segunda-feira, 12 de maio de 2014

Uma montagem liliputiana

As caveiras de Jayme Reis nos colocam diante do trágico, da farsa. Ou seria do riso?

Por Vera Casa Nova*
As caveiras de Jayme Reis brincam. O jogo é variado e sério. Estamos diante do trágico e da farsa, ou seria do riso? As caveiras jogam, sobretudo, com o risco da queda. São tão leves! – São ossos que dançam , andam, amam, brigam! – que são capazes de desmontarem. Movimentam-se como corpos vivos, formando narrativas (“novelas”) e imagens sobre imagens que são construídas a partir de temas relacionados ao fim, ao escatológico de um tempo e de nós mesmos.
A caveira – nosso resto e nosso rastro - reproduz, repete a vida. Faz renascer, imita e inventa. Do desenho virtual ao desenho estampado em tela, Jayme Reis trabalha com o acaso, o inesperado das cenas. As caveiras exprimem e declaram um conceito, uma ideia a cada imagem. Há mesmo uma semiótica que através dos gestos vai sendo apontada por seu criador.
A montagem é minimal a partir de uma matriz que vai sendo reproduzida em dimensões liliputianas. Coleção de caveiras que mostram fluxos feitos de tensões cujos feixes amontoados explodem e desenham configurações, criando ordens de coerência nas sequências das histórias.
As caveiras proliferam e seu agenciador as manipula a bel prazer. Caveiras, esqueletos, personificação da morte. O esqueleto com sorriso irônico e ar pensativo ou debochado nos convida a refletir sobre a brevidade da vida e ao mesmo tempo sobre a efemeridade dos prazeres.
Uma catedral gótica como Notre Dame de Paris é construída com esqueletos agrupados em número infinito, formando aglomerados, mas há alguns que sobressaem, pulam de um lado para o outro, ou ainda um tecido de esqueletos deixando um buraco no meio – um aberto como chamada para o conhecimento ou para o cosmo-abismo.
Esqueletos são restos. Negatividade que se mostra pelo riso da caveira e pela aparência da alegria da morte. Caveiras ou homens na clausura dos aglomerados. Caos que se faz ordem pela virtualidade. Aposta de Jayme Reis: codificar o figurativo para provocar a sensação confusa, a vertigem.
As caveiras reproduzem também cenas dos vivos. Walter Benjamin dizia que a grande lei ,que além de todas as regras e ritmos industriais rege o mundo da brincadeira em sua totalidade, é a “lei da repetição”. Para a criança, a essência da brincadeira, que lhe dá tanto prazer, é “brincar outra vez".
Um lado criança na repetição que faz Jayme Reis construir um simulacro de cemitérios de ossos. Se é verdade que nessa brincadeira é a história que se instala, estamos diante de um jogo visto como relacionamento com os esqueletos, em que se coloca a transição do tempo e da eternidade.
A miniaturização (uma tendência já mostrada por esse autor em seu gosto por bonecas, marionetes) é um índice da conexão mágica de todas as coisas da vida e da morte e nessa concepção alegórica se declara a representação da nossa historicidade.
Na desmesurada proliferação das caveiras, nosso olhar se esgota tentando encontrar uma saída desse tecido de ossos, mas em vão só encontramos um buraco aqui e acolá por onde nos colocamos, nós caveiras, diante do abismo da existência.
*Vera Casa Nova é professora da Faculdade de Letras da UFMG, tem um programa na rádio UFMG Educativa. Assim como o Canta Cantos, o Toque de Poesia é uma pílula veiculada no programa Universo Literário.

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