sexta-feira, 30 de abril de 2021

Podcast: A vinha do Senhor

 



Por Pe. Geovane Saraiva



São José Operário

Padre Geovane Saraiva*

O dia 1º de maio, memória de São José, carpinteiro de Nazaré e protetor dos operários, faz-nos perceber o valor do trabalho, querendo Deus a realização da criatura humana. É a Igreja que reconhece a dignidade do trabalho humano, em concomitância com o crescimento e realização das pessoas, pelo exercício do trabalho, tendo diante dos olhos, na mente e no coração, o plano salvífico de Deus. A esperança do Reino de Deus motiva-nos, faz-nos descruzar os braços, desinstalarmo-nos e não ficar alheios diante dos concretos desafios da vida, sejam eles na ordem material ou espiritual.

Foi o Papa Pio XII que, em 1955, instituiu tal memória litúrgica, no contexto da Festa dos Trabalhadores, em todo o mundo, comemorada no dia 1º de maio, que tem sua origem no ano de 1886, na industrializada cidade de Chicago (Estados Unidos). Por longo tempo, na simbologia da luta do Dia do Trabalho, pelas manifestações, assumiu-se um caráter contestatório e ideológico, alheio e hostil ao espírito cristão. A partir da referida data de 1º de maio de 1955, com a decisão de Pio XII, no entanto, consagrou-se a Festa dos Trabalhadores, com uma índole cristã, dando-lhe um padroeiro: São José Operário.

A esperança proclamada por Jesus de Nazaré transcende e vai muito além da esperança terrena. Evidentemente, ela será abundante e terá sua plenitude com o esplendor da glória de Deus, no final dos tempos. Na mesma esperança, o Papa, ao instituir o Dia de São José Operário no mundo católico, o quis como protetor e modelo de todos os trabalhadores, enaltecendo-os com a “dignidade do trabalho”.

A vida requer coragem, colocando, evidentemente, os frutos do trabalho de mulheres e homens no esforço constante pelo sustento à vida, dom e graça de Deus. Que não esqueçamos jamais do cumprimento da esperança terrena, na busca por justiça, solidariedade e paz, sendo Deus mesmo o condutor da história das pessoas de boa vontade, conduzindo-as, na esperança, ao definitivo: o Reino de Deus.

São José Operário quer ensinar as mulheres e os homens do nosso tempo a se convencerem de que estão no caminho certo, pela árdua tarefa do trabalho, respeitando e preservando a obra da criação. O desejo de Pio XII claro que ia em direção à conquista da paz social, na sonhada busca dos ideais cristãos, no respeito pela criatura humana, imagem e semelhança de Deus. Amém!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

O mistério de Deus e do homem

Padre Geovane Saraiva*

Como alhures já disse, a fé nos faz penetrar em profundidade no mistério de Deus e no mistério da nossa condição humana, na certeza de que só Deus pode preencher o coração do homem. Unidos a Jesus de Nazaré, podemos nos perguntar: “Que é o homem, para que dele te lembres? Ou o filho do homem, para que o visites? Fizeste, por pouco, menor do que os anjos, de glória e de honra o coroaste, e todas as coisas colocaste debaixo de seus pés” (Hb 2, 6-8).

O critério do amor ao próximo consiste no exercício da fé e da prática cristã, através das constantes ações, no amor que vai ao encontro do essencial, mas simultâneo, no amor de Deus e no amor ao próximo, no pleno cumprimento da lei de Deus. O mistério da missão de Jesus, ao dignificar e engrandecer a vontade de Deus, se pode afirmar que seja nossa aspiração maior, favorecendo, a partir desse contexto redentor, a felicidade das pessoas: a humanização de Deus e a divinização do homem, aperfeiçoado e aprimorado no sentido teológico, não a Deus, mas ao homem. Como é importante atentar para Deus, sempre Deus e Senhor, único no mundo da criatura humana, sem jamais ser substituído por ela, a contar com suas restrições, limitações e contradições!

