terça-feira, 29 de março de 2022

Não aos tempos tenebrosos

 Pe. Geovane Saraiva*

A partir do equivocado ocaso, no obscurantismo nefasto, adverso e malévolo, quantos motivos a pensar, irmãos e irmãs, nas noites do silêncio de Deus, com vozes a clamar num espaço infinito, silêncio esse de homens e mulheres a clamar por justiça e compaixão, nas marcas e provas das torturas trazidas nos corpos (cf. Frei Tito de Alencar). Ao mesmo tempo, Deus nos diz: “Vós participastes, com efeito, do sofrimento dos prisioneiros e aceitastes com alegria a espoliação, certos de possuir uma fortuna melhor e mais durável. Não percais, pois, a vossa segurança que tamanha recompensa merece” (Hb 10, 34-35).

Nada de indiferença diante da tortura, instrumento para arrancar, pela força e pela violência, os próprios pensamentos e sentimentos das pessoas que já perderam a liberdade. Na tortura se constata, evidentemente, a antítese da liberdade e da esperança. “Na tortura, o discurso que o torturador busca extrair do torturado é a negação absoluta e radical da liberdade” (cf. Brasil Nunca Mais).

É muito deplorável e estarrecedora a veemente afirmação feita pelo presidente Jair Bolsonaro: “O erro da ditadura foi torturar, e não matar”. Também fazia questão de apreciar a frase: “Quem procura osso é cachorro”, referindo-se aos desaparecidos da ditadura de 64, do Araguaia, que até mesmo seu colega ex-presidente do Chile, Sebastián Piñera, na ocasião ousou em discordar.

A afirmação “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”, da Assembleia Geral da ONU, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem que ajuda a não esquecer: foram 21 anos, profundamente obscuros e nefastos, vividos pelo povo brasileiro. Não temos dúvidas da devastação de todos os jardins da democracia e da liberdade, de acordo com os registros da nossa História. O golpe militar foi um cruel não ao humanismo, ocasião em que se vivenciou a ausência de liberdade, sem esquecer dos tenebrosos porões da tortura, quando aconteciam mortes atrozes e inumanas de muitos irmãos e irmãs.

Com o golpe de 31 de março de 1964, o pôr do sol se eternizou em um não à vida de muitos irmãos, neutralizando a aurora da esperança, no mistério do tempo e da vida. O sol vermelho, no romper da aurora, a iluminar o céu, que ilumine a humanidade e a vida como um todo. Na esperança, associamo-nos a todos, mesmo sabendo que a noite vem dia após dia, mas que todos, indignados, possam dizer: noites obscuras e nefastas, como as da ditadura militar de 64, nunca mais.

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

sábado, 26 de março de 2022

O banquete da fraternidade

 Pe. Geovane Saraiva*

Nunca é tarde para iniciar, em uma enorme vontade, o processo de conversão, voltando-nos para nossas misérias e erros, a partir do personagem da parábola do filho pródigo, o filho mais novo.[1] Igualmente, não esqueçamos nunca do filho mais velho, do olhar misericordioso do pai, revelando-nos que não somos justos e que estamos longe da proposta amorosa e salvífica de Deus. Aqui entra a mística cristã, na assaz compreensão do sentido da misericórdia, de um dia participarmos das Núpcias do Cordeiro, da plenitude da festa da fraternidade.

Alhures, já falei repetidas vezes sobre uma Igreja portadora da esperança, que muito fala da esperança, sendo sua razão de ser, de existir, e seu sonho muito acima dos demais, mas que nem sempre assegura e provoca a suficiente esperança.[2]

Entende-se como mística a espiritualidade de Jesus de Nazaré, própria do tempo quaresmal, a do silêncio e do abandono nas mãos do absoluto de Deus, juntando-se à escuta da Palavra de Deus, da adoração a Jesus eucarístico, sem esquecer do evangelho da cruz e da busca do último lugar, identificada aqui com a espiritualidade de Charles de Foucauld, aquele que foi seduzido pelo amor de Deus, ao confessar seus pecados e sentir uma indizível alegria, a mesma alegria do filho pródigo. O emblema apocalíptico da contemplação do Filho de Deus, com a parábola do pai bondoso, ou misericordioso, que quer chegar ao preconceito dos doutores da lei e dos fariseus, pessoas consideradas puras, justas e distantes daquelas que, ao contrário, não eram consideradas boas e também pecadoras. Fica claro que o pai bondoso é o próprio Deus, que, com seus didáticos ensinamentos, quer ver os filhos livres, em suas escolhas e decisões.

