quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Deus infinito em todo o finito

 Pe. Geovane Saraiva*

No mundo, no qual nos encontramos e estamos inseridos, nada é permanente, mesmo quando as realizações humanas parecem se aproximar do único e perfeito, as mais estupendas e prodigiosas, na clareza e na consciência das pessoas em que tudo se encaminha como destino ou revela parecer magnificamente impecável. Quão misteriosa é a esperança, na trajetória da nossa gente, pelos sinais benevolentes da complacência de Deus, convencendo-nos sempre mais da importância da Cartilha, gramática ou enciclopédia do povo de Deus, o Livro Sagrado, inspirado e inspirador, que, de modo correto, orienta homens e mulheres nas diversidades de dons, talentos, carismas e funções!

Mistério da esperança, sim, na palavra de Deus, escrita num passado distante, por pessoas que viveram determinados contextos diferentes do nosso, com o qual, como dom e graça, possamos muito nos importar! Ela é sempre atual, viva e eficaz, mais cortante que qualquer espada de dois gumes, capaz de penetrar, a ponto de dividir alma e espírito, e sempre eterna (cf. Hb 4, 12). No tema central do livro de Josué, que é a entrada do povo de Deus na Terra Prometida, após longo e penoso tempo de caminhada pelo deserto, vemos a ânsia pela libertação da escravidão do Egito, na busca esperançosa das promessas feitas por Deus a seu povo.

Daí não hesitar, mesmo diante da verdade do acúmulo do saber, do amor humano, por vezes incomensurável, saber este que está presente e subsistente no passar das gerações dos pais, filhos, netos e bisnetos. Esse mesmo amor é o da luminosidade na caminhada humana, na teimosia de seu prosseguimento, através dos tempos, mas para os que partem, no pôr do sol ou ocaso, quando nem tudo caminhou satisfatoriamente, faltando o acabamento final, no encontro das consciências e individualidades das pessoas, à luz da esperança cristã, no seu sentido mais abrangente.

No setembro do Livro Sagrado, não esquecer a célebre frase de São Jerônimo, sempre citada no decorrer da história do povo de Deus, sem se preterir: “Ignorar as Escrituras é ignorar o próprio Cristo”. Eis um amor e um zelo tão profundo do especialista da Palavra de Deus, tendo-a como manancial inesgotável em sua vida. A partir de São Jerônimo, eis o desafio mais elevado, o da vida terrestre, o da existência humana, pelo referencial acima, no desejo do amor eterno, na entrega indulgente e clemente, numa docilidade insondável e ininterrupta.

Alvorecer ou crepúsculo, sim, em meio aos sinais transitórios da vida, no persistente convencimento de realização e satisfação, já aqui, pelas práticas do bem, da justiça e da paz, no sonho para além da utopia, da plenitude da vida, como na fala do teólogo Hans Küng: “Deus é mais real do que toda a realidade; ele é realidade última no coração dos homens e das coisas. Deus, infinito em todo o finito; permanente em todo passageiro; incondicional e absoluto em todo condicional e relativo”. Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Dom Helder: In manus tuas

 Pe. Geovane Saraiva*

Dom Helder Câmara contraria o espírito dos humanistas, os quais são possuidores de uma confiança, coerentemente alentadora e ajuizada da humanidade, mas faltando-lhes a esperança da vida em Deus, o triunfo da glória e da ressurreição, tudo a partir da concepção cristã ou da lógica bíblica, quando procuram viver afastados do absoluto ou como os quem não têm esperança (cf. 1 Tes 4, 12). A complacência de Jesus de Nazaré habilitou e qualificou Dom Helder, recordando seu aniversário de morte, ao presentear-lhe com um novo nascimento, numa extensão abrangente à criatura humana, esta se tornando sólida e segura, amparada pela âncora da esperança cristã, tornando-a resistente, vigorosa e inabalável.

Ao beber da fonte da água da vida, que é o próprio Deus, como místico, tornou-se conhecido no Brasil e no mundo inteiro, por sua luta em favor de uma humanidade livre, especialmente os desafortunados da vida, os vulneráveis, os “sem voz e sem vez”, como ele costumava dizer. A fé vivida por ele foi de tal modo intensa, na maior disposição e na alegre entrega, que o credenciou como portador da esperança, na concepção do mundo, segundo a bondade indulgente do amor de Deus, sem nunca esquecer de sua confiança em acreditar nas pessoas, querendo-as capazes de pensar, pelo seu pacifismo e humanismo, aqui em questão no lema de missão: “In manus tuas”. Luminosa foi sua vida de missão, como timoneiro ou cavaleiro em ação, de um Dom Helder forte, nos seus vinte e três anos de morte.