O amor, com sua mística, vai ao encontro do próximo, no amor terno e compassivo, também no sentido inflexível, implacável e radical, tal qual Deus se manifesta na sua bondade, a partir da mesma condição de ser absoluto, que abrange tudo, ao nos afastar de qualquer dúvida que de Deus possa surgir, no Filho Jesus, o primado, ilimitado e irrestrito, no direcionamento incontestável como o primeiro interessado na realização da criatura humana. Reflitamos, pois, no mistério de amor, que na bela alegoria da vida, dom e graça de Deus, somos aquilo que esperamos, na imagem de Marta, que consiste na realidade da vida presente, sem esquecer a imagem de Maria, que consiste, por sua vez, na esperança da vida futura; uma representa aquilo que somos e a outra representa aquilo que esperamos, com o futuro definitivo em Deus (cf. Lc 10, 38-42).

Penetrar no mistério divino trata-se de um apelo do nosso bom Deus, no amor do Filho, traduzido em serviço, no caminho ou direção do verdadeiro esplendor, que passa pelo nosso serviço humilde, numa convocação que inclui os que têm serviços de elevada grandeza e largura, não em detrimento dos destinatários e súditos, mas no serviço solidário, voltado a todos, generoso e doado, inspirado no gesto supremo de Jesus: o de lavar os pés dos discípulos.                                       

Guardemos o gesto humilde e extremamente inigualável de Jesus, que nos convoca a uma única coisa: aprender a colocar na mente e no coração, sem que nunca se tenha medo de assimilar ou apreender, voltando-nos ao mistério da humanidade na sua condição divina em Deus. Nele, a humanidade toda restaurada, reconciliada e pacificada, tendo coparticipação na vida de Jesus de Nazaré, o verbo encarnado do Pai, que desceu do céu e se dignou participar da vida humana. Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

quarta-feira, 21 de abril de 2021

O nome "cristão"

Padre Geovane Saraiva

O cristão é um ungido, aquele que carrega consigo as marcas da graça de Deus e que é seguidor de Jesus de Nazaré. A palavra "cristão" não foi inventada pelos judeus — eles não reconheciam Jesus como o Cristo —, mas pelos próprios cristãos, que chamavam a si mesmos de discípulos, ou fiéis seguidores de Cristo. O cristianismo começou a ser reconhecido, interna e externamente, como uma religião separada do judaísmo rabínico (cf. At 11, 26), e o nome "cristão" surgiu em Antioquia, por volta do ano 43. Aqui não há motivo para se duvidar da historicidade dessa informação. A palavra encontra-se em At 26, 28 e em 1 Pr 4, 16. O que importa mesmo, no dizer do Papa Francisco, é: “Ser cristão não é antes de tudo uma doutrina ou um ideal moral, é a relação viva com ele, com o Senhor Ressuscitado”. Fica aqui nossa reverência às comunidades de fé, que no início buscaram sua própria organização, tendo como fundamento a experiência fraterna — entre seus membros — do Cristo Ressuscitado, na fração do pão, na oração, lembrando também da fidelidade aos ensinamentos dos apóstolos, animados e inspirados pela força soberana da Palavra de Deus.

A vocação da Igreja, na sua missão redentora, tem sua origem na cruz. Por isso não é possível imaginar e mesmo conceber a Igreja sem a cruz de Cristo; nem idealizá-la sem solidariedade, sem ternura e sem compaixão. Ela conta com o coração, e a partir dele o entrelaçamento do humano com o divino. O humano e o divino, sim, não numa circunstância ou estado de ânimo passageiro, mas supondo-se uma eficácia sábia e criteriosa. Sua participação deve se dar de corpo e alma, mesmo que a mais completa harmonia do mundo seja um sonho, nas suas alegrias e esperanças, angústias e dores, na vivência dos contrastes e distinções do coração, também no intercâmbio mútuo e recíproco, dentro das atitudes de coragem e risco. Não pode perder de vista aquilo que é indestrutível e duradouro, com a consciência de que a virtude da ternura consiste em arriscar a própria vida.