Numa religião que carrega consigo as marcas da esperança, eis o pensamento do grande educador e pensador Rubem Alves: “Eu achava que religião não era para garantir o céu, depois da morte, mas para tornar esse mundo melhor, enquanto estamos vivos”.[3] Voltados para uma confissão integralmente pura, que Deus nos dê o dom da misericordiosa graça, para que, pela mística cristã, possamos experimentar o amor de Deus-Pai, que ama a todos indistintamente, estando sempre de braços abertos para acolher os filhos que retornam ao aconchego do bom, generoso e misericordioso pai.

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).



[1] Cf. Lc 15, 15 - 31

[2] Hans Küng, Celebração do Culto Divino.

[3] Rubem Alves: Educador e Pensador

terça-feira, 22 de março de 2022

Água: criatura de Deus!

 Padre Geovane Saraiva*

Perante o obscurantismo, insciência e negacionismo estrutural e corporativista, neste Dia Mundial da Água, resta-nos um olhar terno carinhoso para a Nova Aliança, como maior prova de amor e fidelidade do Filho, na sua incondicional obediência ao Pai. O que se quer de Deus para todos é a graça da sua renovação espiritual, como fonte de água viva a saciar a sede da humanidade, que, conforme as palavras do Papa Francisco, “para nós, crentes, a irmã água não é uma mercadoria, é um símbolo universal e é fonte de vida e saúde”. Segundo dados da ONU, 40% da população mundial não têm acesso à água. A comemoração do Dia Mundial da Água (22 de março) bem que pode nos ajudar, no sentido de perceber a magnitude dos desafios de toda natureza. 

Um louvor de gratidão pela irmã água, criatura de Deus, que, segundo Francisco de Assis, nos ajuda a recordar as inúmeras vezes em que nos foi solicitado o obsequioso gesto de lavar nossas mãos, ainda tendo que se prosseguir com a medida preventiva contra a Covid-19. Muito oportuno e conveniente pensar em todos aqueles, por ser a irmã água uma mercadoria preciosa e distante do alcance de um número incontável de pessoas, sem poder abrir suas torneiras para lavar as mãos e o corpo, isso porque nem elas mesmas a possuem, tornando um sonho muito remoto, aquele mesmo sonho elementar que aqui no Brasil já se escutou no passado: “Água e saneamento básico para todos”.

Que Deus abra nossa mente e nosso coração, neste Dia Mundial da Água, diante de gritos, dores e gemidos da terra, grande casa e mãe, a partir da assertiva do saudoso Pe. João Batista Libânio: “Rios e mares, antes gigantescos úteros de vida, que vêm sendo esterilizados pela poluição industrial, esgotos, sujeira produzida pelo ser humano. Se esquece de que a água, fonte de vida, transforma-se facilmente em uma das piores fontes de morte, ao transmitir doença. Por ela navegam germes de morte até os confins da terra”.

Água é essencial à vida e sem ela a criatura humana não pode jamais subsistir, o gado e todos animais se extinguem, os campos se transformam em áridos desertos, num sinal e símbolo da morte. Portanto, comemorar o Dia Mundial da Água, na restauradora compreensão de que água para todos pode mudar a vida e a própria história, significa dizer que a vida pede coragem, com respostas que venham em socorro e favoreçam a humanidade no seu todo. Esse é o grande e maior desafio. Paz e bem!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

quinta-feira, 17 de março de 2022

Triste lembrança do passado

 Pe. Geovane Saraiva*

Habitamos na Casa Comum, que é obra das mãos de Deus. Devemos protegê-la, mesmo diante da angustiante dor de nossos semelhantes enfermos e em guerra. As imagens nos chegam em tempo real, através da mídia corporativa ocidental; não é apenas uma lembrança do passado, mas se voltam em incalculável prejuízo para a vida da criatura humana e o futuro do planeta, em todos os conflitos espalhados pelo mundo. Horror, lágrimas, dor e tormentos sem fim contrariam a essência de homens e mulheres, que são imagem e semelhança de Deus, que é radicalmente sábio e bom, compassiva e afavelmente indulgente e clemente, dentro do Seu projeto de amor. Inúmeras são as ações e as distinções a serem feitas. Como realizá-las, então? Como conciliar as ações dos que buscam a paz, mas sem nunca prescindir das armas? A utopia parece mesmo remota e longínqua, perante o serviço inumano e bárbaro do conflito, até como pretexto para o desenvolvimento econômico: o lucro a qualquer custo.

