro, da plenitude da festa da fraternidade.

Alhures, já falei repetidas vezes sobre uma Igreja portadora da esperança, que muito fala da esperança, sendo sua razão de ser, de existir, e seu sonho muito acima dos demais, mas que nem sempre assegura e provoca a suficiente esperança.[2]

Entende-se como mística a espiritualidade de Jesus de Nazaré, própria do tempo quaresmal, a do silêncio e do abandono nas mãos do absoluto de Deus, juntando-se à escuta da Palavra de Deus, da adoração a Jesus eucarístico, sem esquecer do evangelho da cruz e da busca do último lugar, identificada aqui com a espiritualidade de Charles de Foucauld, aquele que foi seduzido pelo amor de Deus, ao confessar seus pecados e sentir uma indizível alegria, a mesma alegria do filho pródigo. O emblema apocalíptico da contemplação do Filho de Deus, com a parábola do pai bondoso, ou misericordioso, que quer chegar ao preconceito dos doutores da lei e dos fariseus, pessoas consideradas puras, justas e distantes daquelas que, ao contrário, não eram consideradas boas e também pecadoras. Fica claro que o pai bondoso é o próprio Deus, que, com seus didáticos ensinamentos, quer ver os filhos livres, em suas escolhas e decisões.

Numa religião que carrega consigo as marcas da esperança, eis o pensamento do grande educador e pensador Rubem Alves: “Eu achava que religião não era para garantir o céu, depois da morte, mas para tornar esse mundo melhor, enquanto estamos vivos”.[3] Voltados para uma confissão integralmente pura, que Deus nos dê o dom da misericordiosa graça, para que, pela mística cristã, possamos experimentar o amor de Deus-Pai, que ama a todos indistintamente, estando sempre de braços abertos para acolher os filhos que retornam ao aconchego do bom, generoso e misericordioso pai.

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).



[1] Cf. Lc 15, 15 - 31

[2] Hans Küng, Celebração do Culto Divino.

[3] Rubem Alves: Educador e Pensador

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