Determinar a origem ou o momento do cristianismo é uma questão de opção. Para quem aceita, pela fé, a vinda de Jesus Cristo, vê que a humanidade entrou numa nova relação com Deus, na origem do cristianismo, a qual coincide com a sua atividade. Admitir esse contexto significa colocar a origem do cristianismo alicerçado na fé da comunidade primitiva, e não num julgamento puramente objetivo, tendo que se afastar de pressuposições incompatíveis à fé, que deve ser autêntica e verdadeira. A historicidade da pessoa e da atividade de Jesus Cristo pôde ser provada por seus contemporâneos, que naturalmente não precisavam dessa prova; teve-se de exigir a fé. Assim também a presença do cristianismo na história atual pode ser constatada cientificamente, mas a sua verdadeira essência só pode ser conhecida pela fé, a partir da intimidade com o Senhor Ressuscitado.

A expansão desmedida, descomunal e açodada do cristianismo nos tempos primitivos foi favorecida por um conjunto de fatores ou condições, a saber: a posição favorável da Palestina em relação aos três continentes; a helenização da cultura; o florescimento das religiões como “mistério” — salvação da humanidade (soteriologia), ao criar um clima propício para uma religião com caráter universal; sem esquecer a expansão do Império Romano com suas redes de estradas, estrutura de comunicação e uniformidade na língua. Sabe-se da contribuição, sine qua non, dos estudiosos que divulgam o desembaraço do cristianismo no início da era cristã, contando com os próprios cristãos, dentre eles escravos, comerciantes e soldados, sobretudo os que abraçavam a fé diante dos tribunais, nas prisões e no martírio, como na expressão de Tertuliano: “Sangue dos mártires é semente dos cristãos”.

Neste tempo de pandemia, com a Covid-19, que já levou do planeta mais de três milhões de seres humanos, com tantas pessoas amigas e conhecidas, somos forçados a ter um olhar ou uma reflexão mais forte, destacada e marcante. Na direção do mistério da fé, fica o desejo de se compreender melhor, na qualidade de seguidores de Jesus de Nazaré, o mundo contemporâneo. A Igreja Católica, sendo sinal do novo céu e da nova terra, carrega consigo a proposta de destruir o suplício ou castigo eterno, no anúncio de São João, ao afirmar: "Vi um novo céu e uma nova terra; porque o primeiro céu e a primeira terra desapareceram e o mar já não existe mais". Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

terça-feira, 20 de abril de 2021

Redes sociais: a vitrine de vaidades e mentiras

Carlos Delano Rebouças*

Muitos usam as redes sociais para extravasar, para mostrar-se com o seu lado mais natural de ser. A chance de sorrir sem as sonoras gargalhadas no silêncio do "kkkkkkk...", quando a timidez não permite vídeos.

Outros as enxergam como a oportunidade de se tornar conhecido ou ainda mais que isso. Famoso? Sim! É o caminho mais curto e instantâneo de ganhar notoriedade, de tornar os milhões de josés e  marias em josephs e marys. É a chance que um calango tem de sonhar com o dia que vai se tornar um jacaré.

Mas enquanto as metas são buscadas no âmbito das realizações pessoais, em paralelo (e com mais intensidade) as vaidades são alimentadas em doses cavalares que nos fazem entender que muitos parecem esquecer a sua verdadeira realidade, a sua natureza e suas concepções sobre valores, incorporando por inteiro o perfil frívolo que se manifesta a cada post, em busca de likes.

Sempre estamos vendo fotos com bebidas de marcar famosas que sequer se tomar um gole; registro de lugares onde nunca se pôs os pés, os mesmo nem sempre são os das pessoas a qual os deixou órfãos de um corpo inteiro na foto; vídeos de festas com pessoas se abraçando, umas as outras (desculpem-me se pareço redundante, apenas quero reforçar a insanidade sem tamanho), sem mesmo se conhecerem, mas desconfiados de que muitos ali possuem milhares de seguidores nas suas redes e isso é o que mais importa. Ah, não podemos nos esquecer das fotos em família, de como as famílias são felizes e sorridentes! Ninguém chora nelas, apenas sorriem até que se ouça o click final.


E temos que o impressionar, não é? Muito! Uma foto carinhosa ao lado de um vira-lata de rua é muito válida para atrair os olhares sociais, sobretudo dos amantes e protetores dos animais. Registrar-se num templo religioso sem ao menos saber rezar um Pai Nosso impacta demais na sua imagem de religioso. Calçar um tênis e andar 20 metros passa a admirável imagem de atleta. Plantar uma árvore, mesmo que se tenha por hábito descarta latas de refrigerante pela janela do carro, faz com que sejamos vistos como um defensores das causas ambientais.