Uma vida dedicada ao Deus da esperança, tendo sua concretude nos irmãos vulneráveis e empobrecidos, na sua esperança, ao crer na possibilidade de um mundo melhor. A existência ou coexistência humana, aliada à solidariedade, no sentido da realização humana, entrelaçada ao verdadeiro amor: numa vida cheia de graça. Deus altíssimo ou o seu Deus da esperança transformou Dom Helder, no sentido de cantar os louvores do Senhor, como o coração falando ao coração, na poesia a seguir: “Fomos nós, as tuas criaturas, que inventamos teu nome!? O nome não é, não deve ser um rótulo colado sobre as pessoas e sobre as coisas… O nome vem de dentro das coisas e pessoas, e não deve ser falso… tem que exprimir o mais íntimo do íntimo, a própria razão de ser e existir da coisa ou da pessoa nomeada… Teu nome é e só podia ser amor”.

Que em Dom Helder, nos seus 23 anos de morte (27/08/1999), nós, criaturas humanas, sejamos conscientes de que precisamos umas das outras, sem jamais excluir aqueles irmãos, figuras referenciais e exemplares. Por isso mesmo, nada de vivência apartada e isolada, desligadas umas das outras, mas, sim, solidariamente em uma conjunção, no esforço de ação, na comunhão solidária. Assim como as crianças necessitam das mães, que seja claro e perceptível o amor de Deus em nós, da nossa parte no cuidado de uns para com os outros, pelo dom maravilhoso da vida de Dom Helder. Amém!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Jesus inaugurou a divisão

 Pe. Geovane Saraiva*

A verdadeira paz não é fruto de um silêncio hipócrita. Pensemos na sedução de Jeremias, na condição de profeta e amigo de Deus, que se veja seu encanto em anunciar a paz, sedimentada na justiça e na fidelidade a Deus. A única saída para o profeta foi se tornar “objeto de disputa e de discórdia em todo o país” (Jr 15, 10). Para se livrarem dele, acusaram-no os chefes militares de derrotismo junto ao rei e, obtidos poderes sobre ele, lançaram-no numa cisterna lamacenta, onde se atolou. Teria certamente perecido, se Deus não o houvesse socorrido por meio de um desconhecido, que conseguiu do rei licença para retirá-lo daquela cova, ou antro de morte. Exprime-se bem essa situação de Jeremias com a oração do salmo, a seguir: “Esperei no Senhor com toda a confiança; ele se inclinou para mim e ouviu meu clamor e grito. Tirou-me do poço da perdição, daquele encharcado lodo” (SI 40, 2-3). Na iminente morte do profeta, a libertação chegou de fora, de quem não se esperava, de um etíope. O que aconteceu com Jeremias, infelizmente, hoje constantemente se repete.

Jesus veio para nos trazer a paz, mas aquela paz compreendida como fruto da conversão do coração, conversão à verdade. Quem vive da verdade e mergulhado na verdade, passa por consequências inomináveis e incompreensões mesquinhas. Não hesitar quando for preciso radicalizar, a partir de Jesus de Nazaré, numa lógica de coerência, na sua clara afirmação de lançar fogo sobre a terra claramente fazendo opção pela vida, que é dom e graça. “Vim trazer divisão” é uma afirmação incisiva e desconcertante (cf. Lc, 49-52) à primeira vista, mas não contradiz nem anula o que ele já disse em outras ocasiões, quando explica que a paz interior é um sinal de harmonia entre a criatura humana e Deus.

Na adesão ao querer divino, jamais devemos prescindir da luta, na legítima guerra contra tudo o que se carrega no íntimo da alma: paixões, tentações, pecados. No seu próprio ambiente de trabalho, como exemplo, caso alguém se oponha à vontade salvífica e libertadora, em detrimento da fé, é dever nosso contrariar esse tipo de atitude, agindo corajosamente de forma profética no serviço ao Senhor, em seu projeto de amor. Se escolhermos falar e viver segundo o Evangelho, com certeza seremos perseguidos.

Pela existência da Bondade Infinita, que a nossa humanidade possa sempre mais clamar pela divindade, mesmo conscientes de que somos parciais, ao relativizar essa demanda, mesmo no lógico e clamoroso brado da existência do Onipotente. Para que o universo todo e a nossa vida inteira não sejam um absurdo, um brinquedo passageiro, não prescindir de reconhecer a existência do Infinito e do Absoluto. Que nossa realidade finita possa se revelar, enquanto restrita e passageira, mas no relacionamento esperançoso com o Infinito, no ser invisível de Deus, contemplado pela razão, através de suas obras (cf. Rom 1, 19s).

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).


quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Tolerância: agradecer e bendizer

 Pe. Geovane Saraiva*

No mistério da encarnação, Deus realiza sua promessa, no doce e suave consentimento, na manifestação do essencial à vida, de tudo nele existir e consistir. Foi por decisão de Deus que veio ao mundo a criatura humana, que vive pela carinhosa e afetuosa vontade divina, e nesta se realiza e se encontra. No seu divino parecer, obstinadamente favorável, regressa à mãe Terra, tendo como causa a condição frágil, contraditória e pecadora. Deus, aliado da vida das pessoas na alegria, no otimismo, na saúde e no alívio dos fardos, pede contumaz consciência, com responsabilidade, pelo serviço no mundo e na sociedade, no amor ao trabalho, atributo fecundo, pela ação favorável à redenção.

Não hesitar em pensar na angústia humana, mas, em forma de poesia, num refinado e açucarado mel; esta é a vontade divina, sabedoria que está muito além da euforia, sendo plena e perfeita alegria, ao pulsar no coração dos irmãos. Ainda mais próximo do coração da mensagem cristã, anúncio e promessa de Jesus de Nazaré, percebe-se a salvação pelo amor ao trabalho, retribuição e alívio pelo fardo pesado. Pela entrega à morte de um só “justo”, a humanidade envolvida em mistério caminha na expectação do feliz chamado, quando se despertará diante do que não se pode contestar incomparável alegria, que é a ressurreição.

O desejo de Deus, pelo avanço da ciência e tecnologia, capaz de produzir saúde, alimentação, habitação, é o repouso, caminho inquestionável, irradiação e pregação difusa. Como família dos filhos de Deus, que a concretude de nossa vida seja contemplada em Deus, como os pais contemplam seus filhos que crescem, ou quando se observam as obras, que a criatura acabou de realizá-las. Que em todos se desperte a consciência do quanto o nosso trabalho é, de fato, uma tarefa com outros neste mundo, isto é, na colaboração com Deus, o criador.

No livro do Gênesis, constata-se o sentido alegórico e poético da vida como um todo, mas com o rigor da razão e muito mais ainda com a fé, na lúcida insuspeição, no contemplar da origem de tudo que existe. Urge da nossa parte, criaturas de Deus, colocar o projeto de vida, alimentação com o esforço de toda a multidão, acima de interesses ou projetos pessoais, com elevada gratidão.

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

"Rezar com Dom Helder", livro de Geovane Saraiva

 Por Alvim Aran*

Rezar é sempre bom, pois nos faz criar uma relação de amizade com Deus. Torna-se melhor ainda quando no curso da vida encontramos pessoas que nos ajudam na vida de oração. E nesse devir constante que é nossa caminhada, encontrei-me com a obra “Rezar com Dom Helder”, de Geovane Saraiva, um padre Católico Romano de Fortaleza – CE, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF). 

Pe. Geovane é uma dessas pessoas que nos auxiliam na vida espiritual, e com esse seu livro vem trazer uma espiritualidade com os pés no chão, isto é, uma vida espiritual voltada ao nosso mundo. Reuniu então, em sua obra, diversas orações, falas e imagens de Dom Helder que nos ajudam a encontrar o Cristo nos irmãos e irmãs carentes pelo mundo afora. 

A obra de Pe. Geovane, publicada em 2015 pela editora Graphcolor, consta com 154 páginas, e entre elas poderemos ver a riqueza que foi a vida de Dom Helder, uma vida que vale a pena ser estudada e tomada como modelo de oração. A obra “Rezar com Dom Helder” ajudará o leitor a criar esse momento de oração pessoal, desde que esteja com o coração aberto ao Cristo e à palavra que nos transforma em pessoas melhores, como aconteceu com Dom Helder.

São Carlos de Foucauld, nosso irmão universal, rogai por nós.

*Seminarista da Diocese de Guanhães, 3º ano de Filosofia, Seminário Maior de Diamantina-MG.