sábado, 20 de janeiro de 2024

Angélica Sampaio na presidência da Amlef

Discurso de posse abaixo 
Posse na Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza, com registros fotográficos (17/01/2024).
Fotos: Moisés Fotografias


DISCURSO DE POSSE COMO PRESIDENTE DA ACADEMIA METROPOLITANA DE LETRAS DE FORTALEZA (AMLEF)

 

Senhoras e senhores, boa noite! Cumprimento honrosamente aos membros que compõem a mesa desta sessão solene: o agora ex-presidente da AMLEF Marcus Fernandesa Presidente da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil – seção Ceará – Ana Vládia Mourão; o 1º Secretário da AMLEF – Olímpio Araújoa representante do Coletivo Mulherio das Letras – Lucirene Façanha; aPresidente da Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno – Fátima Lemos, o Presidente da Academia Mundial de Letras da Humanidade seção Fortaleza-CE, Marco PraxedesAssim como registro presença da Coordenadora da Célula do Livro, Leitura e Literatura – Maura Isidório.

Prezados e prezadas,

A vida é repleta de inúmeras alegrias, fracassos, batalhas e conquistas. Nada desabona tais experiências, posto que é a partir de todas elas que construímos o ser humano que somos individualmente e como parte integrante da sociedade. Tudo possui o tempo determinado para ocorrer na vida de quem de fato estipula metas etraças objetivos. Algumas colheitas colhemos brevemente e outras demoram meses, anos e até uma vida inteira. O tempo da espera jamais invalida o mérito da vitória. Ele é apenas o fio condutor para mensurar o momento oportuno no qual estaremos preparados para usufruir de nossos sonhosrealizados. Apesar de tudo, é preciso que saibamosque para conquistarmos o que desejamosénecessário ocupar a nossa mente não apenas com ilusões, mas com objetivos de vida, que tenhamos consciência do que almejamos; pautados em nossa realidade. Além disso, podemos criar caminhos que nos levem a não desistir de nossos planos. 

Como bem dizia Rachel de Queiroz, minha madrinha literária: “Cada coisa tem sua hora e cada hora o seu cuidado”. Essa mesma frase foi evocada por mim, há exatos 10 anos quando ultrapassei os umbrais do Palácio da Luz, sede da Academia Cearense de Letras, para ocupar a cadeira de nº 06,que tem como patronesse Rachel de Queirozpara pertencer ao quadro de imortais da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza, a primeira arcádia da qual fiz parte. Agora, já são tantas. 

Essa intenção consciente de vencer como escritora sempore foi levada muito a sério por mim e nunca foi pelo simples orgulho que infla-nos a moral, visto que o meu desejo era o reconhecimento do meu trabalho como educadora e escritora independente, que sempre se autopublicouÉ tanto que num momento oportuno, fundei a Editora Sol Literário que vem conquistando seu lugar ao Sol, na Terra da Luz. Depois, veio o sonho de ser pesquisadora e tive êxito ao adentrar pelas veredas da pesquisa com a temática sobre violência contra mulheres. Deste modo, tenham ciência, nunca foi sorte, foi labuta árdua para conseguir o pouco ou muito que a vida me proporcionaNo entanto, esta profícua vida tem sido generosa comigo, apesar dos percalços, portanto, é com um misto de prazer e de alegria e envolvida em um contentamento no qual o orgulho não se embevece da vaidade, que me sinto feliz por estar onde estou e, já vislumbro os lugares que ainda percorrerei. Isso me faz ir aos primórdios da minha infância. E lá encontro a Angélica de outrora, aos 8 anos de idade, que mal sabia ler e escrever, que teve dificuldades para ser alfabetizada; a menina que advém da zona rural de Nova Vida, em Ibaretama, e que proferiu nestepassado pueril, que seria escritora conhecida. A menina nascida na cidade de Quixadá – a Terra dos Monólitos  a filha do casal Luiz Sampaio e Maria Necy, a irmã de 7 irmãos tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais em pontos de interseção, tem satisfação ao olhar para mulher de hoje. No transcurso desse caminho alegre e, de lágrimas, a literatura mitigou tantos percalços e foi por ela e com ela que eu lancei a semente da escritora que galgou os degraus de uma carreira literária de 26 anos, que se iniciou nos idos de 1998, quando publiquei o meu primeiro livro “Êxtase”. 