Nossa mensagem quer chegar aos estimados leitores, mesmo quando a dor vem pelo sofrimento em enorme aperto, mais do que existencial, a partir dos corações dos irmãos lá no Leste Europeu, e na reflexão do Papa Francisco, com referência ao livro do Gênesis, na peripécia circunstancial, focado no dilúvio: “A nossa imaginação parece cada vez mais centrada na representação de uma catástrofe final, que nos vai extinguir. É o que acontece com uma eventual guerra atômica. No ‘dia seguinte’ – se ainda houver dias e seres humanos –, teremos de começar do zero. Destruir tudo, para recomeçar do zero”.

Convém pensar no momento atual, que é doloroso e crucial, pelo qual passa a humanidade. A partir do diálogo e da concórdia, que a solução para essa situação de calamidade seja providencialmente divina. Compreendamos o sentido da mais humana e radical solidariedade, na busca do sonho do amanhã, levando em conta o amor de uns para com os outros, na semeadura da boa semente: a da esperança. Que Deus nos ajude a superar todos os empecilhos. N'Ele contamos com a reconciliação em tempos de discórdia e ódio. Jamais se deve pensar e introjetar um negativismo, imaginando que será o fim.

No amor pela vida, sobretudo através da criatura humana, se repetem, no diálogo e na consonante concórdia, as condições, “sine qua non” como única arma possível para salvar o nosso mundo, num não às armas que nos incitam à luta. Procurar o diálogo, isso sim, nos coloca em humildade e amor, como o Senhor nos pede. Do contrário, se fica diante do vexame, ineditamente histórico, triste, penoso, e que vergonhosamente o tempo não irá apagar.

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF

quarta-feira, 16 de março de 2022

Do Ceará Padroeiro

 Padre Geovane Saraiva*

Dia 19 de março é a festividade de São José, padroeiro do Ceará, Patrono da Igreja Universal e esposo puríssimo da mais excelsa de todas as criaturas, convencendo-nos da mais absoluta certeza: a salvação que nos é oferecida. Voltemo-nos para São José, pensando na vida dos cristãos dos nossos tempos, por ocasião da Quaresma. Em nosso peregrinar rumo à paixão, morte e ressurreição de Jesus vislumbra-se o mistério luminoso que nele esperamos e cremos “contra toda esperança”, falando-nos em humilde escuta e no diálogo sincero com Deus, reconhecendo a mão de Deus na sua vontade de salvar o mundo.

Neste mundo, com uma cultura de intolerância, sendo esta a arma dos intransigentes, redamos graças ao bom Deus pelos frutos fecundos, primícias da Igreja, em São José, homem justo e humilde, no cuidado do Filho de Deus: infância, adolescência e juventude. Humanamente, compreendemos que toda a vida de São José foi um ato prolongado de fé, esperança e obediência, nas mais obscuras e difíceis situações de sua vida. Aqui está um santo inigualavelmente grande, advogado dos lares cristãos e modelo de operário, que nos ajuda em nosso sonho por uma inequívoca realização, não só neste mundo, mas também no mundo futuro.

Pouco tempo após o nascimento de Jesus, recebe a ordem do alto dos céus: “Levanta-te, pega o menino e Maria, sua mãe, e foge para o Egito” (Mt 2, 3). Tempos depois, o anjo lhe diz: “Vai para a terra de Israel”. É dura a partida, mas de imediato, de noite, José foi flexível à voz soberana, por estar diante de tal situação, sem pedir explicações e não sendo causa de objeções. Pensemos na grandeza de uma alma literalmente obediente: “Servo fiel e prudente a quem o Senhor confiou sua família” (Lc 12, 24), totalmente disponível ao projeto de Deus. Esteve sempre atento à convocação divina e amplamente entregue ao serviço do Senhor, na perfeita dedicação, no amor a Deus, de todo o coração, de toda a alma e com todas as forças.

