Flávio Leitão*
Quis a grandeza d’alma dos novos membros titulares da Academia de Letras e Artes do Nordeste – ALANE, Secção do Ceará, que fosse eu o arauto de nossa justificada alegria pelo recebimento de laurel tão significativo, pelo regozijo de nos terem autorizado a passearmos, sem peias, na agradável companhia de nossos confrades e de nossas confreiras, na pradaria interminável da literatura e das artes, por, enfim, nos adotarem como seus irmãos e irmãs, no convívio salutar das discussões literárias, artísticas e filosóficas.
A outorga deste galardão pela ALANE aos novos recipiendários traduz, claramente, a chegada à maturidade da nossa atividade literária e artística e nos deixa, naturalmente, prenhes de merecido júbilo e de indisfarçável orgulho.
Não começarei alardeando, com falsa modéstia, que não somos merecedores de tão elevado prêmio, de tão singular homenagem.
Seria pisotear na inteligência arguta dos ilustres confrades e das ilustres confreiras que, desde a criação da ALANE neste Estado, abrilhantam esta Arcádia com suas expressivas criações literárias e artísticas e tornam-na, cada vez mais, expressão maior do relevo da literatura e da arte no Ceará.
Quando nos escolheram é porque sobejamente sabem que em todos nós existe um pouco do Homo faber, defendido pela principal figura do espiritualismo do século XX, Henri Bergson (1859-1941), que descortinou na inteligência a característica fundamental do Homem, a faculdade de fabricar pensamento.
A criação do Homo faber por Bergson é, seguramente, uma tentativa para melhorar a imagem do Homo sapiens, hoje, liderando a brutalidade das guerras do fundamentalismo religioso e da ganância capitalista incontrolável das nações hegemônicas.
Homo sapiens que sabe destruir com drones, a partir das sofisticadas salas do Pentágono, com precisão milimétrica, seus inimigos políticos, mas que sente dificuldade em acolher o refugiado, fustigado pela insensatez de outros Homo sapiens, refugiado fruto do colonialismo escravagista europeu na África e no Oriente.
A Academia, minhas senhoras e meus senhores, escola fundada por Platão no ginásio, que tinha o nome do herói grego Academos, foi inspiração para a criação, na Itália, por 14 poetas reunidos no palácio da rainha Cristina da Suécia, da primeira Arcádia.
Nossa irmã lusitana nascia 66 anos após a instalação de sua primeira congênere.
Por sua vez, a ALANE iniciou seu ciclo de cultivo às artes e à literatura graças ao entusiasmo e ao transcendentalismo de poetas, escritores e artistas plásticos pernambucanos, num total de 60, que, no dia 27 de janeiro de 1978, fundaram a primordialmente cognominada Academia de Letras e Artes do Nordeste Brasileiro, e, posterior e definitivamente, a Academia de Letras e Artes do Nordeste – ALANE.
Nossa irmã pernambucana teve 11 presidentes, tendo sido Nicolino Limongi o primeiro. Médico renomado, ele abriu caminho para seus colegas Benedito Rubin Cohen, Mozart Borges Bezerra e, finalmente, Alvacir Raposo. Três mulheres adornaram a presidência daquele sodalício: Margarida Matheus de Lima, Ana Maria Cesar e Bernadete Serpa Lopes.
Atualmente, está na presidência da ALANE pernambucana Melchiades Montenegro que, cavalheirescamente, atendeu nosso convite e nos honra sobremaneira com sua presença nesta noite engalanada.
Foi Bernadete Serpa Lopes, juntamente com a escritora Lourdes Sarmento de Pernambuco e Beatriz Alcântara da Academia Cearense de Letras, a maior incentivadora para renovar a ALANE, Secção do Ceará, aprovando a posse da professora Lourdes Leite Barbosa na presidência, em substituição ao presidente resignatário, o príncipe dos poetas cearenses, Arthur Eduardo Benevides, que tinha como seu vice Carlos Neves d’Alge, a quem o poeta José Valdivino de Carvalho dedicou belíssimo soneto intitulado Língua Portuguesa.
Além de Arthur Eduardo Benevides e Lourdes Leite Barbosa, presidiram a ALANE o poeta e médico José Teles, o poeta Carlos Augusto Viana e, finalmente, o médico e escritor Francisco Nóbrega Teixeira.
Feitos que merecem destaque no histórico da ALANE foram a vinda, em outubro de 1996, de uma caravana de escritores pernambucanos, liderados por Waldemar Lopes, para instalarem o núcleo cearense da ALANE e a criação da revista Urupema, pela presidente Lourdes Leite Barbosa, como órgão oficial da expressão cultural e artística da ALANE.
Nesta Arcádia, verdadeiro sacrossanto cibório, que guarda em sua luz a leveza dos poetas, a altivez denunciadora da pena dos escritores e a beleza estonteante das artes plásticas, temos por finalidade desenvolver o exercício da sabedoria literária e artística, que só vale se voltado ao desenvolvimento da humanidade, à luta pela sedimentação da paz e à imposição do domínio do amor.
Caríssimas confreiras, caríssimos confrades, minhas senhoras, meus senhores, é do conhecimento de todos que, quando passeava Dante na segunda cornija do purgatório – a dos invejosos –, acolitado pelo poeta Virgílio, vendo aqueles trapos humanos com as pálpebras cerradas com arame e desejando explicação para a imposição de tão ingente sofrimento, temeroso de interpelá-los, recebeu de Virgílio o sábio conselho: “fala e sê breve, que serás benquisto”.
Assim, nós, os novéis recipiendários desta noite de gala – Aila Sampaio, Beatriz Helena Motta Jucá, Dina Maria Aquino Avesque, José Maria Chaves, Maria Luisa Silva Bonfim, Révia Herculano, Wellington Alves de Sousa e o que vos fala, pretendendo merecer a benquerença de todos que abrilhantam esta solenidade, findamos a nossa peroração.
Mas, se Virgílio nos aconselha a brevidade das palavras, por outro lado, a expressão maior da literatura hispânica – Miguel de Cervantes Saavedra, por meio de seu personagem ímpar –, o engenhoso fidalgo Don Quixote de la Mancha –, por ocasião da quebra das correntes dos condenados às galés, vaticinou: “é próprio de gente bem nascida agradecer os benefícios que recebe; e um dos pecados que mais a Deus ofendem é a ingratidão”.
Assim, gostaríamos, nós, recipiendários, de solicitar, data venia, um pouco mais da paciência deste egrégio auditório para agradecermos, em primeiro lugar, ao Criador, por nos ter dado a plenitude da vida, permitindo expressarmos a alegria de viver também por meio da literatura e da arte.
Em seguida, agradecemos a generosidade de nossas famílias (cônjuges, filhos, genros, noras, netos – esses brinquedinhos vivos que nos tornam criança) por compreenderem nossa ausência pelo tempo que dedicamos à literatura e à arte.
Por último, não sendo por isso menos importante, gostaríamos de agradecer, igualmente, ao Ideal Clube, na pessoa de seu Diretor, o querido amigo Amarílio Cavalcante, que nos acolhe magnanimamente neste espaço, em momento tão agradável desta convivência literária.
Muito obrigado.
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Médico, escritor e membro da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza