quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Dissertação analisa uso de veículos de tração animal

O uso de veículos de tração animal (VTAs) em centros urbanos fere a Constituição Federal, a Lei de Crimes Ambientais e o Código de Trânsito Brasileiro. A conclusão é da pesquisadora Samylla de Cássia Ibrahim Mól, da Dom Helder Câmara. Na última semana, ela defendeu a dissertação ‘Veículos de tração animal em centros urbanos: aspectos filosóficos, éticos e jurídicos’ e obteve o título de mestre em Direito pela instituição.
“Os animais utilizados para tração em centros urbanos têm o grau de bem-estar ‘muito ruim’, conforme o critério das cinco liberdades. [...] Muitas vezes circulam livremente, sem nenhum tipo de regulamentação. Não se sabe se seus condutores conhecem as leis do trânsito e os veículos também não são identificados. Sob o ponto de vista ético, a manutenção desta prática, quando já existem alternativas a ela, não se justifica e deve ser repensada”, defende Samylla, que iniciou o mestrado com objetivo já definido: aprofundar suas pesquisas em Direito dos Animais.
Para desenvolver a dissertação, a pesquisadora valeu-se também de sua formação prévia – é especialista em Direito Privado e graduada em História e Direito – e contou com a orientação do professor Bruno Torquato de Oliveira Naves. Completaram a banca, como examinadores, Émilien Vilas Boas Reis, da Dom Helder Câmara, e Ana Carolina Brochado Teixeira, do Centro Universitário UNA.
Após a defesa, a pesquisadora concedeu a seguinte entrevista ao portal Dom Total. Confira:
O que motivou a sua escolha pelo tema ‘veículos de tração animal em centros urbanos’? 
Pesquiso o tema ‘Direitos dos Animais’ já há alguns anos e entrei no mestrado com o objetivo de aprofundar e dar mais cientificidade a essas pesquisas, ou seja, minha busca no mestrado foi de fundamentos que pudessem enriquecer a argumentação sobre a proteção jurídica dos animais.
Qual foi a proposta de sua dissertação? Há um forte caráter interdisciplinar, correto?
Minha dissertação partiu do seguinte problema: ‘quais os limites éticos e jurídicos que devem conduzir uma reflexão sobre o uso de veículos de tração animal em centros urbanos?’.
Na busca pela resposta, dividi a pesquisa em quatro partes. Na primeira delas, busquei os fundamentos filosóficos que pudessem sustentar minha argumentação. Na segunda parte, perquiri quais seriam os fundamentos éticos.
Na terceira, analisei  a forma como a humanidade vem se relacionando com os animais ao longo da história e de que forma as normas tem regulado essa relação. Neste momento, busquei os fundamentos jurídicos, entretanto, minha análise não se restringe à questão do animal. Analiso o tripé normativo composto pela Constituição Federal, pela Lei de Crimes Ambientais e pelo Código de Trânsito Brasileiro, sendo que, com base nesse último, verifico as condições gerais de circulação de veículos.
Na quarta e última parte, busquei conhecer quem é o animal que move este tipo de veículo (VTA), suas necessidades e fragilidades. Para tanto, estudei um pouco da ciência do bem estar animal.
Minha dissertação envolveu estudos na Filosofia, na História, na Ética, no Direito e também no comportamento animal.
Quais as leis no Brasil que regem a tutela dos animais? Elas são suficientes para coibir os maus tratos?
Hoje no Brasil a Constituição Federal veda quaisquer práticas que submetam animais a crueldade e a lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/98) tipifica como crime os maus tratos. Porém, uma proteção efetiva aos animais só se dará mediante a adoção de uma postura ética em relação a eles, por cada cidadão. Uma lei sozinha, sem um despertar para a valorização do outro, para a empatia, para a alteridade, é apenas uma lei. Por isso, a dissertação abordou tanto questões éticas quanto jurídicas.
Quais as principais conclusões obtidas? Como substituir o uso de VTAs?
A pesquisa conclui que os animais utilizados para tração em centros urbanos têm o grau de bem-estar ‘muito ruim’, conforme o critério das cinco liberdades. Sob o ponto de vista jurídico a manutenção do uso de veículos de tração animal em centros urbanos na contemporaneidade fere:
a) a Constituição Federal, que veda práticas que submetam animais à crueldade;
b) a Lei de Crimes Ambientais, que tipifica como crime os maus tratos aos animais;
c) o Código de Trânsito Brasileiro, que prevê normas para a circulação de pessoas e veículos, o que inclui os VTAs.
Na pesquisa verifiquei que em muitas cidades os veículos de tração animal circulam livremente, sem nenhum tipo de regulamentação: não se sabe se seus condutores conhecem as leis do trânsito e os veículos também não são identificados.
Concluí também que, sob o ponto de vista ético, a manutenção dessa prática, mediante sofrimento dos animais, quando já existem alternativas a ela, não se justifica e deve ser repensada.
Faço duas sugestões alternativas: a primeira e principal sugestão é que, atendendo aos limites éticos e jurídicos encontrados na pesquisa, deve ser proibida em curto prazo a circulação de veículos de tração animal em centros urbanos, mediante a implementação de políticas públicas que assegurem sobrevida com dignidade aos profissionais que hoje vivem desta atividade. Neste sentido, teço uma série de considerações e especifico sugestões.
A segunda sugestão se aplica na eventualidade dos municípios terem dificuldade em proibir em curto prazo a circulação de VTAs. Neste caso, sugiro uma proibição em médio prazo, mediante a regulamentação do trânsito de VTAs com exigência de carteira de habilitação para condutor, comprovação de conhecimento das leis do trânsito, registro e licenciamento das carroças, atestado médico veterinário comprovando perfeitas condições de saúde do animal, fiscalização constante da atividade e dos animais.
Além disto, é claro, proponho que seja estipulado um prazo limite para circulação dos VTAs e implementação de políticas públicas que assegurem a transição dos profissionais que hoje vivem desta atividade para outra, que não se paute no sofrimento animal.
Como avalia as contribuições de seu orientador? E o mestrado oferecido pela Dom Helder Câmara?
Em relação ao meu orientador, Prof. Dr. Bruno Torquato, só tenho elogios a tecer. Durante todo o mestrado ele efetivamente me orientou, indicou fontes, teceu comentários, criticou gentilmente, serviu de ponte entre mim e o conhecimento, como deve ser numa relação professor-aluno. O professor Bruno tem o amplo conhecimento interdisciplinar que minha curiosidade científica pedia, ele exige na medida certa, respeita limites, mas convida o pesquisador a ir além, se superar, dar cientificidade ao seu trabalho.
Em relação ao mestrado, tenho que declarar o quanto a excelência do curso e dos profissionais nele envolvidos me impressionou. Foi uma honra fazer parte da Dom Helder e é com muito orgulho que direi ao mundo acadêmico que fui mestranda nesta instituição. Parabéns a todos, o profissionalismo, competência e a leveza que aí encontrei foram imprescindíveis para que eu concluísse este mestrado com tanto aprendizado. 
Redação Dom Total

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