São José, da descendência de Davi, como nos asseguram as Escrituras Sagradas, une Jesus de Nazaré à linhagem do povo eleito, o qual esperava pelo Messias. Cabe a nós, pois, pensar na benevolência de Deus, que é a de reconciliar consigo mesmo todas as coisas. Vemos que, por meio de simples e humilde carpinteiro de Nazaré, se realiza a profecia anunciada a Davi: “Tua casa e teu reino serão estáveis para sempre diante de mim, e teu trono será firme para sempre” (cf. 2 Sm 7, 16), no sol da justiça, mistério oriundo do seio sagrado da Virgem Maria. Amém!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

sexta-feira, 11 de março de 2022

O interesse do Ocidente

 Pe. Geovane Saraiva*

Um olhar para os Estados Unidos, com seu poder constituído naquilo que existe de mais nefasto, em termos de dignidade humana, pois seus interesses são nocivamente sem limites, que, por meio da OTAN, provocaram mais essa guerra asquerosa e repugnante. Desse modo, seria um lapso perceber a guerra na Ucrânia como um processo isolado. A Rússia, por sua vez, está se defendendo das ameaças da OTAN, mas de maneira muito ignóbil e brutal. Meu Deus! Tudo, no seu conjunto, está muito desfavorável, perverso e iníquo para a humanidade e para o próprio planeta! A imprensa ocidental jamais declarou que boa parte da sociedade ucraniana queria e quer se unir à OTAN, mas, igualmente, uma larga parcela não quer e nem se sente atraída pelo mundo que quer dominar o planeta no seu todo.

O que se evidencia na elevada atrocidade emocional e na cristalinidade de uma imprensa ocidental tendenciosa e parcial, como asseverou o Pe. José Alves dos Santos, o Dr. Enoque: “Pode-se dizer que essa guerra entre Rússia e Ucrânia tem sua principal motivação nos Estados Unidos da América, que quer a Ucrânia fazendo parte da OTAN, e isso tem impactado o Governo Russo. Essa aliança da Ucrânia com os americanos via OTAN enfraqueceria e ameaçaria a Rússia, ficando à mercê dos interesses do Ocidente, principalmente dos Estados Unidos da América. A situação se complica, porque a cobertura jornalística só apresenta uma parte da história, ou seja: os russos são os únicos vilões. Eles não abrem mão do seu maior objetivo: impedir que a Ucrânia se alie à OTAN. Vale ressaltar, que apesar dos motivos causadores dessa guerra nos seus bastidores, não se justifica a morte de tantos civis indiscriminadamente, isso é reprovável e abominável".

O que transparece é uma Europa telespectadora e bastante impotente, não desejando enfrentar e duelar com a Rússia, na mesma altura – igual e equitativamente –, mesmo assistindo sua parceira, Ucrânia, dentro do fogo demolidor e devastador. A única saída parece consistir na repercussão e no efeito da grande parcialidade da mídia. Fica patente que o prejuízo é incalculável para a Europa, na sua dependência da Rússia, olhando-a, estruturalmente empoderada, como a maior potência energética do planeta: no gás, no petróleo, no carvão e no níquel.

O respaldo chinês à Rússia causa inconformidade fugaz e mortífera aos Estados Unidos, propulsor e fomentador-mor da OTAN, embora a OTAN esteja mais sólida, mas estremecida, num imperdoável equívoco bloco ocidental, com a aproximação de Rússia e China, unidas de modo ininterrupto e permanente.

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).


sábado, 5 de março de 2022

O caminho da Páscoa

 Pe. Geovane Saraiva*

Jesus, depois de ser batizado por João Batista no Rio Jordão, retirou-se para o deserto da Judeia e, durante 40 dias, jejuou, a fim de preparar-se para a missão de anunciar o reino de Deus. Convém aqui recordar Moisés, que jejuou por 40 dias no Horeb, o monte de Deus. Já o profeta Elias caminhou por 40 dias, até chegar à montanha de Deus. Somos a Igreja de Deus em busca do referido monte, vivendo, em cada ano, o espírito da Campanha da Fraternidade, que em 2022 conta-se com o tema: "Fraternidade e Educação", sem esquecer do lema: “Fala com Sabedoria, Ensina com Amor”. Que esta campanha estimule e abra a mente e o coração dos seguidores de Jesus de Nazaré, a viver a vida de filhos de Deus e irmãos uns dos outros.