E se aqui eu decidisse ficar enumerando os diversos fins das redes sociais, em um texto enxuto como este, ainda não seria possível dizer tudo penso sobre ela e seus protagonistas. E se entendesse que poderia estendê-lo um pouco mais para externar bem mais o nosso humilde pensamento, certamente, na sua prolixidade, não seria lido além do seu criativo título que precisa ter. Alguém, quem sabe, poderia entender que não passaria de uma perda de tempo, este que, no seu entendimento,  sempre deve ser usado usado, na sua quase totalidade, como oportunidade de vender vaidades e mentiras.

*Professor de Língua Portuguesa e redação, conteudista, palestrante e facilitador de cursos e treinamentos, especialista em educação inclusiva e revisor de textos.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Quando não se vê Deus

  

Padre Geovane Saraiva*

A acolhida, vinculada à disposição em se viver uma fé sólida, a partir de Jesus de Nazaré, mas num fascínio comovedor, está, sim, dentro da busca da descoberta de algo, ou daquele tesouro precioso, muito além de sua própria feição, meramente humana, convencido de que em tudo isso se poderá reconhecer um sinal, o sinal de Deus, mas num convite para abraçar a fé, com um sim todo livre e integralmente convicto, numa confiança incondicional e absoluta. Essa fé deve ser destemida e resoluta no Homem de Nazaré, revelador da face afável do Pai, mas por pessoas livres, alegres e ardorosas. Que ela cresça por sua importância, de tal modo persistente, autêntica e verdadeira, como a de um jovem judeu, ao escrever no muro do seu pequeno bairro, ou gueto, da cidade de Varsóvia, esta afirmação: “Creio no sol, também quando não brilha; creio no amor, também quando não o sinto; creio em Deus, também quando não o vejo”.

A vida humana é capaz de abraçar quatro dimensões, que, segundo Santo Agostinho, devem ser representadas na cruz transformando-se em esteio ou égide de toda a espiritualidade cristã, a saber: “Compreender com todos os santos qual a altura e a largura, o cumprimento e a profundidade de Cristo, e conhecer o amor de Cristo que excedo todo conhecimento” (Ef 3, 18-19). O apóstolo Paulo deixa claro quando afirma: “A largura significa as boas obras do amor para com o próximo; a altura é a esperança pelo prêmio celeste; o cumprimento é a perseverança até o fim; a profundidade encantadora, inefável e imperscrutável de Deus – do bom Deus – é a que concede graças à criatura humana”.

Ouvir, acolher e viver uma fé sólida, a partir de Jesus de Nazaré, está em consonância com a metáfora do doutor da graça, Agostinho, quando nos ensina: “Do navio que parte e chega à pátria, mas a pátria só pode ser vista após a viagem do navio”. A verdade é que nos encontramos no contexto real do mar. Basta olhar as ondas e as tempestades que se levantam neste mundo em que estamos inseridos. Ele assegura na mais elevada confiança que não havemos de naufragar, pois temos um leme, ou comando, definido e seguro: o remo da cruz.

O sentido de ouvir e acolher nos faz pensar na passagem do Evangelho, que fala sobre Marta e Maria (Lc 10, 38-42): a imagem de Marta, nas atividades de sua própria casa, enraivecida até pela insensibilidade e pela não colaboração de Maria, representa a humanidade, nas suas ações e ativismos; já Maria representa como sendo uma pessoa exemplar, em sua didática de saber ouvir com atenção os ensinamentos do mestre Jesus de Nazaré, externando, evidentemente, sua opção pela melhor parte, mas no sentido daquilo que é permanente. Ela, ao realizar essa escolha no tempo presente, nos enche de esperança, porque haveremos de experimentá-la no futuro. Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Fortaleza 295 anos: parabéns!

Padre Geovane Saraiva*

Fortaleza, batizada de Loira Desposada do Sol, metrópole e capital do Estado do Ceará, também conhecida como Terra do Sol e cidade natal do renomado brasileiro Dom Helder Câmara, completa, neste dia 13 de abril de 2021, 295 anos. Eis o nosso desafio maior: encontrar resposta para os anseios de todos os que nela residem, recordando, mais uma vez, o que disse Dom Aloísio Lorscheider: “A cidade deve ser um espaço de convivência solidária para todos os que nela moram, convivência essa que seja resultante da convergência de esforços para tornar a cidade sempre mais humana e também mais cristã”.

