sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Sem fé a vida perde o encanto

 Pe. Geovane Saraiva*

A afirmação de Santo Agostinho “Meu coração está inquieto, Senhor, enquanto não repousar em ti” requer uma fé causadora de entusiasmo, energia, agrado, serenidade, tranquilidade e paz. Agora, com o início do Advento, que se convença pelo olhar de Maria, ela como primogênita da Cruz redentora, a primeira que de todo o coração, com todo o seu ser, abraçou a Cruz de seu Filho, do modo mais completo e elevado, aprendendo, evidentemente, com ela: “Maria, nossa mãe, ajude-nos a conhecer sempre melhor a voz de Jesus e a segui-la, para andar no caminho da vida!” (Papa Francisco).

A fé, no seu sentido mais profundo e mais rico, é o abandono total das pessoas em Deus, na entrega do seu destino, no misterioso destino de Deus. Maria é presença singular neste Advento, na sua ação salvífica e reconciliadora, em quem Deus encontrou abrigo e se expandiu, na sua sublime e esplendorosa liberdade, num não a todo e qualquer obstáculo. Ela, Maria de Nazaré, é distanciada das imperfeições, sem nenhum equívoco, lacuna ou falha, como na sua profética palavra: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (cf. Lc 1, 38). Antevemos o reinado de Cristo pelo amor, sendo Ele a nossa verdadeira e duradoura paz.

Como Maria, que se possa dizer com ânimo e força: “Feliz o homem que encontrou a sabedoria e encarnou o entendimento, porque a sabedoria vale mais do que a prata e dá mais lucro do que o ouro” (Sab 3, 1). Essa sabedoria é capaz de se afastar do pecado original. A doutrina cristã pretende explicar a origem da imperfeição humana, do sofrimento e da existência do mal através da queda da criatura humana, no pecado de Adão. Que não nos esqueçamos jamais da nossa humana peregrinação terrestre, a de que de Deus viemos, para Deus existimos e também para Deus devemos voltar.

Cabe aos seres humanos se voltarem para o pecado original, na incapacidade de, com as próprias forças, manifestar sinais do amor, ao perceber seu próprio fechamento, aquele das pessoas sobre si mesmas, na impossibilidade, sobretudo, de se constatar um relacionamento adequadamente com os três grandes eixos, sobre os quais incide e recai a existência humana: convívio com o mundo, com o outro e com Deus. Em Maria, porém, o ontem e o amanhã são o eterno hoje, em previsão da obra redentora de Jesus Cristo (cf. Leonardo Boff, O Rosto Materno de Deus, p. 141).

Pelo mesmo olhar de Maria, que se compreenda que todos nascem, envolvidos pelo pecado do mundo, sendo humanamente trágico seu destino. Mas a peregrinação humana pela fé quer nos assegurar: “Quem crê em mim, jamais terá sede; quem crê em mim, jamais terá fome; quem crê em mim, passou da morte para a vida”. A fé é o maior tesouro para a criatura humana, como na palavra de Jesus à samaritana: “Se conhecesses o dom de Deus...(Jo 4, 10s). Convença-se de não prevalecer seu “não” à vida, convicto de que sem fé a vida humana perde seu encanto.

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Luz que faz a diferença

Pe. Geovane Saraiva*

A oração é essencial, na sua preciosidade de valor, para o seguidor de Jesus de Nazaré, comparando-se ao respirar das pessoas e da própria vida. A oração deve ser em vista das atividades e do dia a dia, recordando-se de todos e levando em conta suas necessidades, no caso dos irmãos, dos amigos e até dos que não gostam de você. Uma oração radicalmente solidária deve sempre estar presente na nossa vida, sem jamais prescindir da realidade contraditória das coisas, da vida e do mundo.

Na busca do eterno Sol, é sempre muito importante ver a oração, mas que seja cristalinamente reveladora, pelo nosso direcionamento e evocação a Deus, evocação esta no sentido de se compreender o clamor da felicidade sem fim, não apegado e muito menos afeiçoado excessivamente aos bens materiais, que nas suas vantagens, segundo a lógica do mundo, não passam de ilusões. Favor perceber o filho mais novo da parábola do Evangelho (Lc 15, 11-32), que, longe do aconchego do pai, terno e afável, passou por uma angústia tenebrosa e desalentadora, numa vida quase sem nenhum sentido.

No retorno, o pai, saindo com pressa, acolhe o filho desgarrado, no mais magnífico grau de contentamento, revelando que, mesmo rompido e no empinado desespero das pessoas, encontra-se o amor, infinito e inesgotável, favorecendo-nos, mesmo na mais insignificante circunstância. Faltando-nos a esperança, na frívola lacuna das criaturas, o pai “corre” para inundar e preencher a existência humana.

Aqui um pouco do vivenciado por mim, no Cristo / Sol eterno, ao abrir, na manhã (12/11/2022), portas e janelas da Casa Paroquial de Santo Afonso, na Parquelândia, Fortaleza/CE, vi que a claridade do Sol passou a entrar. Logo, pensei que, quanto mais tudo for aberto, mais a luz e o calor farão aquela benfazeja e salutar diferença. Assim também na oração: quanto mais se fizer a vontade de Deus, mais se permitirá que seu indizível amor chegue e transforme a vida das pessoas de boa vontade.

Lembre-se de que o amor insondável e incalculável de Deus, mesmo ele não precisando de nós, é fecundidade e gratuidade, dom e graça, no que nos assegura a liturgia da Igreja: “Ainda que nossos louvores não vos sejam necessários, vós nos concedeis o dom de louvar. Eles nada acrescentam ao que sois, mas nos aproximam de vós”, num alegre viver: pasmado, na sabedoria da sua eterna realeza / na qual luz se fez fascínio de beleza / luz a deslumbrar pela sua correnteza / premiado, mas no encanto de sua riqueza.

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).


sábado, 12 de novembro de 2022

Mais que a luz e mais que o dia

 Pe. Geovane Saraiva*

Quem está acima do Sol com todo o seu esplêndido clarão, mais que a luz e mais que o dia, ao alvejar o coração humano? É aquele que é a essência de tudo o que se queira ou se possa dizer a seu respeito. Ele veio antes de tudo o que existe e está acima de qualquer coisa. Ele é aquele que é encontrado na Igreja, recordando sua sublime realização na véspera de sua paixão, naquela memorável Ceia Pascal.

A restauração humana na nova aliança, pelo sangue de Cristo, realmente é nova no Senhor Jesus, não pelos sacrifícios antigos, mas no consistente e definitivo sacrifício do próprio Deus, na total obediência e entrega do Filho.

Ele é aquele que ensina, na ação e na oração, a criatura humana, que encontra razões para viver, ensinando a necessidade da ação, que esta requer, e justifica a oração, sendo que dessa importância não se pode prescindir do procedimento das pessoas, ficando patente que a oração sem a ação desestabiliza a vida, que a ação sem a oração se torna inócua e improdutiva.

Santo Agostinho, como referencial nas Confissões, nos ajuda a compreender o mistério de amor acima citado: “Contempla-me nelas, para que não me louves mais do que sou. Julga-me, não pelo que os outros dizem de mim, mas pelo que eu digo nelas. Contempla-me nelas e vê o que fui, na realidade, quando estive abandonado a mim mesmo (…)”.

“Fazei isto em memória de mim” é a sonhada esperança dos filhos de Deus, na reunião em forma de refeição, mas de ação de graças, como ápice de toda celebração, desde o início até o fim. Eis a oração incessante ao Pai, com espaço para súplica: pela Igreja, pelas necessidades dos presentes e ausentes, dos vivos e falecidos.

A propósito da esperança na refeição, que não se esqueça de que a Arquidiocese de Olinda e Recife está em festa e divulga a programação do 18º Congresso Eucarístico Nacional, que será celebrado de 11 a 15 de novembro de 2022, com o tema “Pão em todas as mesas” e o lema “Repartiam o pão com alegria e não havia necessitados entre eles”.

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Tenho sede

 Pe. Geovane Saraiva*

É possível que a mensagem de Jesus de Nazaré não tenha penetrado, na sua plenitude, no coração da humanidade, na caminhada do povo de Deus. A verdade é que nem sempre se sabe tudo a respeito da vida do próximo, vendo-a como mistério, seja pelas coisas boas ou nas ações não construtivas ou pouco edificantes. Não é fácil, por causa da nossa contingência e do pecado, contemplar aquele Jesus do cárcere e do tribunal, ele sendo levado à morte, a qual se consumou no lugar das execuções, próximo à cidade, num pequeno monte, chamado Gólgota.

A morte desumana, com sua origem no Oriente, foi colocada em prática no Império Romano como a mais brutal e cruel de todas, sobretudo a de escravos, voltando-se e tendo sua convergência no “Filho do Homem”, em toda a sua concretude. Todas as pessoas que atestaram, e deram testemunho da história da salvação em Jesus de Nazaré, deram e dão importância ao cumprimento das palavras do Livro Sagrado: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Salva-me, ó Deus, porque as águas vão me submergir” (Sl 22; 69). Percebe-se que a salvação prometida por Deus, no Filho, vai até os pormenores da frieza e indiferença: o oferecimento de vinagre, a divisão das vestes, os espectadores zombando e balançando a cabeça.

Convém considerar a expressão do Nosso Senhor Jesus Cristo, “Tenho sede”, no sentido da mais elevada abrangência, que nos ajuda a pensar no Gólgota humano, como aquele lugar do crânio ou caveira, de muita angústia, tristeza, desolação e desespero, lugar esse visível e perceptível, dia após dia, da existência de muita gente, mesmo em companheiros de caminhada. É Jesus de Nazaré, o mesmo da fé por nós professada, que quer penetrar no mais profundo do nosso ser, na mesma atmosfera ou contexto, o qual foi submetido de modo extranatural ou admiravelmente insondável, com a cortina rasgada de cima a baixo, ao responder ao desejo e aspiração do nosso Cristo e Senhor, radicalmente humano, no “Tenho sede”.

Que possamos perceber a dor, o desolamento e a angústia do irmão, nos nossos dias, com menos sede e mais fome, encontrando os seguidores de Jesus de Nazaré, seu ápice nos seus passos, Mestre e Senhor da história e da vida, indo muito além do véu rasgado do templo. Rasgar o véu e matar a sede, sim, de cima a baixo, o véu malévolo, imprestável, improfícuo da fome e sede de justiça, no esforço persistente de não nos desviarmos da promessa da feliz e afável esperança, longe da angústia, da desolação e do desespero.

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).


domingo, 6 de novembro de 2022

Dia mundial dos pobres

 “Somos o fracasso, pois se formos o sucesso, significa que nos aderimos ao sistema” Padre Júlio Lancellotti

Por Alvim Aran*

Se aproxima o VI dia mundial dos pobres e, ao contrário do que muitos pensam, quando Papa Francisco propõe esta reflexão, não é para enaltecer a pobreza e a condição de quem é pobre, mas é para nos fazer refletir sobre a causa e a situação de nossos irmãos e irmãs que são atormentados pela miséria a luz do evangelho anunciado por Jesus. Esta flexão é muito importante para todos nós, ainda mais nesse ano, pois o mundo passou e passa por uma situação difícil. Estamos caminhando para o fim da pandemia, além da guerra entre Rússia e Ucrânia.  

Quantas vidas ceifadas injustamente por descaso de governos que só pensam em si próprios e em suas economias sob o domínio de um neoliberalismo que exclui as camadas mais pobres da sociedade. O papa inicia a carta fazendo uma alusão a São Paulo quando diz que “Jesus se fez pobre por nós” (2 Cor 8, 9), para nos ensinar a abaixar e servir, com intuito de nos mostrar e denunciar os sistemas de exclusão que existia em seu tempo, e que se faz presente no nosso. E o papa faz um questionamento que vale para todas e todos, diante dessas situações que cooperam para o luto do mundo: “Como dar uma resposta adequada que leve alívio e paz a tantas pessoas, deixadas à mercê da incerteza e da precariedade?”

A resposta dele é o que todos os cristãos e cristãs esperariam, e que acreditam, isto é, “manter o olhar fixo em Jesus, que, «sendo rico, Se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza» (2 Cor 8, 9). Mas o papa não quer que fiquemos somente olhando Jesus sem fazer nada, isso não é cristianismo, ele quer que sejamos ativos em nossa comunidade de fé. Pois a fé em Jesus nos leva a ação, não a passividade, ao conforto e conformismo. Essas são palavras que deveriam ser excluídas da vida do cristão, e acrescentada “militância”, “ativismo” e “política”.

Não queremos pregar ideologias com essas palavras, mas dizer que o cristão e a cristã devem ser ativos no mundo. Exemplo que o papa cita na carta é São Justino (Primeira Apologia, LXVII, 1-6), que reforça a ideia de Atos dos Apóstolos (At 2,44), e afirma que os cristãos devem estar disponíveis para ajudar a todos e todas, colocando seus bens em comum uns com outros para construir uma sociedade melhor. E o papa reforçou que em nosso meio atualmente isso é possível, pois quando estourou a guerra, famílias fugiam e encontravam refúgio com outras famílias que, em meio as dificuldades, abriam suas portas com generosidade e solidariedade. 

Como afirma o papa: “a solidariedade é precisamente partilhar o pouco que temos com quantos nada têm, para que ninguém sofra”, achamos isso de uma profundidade evangélica enorme, pois somos chamados a partilhar o que temos, não o que nos sobra. Jesus já nos alertava, quando ensinou que devemos convidar para uma festa aqueles que não podem nos retribuir (Lc 14, 12-14). E esquecemos disso, e o papa que nos relembrar que isso é o Evangelho e não podemos perder isso de vista, esse compromisso com os mais desfavorecidos. 

Quer nos lembrar, lembra o papa, não quer nos forçar. Precisa ser uma disposição pessoal nossa, por isso é importante estar intimamente em contato com Jesus e suas palavras libertadoras. Fazemos memória a Dom Pedro Casaldaliga, quando esse diz que na “maternidade de Maria, Deus se fez homem. E na paternidade de José, Deus se fez classe”. Por isso Pedro e Paulo, de um lado um operário, pobre, de outro um homem bem de vida a serviço da elite, e quando se encontram profundamente com Jesus se tornam classe, se tornam massa, se tornam fermento, se preocupam com os pobres, pois conhecem a pobreza. 

E conhecereis a pobreza e ela vos libertará, pois existe uma pobreza que liberta e outra aprisiona. A segunda é, como diz o papa: “a miséria, filha da injustiça, da exploração, da violência e da iníqua distribuição dos recursos. É a pobreza desesperada, sem futuro, porque é imposta pela cultura do descarte que não oferece perspectivas nem vias de saída. É a miséria que, enquanto constringe à condição de extrema indigência, afeta também a dimensão espiritual, que, apesar de muitas vezes ser transcurada, não é por isso que deixa de existir ou de contar”. E existe a pobreza que liberta: “é aquela que se nos apresenta como uma opção responsável para alijar da estiva quanto há de supérfluo e apostar no essencial”.

O nosso essencial é Cristo, e Ele deve ser o nosso foco, pois através dele olharemos o mundo e seremos capazes de entender que essas situações de miséria nunca foram a vontade de Deus. A pobreza de Jesus que nos torna rico, como enfatiza o papa, é o amor. Esse amor que vai ser capaz de nos transformar, e nós transformarmos o mundo num lugar melhor para as futuras gerações. Por isso o papa diz: “No caso dos pobres, não servem retóricas, mas arregaçar as mangas e pôr em prática a fé através dum envolvimento direto, que não pode ser delegado a ninguém”, a teoria é linda, e existem várias, mas é preciso ação, isto é, mostrar ao mundo o que é ser cristão, trabalhar para construção de uma sociedade justa e fraterna.

E por falar em “fraterna”, o papa cita um grande homem, Irmão Carlos de Foucauld, esse encontrou Jesus nos pobres oprimidos. A radicalidade de Carlos foi encontrar Jesus escondido em Nazaré e não a vista de todos e todas, mas na simplicidade evangélica. E conseguiu, foi canonizado pelo papa, e tem muito a nos ensinar sobre ser pobre com os pobres, a sermos fermento na massa. 

Mas para isso precisamos sair de nós mesmos, assim como Jesus saiu do Pai e veio morar numa favela para nos ensinar. Não é fácil, mas podemos seguir o exemplo de Irmão Carlos e deixar tudo que temos para seguir Jesus, a mesma resposta que Ele, Jesus, deu ao jovem rico, dará a nós: “Vende tudo que tu tens e dá aos pobres” (Mc 10, 17-30). Serve para um mundo onde o dinheiro se tornou um deus, o Mestre de Nazaré já alertava: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24). Não é servir a Deus e ao diabo, mas ao dinheiro. Jesus sabia o que estava acontecendo naquele tempo, as pessoas colocavam o lucro acima da humanidade, e isso acontece hoje. 

Não podemos nos conformar com as injustiças e com este sistema capitalista aos moldes de Charles Darwin, isto é, a sobrevivência dos mais ricos (capitalismo darwiniano), enquanto os pobres morrem de fome. O dia mundial dos pobres vem para denunciar esses sistemas de miséria e morte, e que a exemplo de Irmão Carlos possamos lutar contra tudo que coopera para o luto do mundo e construir o Reino de Deus, uma sociedade onde impera o amor e a paz. Urge o momento em que precisaremos enfrentar o dragão do ódio, como nos recordou o bispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes. Lutemos, sem jamais desanimar, virá o tempo da alegria, e os humilhados serão exaltados. 

São Carlos de Foucauld, nosso irmão universal, rogai por nós.

*Aluno de 3º ano de Filosofia, Diocese de Guanhães, Seminário Maior de Diamantina-MG.



sábado, 5 de novembro de 2022

Redentoristas: 290 anos

 Pe. Geovane Saraiva*

No dia 9 de novembro de 2022, a Congregação do Santíssimo Redentor, os redentoristas, completa 290 anos de fundação. Ela teve início em 1732, em Nápoles, na Itália, quando Santo Afonso Maria de Ligório começou a congregar um grupo de padres, inspirado pela passagem do Evangelho, que diz: "Enviou-me para evangelizar os pobres" (Lc 4, 18). A ideia feliz de fundar uma congregação nasceu no momento em que o grande homem de Deus, Santo Afonso, se encontrava em meio aos cabreiros.

Impressionado até demais com seu abandono, e vendo que não havia quem lhes anunciasse a Palavra de Deus, Afonso decidiu reunir padres que aceitassem ser missionários dos mais abandonados e destituídos de recursos. Tendo seu berço em Scala, a congregação recebeu a aprovação pontifícia de Bento XIV, em 1747, depois de vencidos não poucos obstáculos.

A nova congregação cresceu, cresceu, e quem a levou para além dos Alpes foi o sacerdote austríaco São Clemente Maria Ofbauer. Os redentoristas começam se fixando em Varsóvia, passando depois para a Alemanha, a Suíça, a Áustria e, enfim, para o resto da Europa.

Em 1894, ao término de uma longa viagem de navio, um grupo de redentoristas, padres e irmãos, sem conhecer outro idioma, senão o alemão e o latim, aportou no Rio de Janeiro. Algum tempo mais tarde, aos 24 de outubro do mesmo ano, chegou a Aparecida do Norte-SP. Alguns se fixaram ali, outros seguiram adiante, até alcançarem a região onde atualmente se localiza a cidade de Goiânia.

A chegada dos primeiros redentoristas irlandeses em solo brasileiro pela primeira vez aconteceu em 7 de maio de 1960, quando o navio atracou no porto do Rio de Janeiro. Eram quatro os missionários redentoristas: Padres João Myers, Tiago McGrath, Jaime Collins e Miguel Kirwan, que logo se embrenharam nas matas do estado de Goiás. Enfrentaram o desafio de iniciar uma nova missão: aprender uma língua nova, compreender uma cultura nova, traduzir respostas velhas para uma realidade sócio-eclesiástica totalmente diferente e desconhecida.

Vieram com muita coragem, criatividade, energia e esperança. Vieram também com sangue quente. Dessa semente, nasceu, dois anos depois, em 1962, uma nova Vice-Província Redentorista: a de Fortaleza. Aqui coloco os nomes de grandes e generosos missionários, que não seja em detrimento dos demais: Pe. Brendan Coleman Mc Donald, Pe. Brendan Coleman (Brandão), Pe. Brian Holmes (Bernardo), Pe. Leonardo Martins e Pe. José Carlos Linhares Pontes Júnior, membros da fundação irlandesa de Santo Afonso, pelos estados de Ceará, Piauí e Maranhão (cf. Pe. Gilberto Paiva, Vice-Província Redentorista de Fortaleza, p. 11).

Vale dizer que a Congregação tem como suporte da atividade apostólica a vida em comunidade, ocupando-se preferencialmente pela pregação da Palavra de Deus às classes populares, indo ao encontro dos mais abandonados. Lembrando, entretanto, que também fazem parte do carisma redentorista o estudo e o ensino da teologia moral, filhos que são do padroeiro dos moralistas, que é Santo Afonso. Aliás, diversos moralistas, de ontem e hoje, são bem conhecidos, entre os quais o personagem do mais elevado destaque: Bernard Haering. Deus seja louvado por suas santas criaturas!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

terça-feira, 1 de novembro de 2022

O infra-humano no humano

 Pe. Geovane Saraiva*

Pe. Geovane Saraiva*
Deus, nós que imploramos por vossa complacente benevolência, favorecer propício, o trajeto ou peregrinação do vosso bom povo, Igreja de Cristo, que jamais quer se afastar do sonho da eterna reconciliação. Tudo no elevado e acendrado espírito de coragem profética, animado pela mais viva esperança, mesmo depois de mais de dois mil anos do nascimento de Jesus de Nazaré, contemplando boa parte da criatura humana e da criação em condições precárias. É o humano das pessoas num contexto infra-humano ou mergulhado naquilo que vai, radicalmente, contra a vontade de Deus.

A palavra de Deus nos convida ao amor verdadeiro, com todas as nossas forças, conscientes de que fomos criados para a eternidade e que na operante chama da esperança nada de desânimo nem decepção venha até nós. Que estejamos convictos da realidade da morte como nossa amiga, irmã e companheira inseparável, na esperança de contemplar o Deus da vida, face a face no céu, e saborear sua afável e terna misericórdia, na certeza de que nossa prece suba aos céus pelos nossos irmãos falecidos.

É a aurora da esperança que quer se eternizar sempre mais, num sim à vida dos irmãos e irmãs. Como é maravilhoso aprender com Santo Agostinho, ao contrariar o ocaso da vida! Na beleza de sua obra, “A cidade de Deus”, ele nos coloca diante da vida humana como um mistério de amor, segundo o projeto de Deus: “Dois amores estabeleceram duas cidades, a saber: o amor próprio, levado ao desprezo a Deus, a terrena; e o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio, a celestial”. Mesmo sendo enormes a saudade e a dor pela partida dos nossos entes queridos, que nossa humilde e confiante oração seja a de jamais perder de vista a esperança, na certeza da promessa da imortalidade, conforto e consolo garantido.

Com Dom Helder Câmara, na transitoriedade das criaturas, nenhuma circunstância se perde de vista: “Se eu pudesse, na caminhada de quem enfrentasse estrada sem fim, sem luz, sem companhia, faria surgir vagalumes alumiando o caminho e colocaria nem que fosse cigarra para quebrar sua solidão”. Encurtar a estrada da sombria e nefasta segregação, no isolamento obscuro que nos parece sem fim, só mesmo eliminando tudo que é odioso e arrepiante, consequência da falta de amor.

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).