No mundo divinizado pelas realidades ilusórias e passageiras, que sejamos desafiados a buscar a verdade, mesmo nas ações que nos parecem externas e transitórias: o amor incalculavelmente empoderado de Deus. Ele, nosso único bem e sumo bem, nos arranca de tudo que é “transitoriedade” e nos concede o absoluto e o verdadeiramente definitivo. Que as cinzas e os demais simbólicos sinais, como práticas de contrição, enternecimento e piedade, que marcaram o início da caminhada para a Páscoa, nos atraia e induza, na exatidão insuspeita de nossa imortalidade transformada em glória, pela bem-aventurança eterna.

Alimentados e envolvidos pelo Senhor Jesus, no sonho desafiador de um humanismo novo e solidário, que o sagrado tempo da Quaresma seja de bênçãos e graças, no esforço da construção do dom maior do amor, pela cultura do diálogo, na esperançosa peregrinação pelo nosso deserto do dia a dia, rumo à montanha sagrada. Gravemos na mente e no coração a sua extraordinária força simbólica, como um tempo favorável na caminhada do povo de Deus. Quaresma, na verdade, expressa um tempo santo e abençoado (dias, noites e anos), em que Deus quer se revelar e se manifestar em toda a sua plenitude, e quer uma única coisa dos cristãos: a conversão, a começar pelo interior do coração.

Só mesmo na certeza de que Deus quer nossa conversão interior, respondamos, não só com súplicas e louvores, mas, sobretudo, com o coração aberto aos sinais de Deus. É na adesão pelo essencial, invisível aos nossos olhos, que somos chamados a um profundo mergulho no mistério de Deus, neste tempo precioso da Quaresma. Voltemo-nos ao mistério do invisível e do essencial, como nas palavras de Dom Helder Câmara: "Que eu aprenda afinal, com a paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, a cobrir de véus o acidental e efêmero, deixando em primeiro plano apenas o Mistério da Redenção”. Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).


terça-feira, 1 de março de 2022

Igreja: paz e reconciliação

 Pe. Geovane Saraiva* Foto: arquivo/Geovane Saraiva

Como Igreja, grande família dos filhos de Deus (cf. At 1 e 2), temos responsabilidade para com o mundo, mesmo em conflitos ou em guerras. Ela foi instituída por Jesus Cristo, para continuar a sua obra salvífica entre os homens, que nosso Salvador, depois de sua ressurreição, entregou a Pedro para apascentar as suas ovelhas (cf. Jo 21, 17) e confiou a ele e aos demais apóstolos: “Ide e ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei. Eu estou sempre convosco até o fim dos tempos” (cf. Mt 28, 18ss; LG, 21).

Imaginava-se uma guerra mundial muito mais distante, mesmo com a devastação das florestas, o aquecimento ou elevação da temperatura no globo, tendo como consequência o poder destrutivo e arrasador dos oceanos, no bombardeio químico, pela pulverização das áreas terrestres, na depreciação da natureza em todo o planeta. Que não se esqueça nunca dos contínuos bombardeios, numa lista bem extensa de países soberanos, sendo patrocinados, evidentemente, pela OTAN e seu responsável maior, os Estados Unidos, transparecendo até muito chique e natural: tudo muito longínquo.

Agora, com a guerra entre Rússia e Ucrânia, como se diz na gíria, o “bicho pegou”, mas que pela palavra do teólogo Leonardo Boff possa se pensar ou refletir: “Nem chorar nem rir, mas procurar entender”. Com a dissolução da União Soviética, Gorbachev havia feito um acordo: o Ocidente desmantelaria a OTAN e a Rússia, o Pacto de Varsóvia. A Rússia fez o combinado e o Ocidente não observou. Depois fez-se outro acordo: que a OTAN não daria nenhum passo além. Muitos passos, em desacordo, foram dados.

Convém não se distanciar da Igreja, na busca da concórdia e da paz para os povos, como lugar de encontro de todos com o Pai, em Jesus de Nazaré. São Pedro exprime, de modo muito claro e sugestivo, esse processo: “A Ele (Jesus) haveis de achegar-vos, como à pedra viva rejeitada pelos homens, porém escolhida, preciosa diante de Deus e vós mesmos; como pedras vivas, sede edificados em casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo” (1 Pd 2, 4). Na fidelidade a Deus, a Igreja jamais pode perder de vista seu compromisso no mundo, como instrumento de reconciliação e de paz. Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, jornalista, escritor, poeta e integrante da academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).