quinta-feira, 7 de abril de 2022

Acolher o irmão, importuno e inadequado

 Padre Geovane Saraiva*

O Filho de Deus, antes de subir ao Pai, falou com veemência sobre o sacramento da Eucaristia, com a seguinte afirmação: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém come deste pão, viverá eternamente (cf. Jo 6, 51-71). Temos consciência de que sempre, e por toda parte, a refeição foi símbolo de união. Para nós, cristãos, a refeição salutar por excelência é a Eucaristia, com caráter de sacrifício e de ação de graças, como repetição do sacrifício de Cristo no mistério pascal. No comer e beber da carne e do sangue de Cristo, já experimentamos, pela nossa fé, a eternidade, unidos na recíproca permanência, conforme as palavras do Mestre, que nos leva, não só a compreender seu gesto maior, ao lavar os pés dos discípulos, mas na tarefa desafiadora de procurar fazer o que ele fez, na acolhida ao irmão, quando parece um lapso importuno e inadequado, mesmo no tocar de uma campainha.

São Jerônimo, num comentário sobre o Salmo 102, dizia: “Sou como um pelicano do deserto, aquele pássaro bom que fustiga o peito e alimenta com o próprio sangue os seus filhos”. Ele é o símbolo do sacrifício e da doação de si mesmo. E a Eucaristia é Jesus Cristo mesmo, como pão da vida, do céu e da paz, porque nele está a redenção da humanidade. A principal característica do pelicano é carregar consigo uma bolsa membranosa, prendendo nela o bico, sendo duas ou três vezes maior que seu estômago, com a finalidade de armazenar alimento por um determinado período de tempo. Assim, como a maioria das aves aquáticas, possui os dedos unidos por membranas. Eles são encontrados em todos os continentes, com exceção da Antártida, medindo até três metros de uma asa a outra e pesando até 13 quilos. Os machos são normalmente maiores e possuem bicos mais longos que as fêmeas e alimentam-se de peixes.

Na Europa medieval eram considerados animais especialmente zelosos e alimentavam os filhotes com o alimento tirado da sua própria bolsa e, se chegasse a faltar alimento, eles, num modo de proceder, alimentavam seus filhos com o próprio sangue, gesto este que, por analogia, nos faz pensar no próprio Filho de Deus. Daí o pelicano nos representar, nós que abraçamos a fé, nessa profunda simbologia da Paixão de Cristo, da Eucaristia e da autoimolação do Cordeiro Pascal. Esse tipo de ave costumava sofrer de uma doença, que a deixava com uma marca vermelha no peito. Outra versão é que esse tipo de animal tinha o hábito de matar os seus filhotes; depois disso, ressuscitava-os com seu sangue, o que seria análogo ao sofrimento de Jesus, ao memorial de sua morte e ressurreição.

Jesus Cristo é o pássaro bom e imprescindível, para que nossa Igreja seja verdadeiramente pascal. É por isso que suplicamos: “Ó pássaro bom! Ó pelicano bom, Senhor Jesus!”. Temos consciência de que a Eucaristia é a renovação da aliança do Senhor com a humanidade e que, através dela, se realiza, de um modo contínuo, a obra da redenção. Temos convicção de que a Eucaristia é o sinal da unidade e do vínculo da caridade que, por meio dela, tende toda a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, é a fonte de onde emana toda a sua força (cf. SC. 522, 537, 537 e 600). Que o pássaro bom nos ensine a amar mais a Eucaristia, sacramento no qual Jesus se acha presente, com seu corpo, sangue, alma e divindade. Ele é o banquete sagrado, “o pelicano bom a nos inundar com vosso sangue, pelo qual de uma só gota quis salvar o mundo inteiro” (Santo Tomás de Aquino).

Que a nossa fé na Eucaristia possa, não só nos empolgar e nos fascinar em determinados momentos da vida, mas que nos produza um forte desejo de aprender sempre, e cada vez mais, na certeza de vivermos animados na esperança, como bons pelicanos, na renúncia, na doação e na generosidade, como tão bem assertivou Dom Helder: “Que eu aprenda afinal, no mistério pascal, a cobrir de véus o acidental e efêmero, deixando em primeiro plano, apenas, apenas, apenas o mistério da redenção”.

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).


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