domingo, 6 de novembro de 2022

Dia mundial dos pobres

 “Somos o fracasso, pois se formos o sucesso, significa que nos aderimos ao sistema” Padre Júlio Lancellotti

Por Alvim Aran*

Se aproxima o VI dia mundial dos pobres e, ao contrário do que muitos pensam, quando Papa Francisco propõe esta reflexão, não é para enaltecer a pobreza e a condição de quem é pobre, mas é para nos fazer refletir sobre a causa e a situação de nossos irmãos e irmãs que são atormentados pela miséria a luz do evangelho anunciado por Jesus. Esta flexão é muito importante para todos nós, ainda mais nesse ano, pois o mundo passou e passa por uma situação difícil. Estamos caminhando para o fim da pandemia, além da guerra entre Rússia e Ucrânia.  

Quantas vidas ceifadas injustamente por descaso de governos que só pensam em si próprios e em suas economias sob o domínio de um neoliberalismo que exclui as camadas mais pobres da sociedade. O papa inicia a carta fazendo uma alusão a São Paulo quando diz que “Jesus se fez pobre por nós” (2 Cor 8, 9), para nos ensinar a abaixar e servir, com intuito de nos mostrar e denunciar os sistemas de exclusão que existia em seu tempo, e que se faz presente no nosso. E o papa faz um questionamento que vale para todas e todos, diante dessas situações que cooperam para o luto do mundo: “Como dar uma resposta adequada que leve alívio e paz a tantas pessoas, deixadas à mercê da incerteza e da precariedade?”

A resposta dele é o que todos os cristãos e cristãs esperariam, e que acreditam, isto é, “manter o olhar fixo em Jesus, que, «sendo rico, Se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza» (2 Cor 8, 9). Mas o papa não quer que fiquemos somente olhando Jesus sem fazer nada, isso não é cristianismo, ele quer que sejamos ativos em nossa comunidade de fé. Pois a fé em Jesus nos leva a ação, não a passividade, ao conforto e conformismo. Essas são palavras que deveriam ser excluídas da vida do cristão, e acrescentada “militância”, “ativismo” e “política”.

Não queremos pregar ideologias com essas palavras, mas dizer que o cristão e a cristã devem ser ativos no mundo. Exemplo que o papa cita na carta é São Justino (Primeira Apologia, LXVII, 1-6), que reforça a ideia de Atos dos Apóstolos (At 2,44), e afirma que os cristãos devem estar disponíveis para ajudar a todos e todas, colocando seus bens em comum uns com outros para construir uma sociedade melhor. E o papa reforçou que em nosso meio atualmente isso é possível, pois quando estourou a guerra, famílias fugiam e encontravam refúgio com outras famílias que, em meio as dificuldades, abriam suas portas com generosidade e solidariedade. 

Como afirma o papa: “a solidariedade é precisamente partilhar o pouco que temos com quantos nada têm, para que ninguém sofra”, achamos isso de uma profundidade evangélica enorme, pois somos chamados a partilhar o que temos, não o que nos sobra. Jesus já nos alertava, quando ensinou que devemos convidar para uma festa aqueles que não podem nos retribuir (Lc 14, 12-14). E esquecemos disso, e o papa que nos relembrar que isso é o Evangelho e não podemos perder isso de vista, esse compromisso com os mais desfavorecidos. 

Quer nos lembrar, lembra o papa, não quer nos forçar. Precisa ser uma disposição pessoal nossa, por isso é importante estar intimamente em contato com Jesus e suas palavras libertadoras. Fazemos memória a Dom Pedro Casaldaliga, quando esse diz que na “maternidade de Maria, Deus se fez homem. E na paternidade de José, Deus se fez classe”. Por isso Pedro e Paulo, de um lado um operário, pobre, de outro um homem bem de vida a serviço da elite, e quando se encontram profundamente com Jesus se tornam classe, se tornam massa, se tornam fermento, se preocupam com os pobres, pois conhecem a pobreza. 

E conhecereis a pobreza e ela vos libertará, pois existe uma pobreza que liberta e outra aprisiona. A segunda é, como diz o papa: “a miséria, filha da injustiça, da exploração, da violência e da iníqua distribuição dos recursos. É a pobreza desesperada, sem futuro, porque é imposta pela cultura do descarte que não oferece perspectivas nem vias de saída. É a miséria que, enquanto constringe à condição de extrema indigência, afeta também a dimensão espiritual, que, apesar de muitas vezes ser transcurada, não é por isso que deixa de existir ou de contar”. E existe a pobreza que liberta: “é aquela que se nos apresenta como uma opção responsável para alijar da estiva quanto há de supérfluo e apostar no essencial”.

O nosso essencial é Cristo, e Ele deve ser o nosso foco, pois através dele olharemos o mundo e seremos capazes de entender que essas situações de miséria nunca foram a vontade de Deus. A pobreza de Jesus que nos torna rico, como enfatiza o papa, é o amor. Esse amor que vai ser capaz de nos transformar, e nós transformarmos o mundo num lugar melhor para as futuras gerações. Por isso o papa diz: “No caso dos pobres, não servem retóricas, mas arregaçar as mangas e pôr em prática a fé através dum envolvimento direto, que não pode ser delegado a ninguém”, a teoria é linda, e existem várias, mas é preciso ação, isto é, mostrar ao mundo o que é ser cristão, trabalhar para construção de uma sociedade justa e fraterna.

E por falar em “fraterna”, o papa cita um grande homem, Irmão Carlos de Foucauld, esse encontrou Jesus nos pobres oprimidos. A radicalidade de Carlos foi encontrar Jesus escondido em Nazaré e não a vista de todos e todas, mas na simplicidade evangélica. E conseguiu, foi canonizado pelo papa, e tem muito a nos ensinar sobre ser pobre com os pobres, a sermos fermento na massa. 

Mas para isso precisamos sair de nós mesmos, assim como Jesus saiu do Pai e veio morar numa favela para nos ensinar. Não é fácil, mas podemos seguir o exemplo de Irmão Carlos e deixar tudo que temos para seguir Jesus, a mesma resposta que Ele, Jesus, deu ao jovem rico, dará a nós: “Vende tudo que tu tens e dá aos pobres” (Mc 10, 17-30). Serve para um mundo onde o dinheiro se tornou um deus, o Mestre de Nazaré já alertava: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24). Não é servir a Deus e ao diabo, mas ao dinheiro. Jesus sabia o que estava acontecendo naquele tempo, as pessoas colocavam o lucro acima da humanidade, e isso acontece hoje. 

Não podemos nos conformar com as injustiças e com este sistema capitalista aos moldes de Charles Darwin, isto é, a sobrevivência dos mais ricos (capitalismo darwiniano), enquanto os pobres morrem de fome. O dia mundial dos pobres vem para denunciar esses sistemas de miséria e morte, e que a exemplo de Irmão Carlos possamos lutar contra tudo que coopera para o luto do mundo e construir o Reino de Deus, uma sociedade onde impera o amor e a paz. Urge o momento em que precisaremos enfrentar o dragão do ódio, como nos recordou o bispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes. Lutemos, sem jamais desanimar, virá o tempo da alegria, e os humilhados serão exaltados. 

São Carlos de Foucauld, nosso irmão universal, rogai por nós.

*Aluno de 3º ano de Filosofia, Diocese de Guanhães, Seminário Maior de Diamantina-MG.



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