Toda a minha vida foi e é dedicada à Literatura. Escrever, trabalhar para prover as produções literárias, divulgar, palestrar, participar de tantos eventos, feiras, adentrar a tantos lugares, estar entre tantas pessoas que jamais pensei conhecê-las, me levam a crer que meu passado, meu presente e meu futuro dialogam ininterruptamente para que tudo dê certo, no tempo designado das coisas, mesmo que sob a aura dos mistérios da vida, tal como proferiu o poeta e dramaturgo William Shakespeare “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar. Mas não nos iludamos apenas com os mistérios que não desvandamos e nem com os designos a nós reservados. É preciso estabelecer o que aspiramos para que os nossos desejos não sejam sucumbidos pelos desejos alheios. E deixo duas indagações que se tornarão em outras tantas; a depender do seu ponto de vista. O que você tem feito para não ser apenas peça da realização dos sonhos alheios? Você é protagonista ou antagonista da sua própria história? Não terceirizemos nossos objetivos de vida. Tomemos as rédeas. Não velejemos feito barco a deriva, mas saibamos em qual porto desejamos chegar. Sejamos candeeiro e lamparina de nós mesmos nos dias mais obscuros. 

A trajetória da minha vida não foi e não é facil. Talvez, alguém possa olhar assim e dizer: “Alguém colocou-a lá onde ela desejava”. “Não foi mérito, foi privilégio”. Somente os que me conhecem (e nem precisa ser muito), para saber que isso não é verdadeSei exatamente o que me conduz aos meus caminhos de vitória, pois percorri  antes os ladeados por espinhos e pedras, até chegar ao jardim onírico que vislumbrei, e nelerealizei minhas expectativas quderam certos e, outras não, E, mesmo quando nem tudo dá certo, não significa que não vencemosmas apenas que foi de um modo diferente do projetado. Ainda há muitas veredas e caminhos que almejo percorrer. Desistir nunca é a minha escolha. Persistir é a minha bandeira. 

Ademais, me espelho nas inúmeras mulheres que sofreram apagamentos ao longo da nossa história, que foi e ainda é contada por e para homensÉ oportuno dizer que isso vem mudando, muito embora não tão rápido como deveria serPor muito tempo, esse foi o tempo, o do silenciamento das mulheres. As questões sociais do ambiente privado do lar e do doméstico, privaram as mulheres por longos séculos a se manterem distantes ou ofuscadas dos espaços públicos, como o que neste exato instante passo a ocupar. E como é louvável perceber que cada vez mais vamos obtendo resultados nas pesquisas acadêmicas, nos postos de trabalho, na seara das ciências, na política, nas lideranças de inclusão etc, etc, etc. O que importa é que ocupemos mais e novos espaços.

E é pelo cânone literário não inclusivo de outrora que mulheres escritoras de diferentes épocas vivenciaramsituações semelhantes ao terem suas obras sucumbidas pelo ostracismo, pelos apagamentos históricos que reduziram suas obras à situação de silenciadas, tais como: Emília Freitas, Francisca Clotilde, Maria Carolina de JesusMaria Firmino dos Reis, entre outras. Já em outros momentos, temos enredos em que personagens femininas foram silenciadas pelas inúmeras violências aos quais foram ressignadas pelo sistema patriarcal, entre elas: Conceição em O QuinzeMaria do Carmo, em A Normalista; Rachel em Venha ver o pôr do solTieta em Tieta do Agreste etc.

Coube a nós, mulheres, termos uma fagulha de luta e de esperança, por meio de Nizia Floresta na história da sociedade brasileira. Nisia levantou bandeiras em relação aos ideais dos movimentos sociais, entre eles: o abolicionista, o republicano e, principalmente, os feministas. Além disso, Nísia teve forte papel como pioneira nas denúncias contra as violências sofridas pelos escravizados e pelos povos originários do Brasil. Foi também pioneira em relação à educação feminista no país, pois conseguiu realizar um diálogo entre as ideias eurocêntricas e o contexto brasileiro no qual estava inserida, rompendo assim com os paradigmas do papel social ao qual estava interligado a mulher submissa e dependente. Descortinando, assim, os papéis da mulher subserviente que era apenas dona de casa, esposa ou mãe. Não que esses papéis não sejam importantes, mas é necessário ocuparmos outros espaços além dos idealizados e ditados anos a fio pela sociedade patriarcalista

Onde é o lugar da mulher? A pergunta parece-nos clichê e a resposta, por sua veztambém. Éonde ela quiser. Desde que possua gana para lutar por seu espaço. Se esse lugar de pertencimento não existe, criemos, vamos em busca. É uma espécie de reparação histórica. Destarte, eu digo, ainda é necessário não apenas ocupar os espaços, mas mantê-los e, que eles sejam de fato respeitados e não sirvam somente como adorno e, por traz, haveruma figura masculina a governar, a ditar os termos e as condições às mulheres. É muito melhor os termos da igualdade, porque ninguém é melhor que ninguém. Homens e mulheres precisam possuir condições iguais de liderança. Haverá de chegar esse dia? Por hora, lutermos por isso. Não permitamos que se estrague os que as demais mulheres antes de nós lutaram tanto para conseguir: respeito, dignidade, lugar de fala e de escuta, tão essenciais para termos equidade.

Dentro de um contexto histórico, podemos mencionar que as mulheres, na sociedade brasileira, estão inseridas em quatro momentos de luta em prol da conquista, da permanência do seu espaço e da garantia dos seus direitos. Conforme Constância Lima Duarte, em seu livro Pequena história do feminismo no Brasil, ela assim menciona: No primeiro, destaca a produção pioneira de Nísia Floresta sobre os direitos das mulheres. No segundo, a partir de 1870, ressalta o surgimento de jornais e revistas voltados para o público feminino. No terceiro, aborda a mobilização da mulher pelo voto, no início do século XX, e pelos direitos iguais para todos. No quarto, a partir da década de 70, enfatiza a luta feminista pela liberdade do corpo da mulher, pelo controle da maternidade e por sua independência financeira

Ademais, ocupar esse lugar hoje não é meramente a realização de um sonhoposto que sobre ele recaí todos os atributos do compromisso, da permanência e da vida útil da Arcádia Amlefiana, das responsabilidades de manter nossos membros e pares unidos em prol de uma convivência literáriaamigável e pacífica até nas divergências que devem construir pontes ao invés de muros. É também honrar todos os presidentes que vieram antes de mim: Anizio Araújo, Seridião Montenegro, Júnior Bonfim, Grecianny Cordeiro, Régis Frota, Marcus Fernandes, que deixaram suas marcas indeléveis para a manutenção e a propagação da arte, da cultura e da literatura em nosso Estado. 

Sinto-me honrada por ter sido eleita e escolhida pelos amlefianos e amlefianas que me entregaram o sonho imorredouro da existência da Academia Metropoltana de Letras de Fortaleza (AMLEF), idealizada e fundada pelo agricultor e homem que reverenciava as letras, Dezinho Lemos. Ele lançou a primeira semente e cabe a cada presidente seja homem ou mulher não deixá-la sucumbir à ferrugem do tempo e nem ao gasto das intempéries e da aridez. Cabe a mim, entretanto, ao segurar a próxima leva de sementesdeixar nesse solo sagrado da literatura, um terreno fértil no qual, principalmente, mais mulheres possam adentrar esse templo e tomar posse de mais cadeiras que sejam assentadas por escritoras, e também escritores, que produzem o que há de melhor na Terra da Luz – a cidade de Fortaleza –, que acolheu a adolescente Angélica, que aqui chegou no auge dos seus 13 anos e construiu uma vida pautada e dedicada às letras. E como foi difícil por ser mulher, interiorana, humilde, sem profissão considerada de destaque, mas que não baixou a cabeça, mas ergeu a vista, vestiu-se da força de vontade de dizer que se deve ocupar o lugar que quisermos. Porque a minha maior fortuna é o meu conhecimento. A minha maior riqueza é a minha fé. A minha maior segurança é a minha família. E o maior amor que resplandece em mim é o que tenho pelo fazer literário. Que essa minha paixão em ir adiante,jamais se esmaeça, sempre floresça em novas oportunidades. 

E, por fim, menciono Simone de Beauvoir:“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. E, assim,nasce a Angélica Presidente, mas sem o brio das vaidades que se apoderam dos humanosdesavisados de manter a sua luz própria. Sinto-me iluminada pela alegria de estar no exato lugar de pertencimento que almejei e mereço estar por minhaluta constante por reconhecimento e não porprivilégios. Lutemos por nossos lugares, pois estessão preciosos e dignos de contentamento

Portanto, viva a todas as instituições e movimentos dos quais faço parte. Todos são relevantes para mim. Viva as Lamparinas, ao Mulherio das Letras Ceará, os Independentes, aAQL, a AJEB, a AFL, a AIBL, a CCL, ao PRAETECE. E, por último, mas não menos importante: VIVA A AMLEF!!!

Muito obrigada!!!

 

P.S.: Significado das siglas – Academia Quixadaense de Letras, Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil (seção – Ceará), Lamparinas Coletivo de Literatura Infantojuvenil, Mulherio das Letras Ceará, Academia Internacional Brasileira de Letras, Câmara Cearense de Letras, Práticas de Edição de Textos do Estado Ceará (Grupo de Pesquisa em Linguística da Universidade Estadual do Ceará).

2