Que possamos guardar o pensamento de sonhar e, obstinados, lutar pela edificação de um povo forte, grande e civilizado, mas que o Deus verdadeiro esteja no centro, como nos garante o Livro Sagrado, no Salmo 127: “Se Deus não constrói a casa, em vão trabalham os seus construtores; se Deus não cuida da cidade, em vão vigiam as sentinelas”. Vemos, com clareza, a exigência do próprio Deus, que pede gestos de todos os seus moradores, afastando-os de toda e qualquer maldade, na busca de ações concretas. Decididos, que eles respondam aos anseios dos que sofrem, sobretudo diante da sensação que temos: de que áreas de riscos não são levadas em conta, explícitas na principal via do aeroporto internacional de Fortaleza.

O mundo da cidade de Fortaleza, que caminha para três milhões de habitantes, é complexo e diverso. Para que Fortaleza possa se transformar perante as grandes mudanças, urge superar preconceitos e intolerâncias, dentro do contexto da esperança cristã, na certeza de que chegará o tempo em que Deus acabará com o domínio dos que pensam numa civilização longe de Deus, com explorados e exploradores, com um povo longe ser livre e independente.

A pandemia não nos impede de contemplar a beleza de nossa cidade de Fortaleza! Que cresça nosso entusiasmo, no sentido de lutar  pela liberdade de seus habitantes, preservando-os e salvando-os de toda a maldade. Parabéns, Fortaleza!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).


quarta-feira, 7 de abril de 2021

Hans Küng: teologia e ética

Padre Geovane Saraiva*

Morreu Hans Küng, teólogo suíço, filósofo, professor de teologia, nascido no dia 19 de março de 1928. Estudou filosofia e teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, foi ordenado sacerdote em 1954 e continuou seu processo educacional em várias universidades europeias, incluindo Sorbonne, em Paris. Seu falecimento aconteceu no dia 6 de abril de 2021, em Tubinga, na Alemanha.Lamento e me arrependo de não ter mergulhado e bebido melhor na fonte e patrimônio dos seguidores de Jesus de Nazaré, no grande comunicador da esperança e teólogo católico em voga, no nosso despretensioso comentário.

Hans Küng, influente e polêmico teólogo, preocupou-se em tornar compreensível a mensagem do Evangelho e em dar-lhe um lugar na vida dos seguidores de Jesus de Nazaré. Ele nos ajuda, de verdade, a crer em Deus, com seu pensamento, rigorosamente teológico, a saber: “Deus é mais real do que toda a realidade; ele é realidade última no coração dos homens e das coisas. Deus, infinito em todo o finito; permanente em todo passageiro; incondicional e absoluto em todo condicional e relativo; imperscrutável e inesgotável fundamento último; a origem última e o sentido último de tudo que existe”.

Proclamou, como professor de teologia, a solidariedade e a fraternidade anunciadas e desejadas por Jesus de Nazaré. Ensinou que a fé vai acima de um simples dever: na direção de um compromisso e de uma necessidade vital. Sempre sonhei com o mínimo de sua relevante sabedoria, com a esperança consequente a influenciar muita gente, evidentemente apoiado na força da palavra de Deus. Soube indicar Cristo como o foco, sem sombra de dúvida, no homem Jesus de Nazaré, sendo, incontestavelmente, o fundamento último do mundo e da criatura humana, ao contrário do abismo escuro, pavoroso e tenebroso. Küng foi um crítico da Igreja, sim, mas com raízes sólidas na mesma, de mente e coração, sem nunca pensar em a abandoná-la (cf. W. Kasper).

Com Hans Küng temos um cristianismo mais lúcido, uma fé mais plural, mais viva e corajosa, distante da frivolidade ou tolice, longe da leviandade ou vaidade que não edifica. Com seu pensamento e sua força profética deixou um legado e um registro na história cristã hodierna, os quais jamais se podem negar, numa expressão: patrimônio para o mundo cristão, além de ter sido uma figura de destaque no Concílio Vaticano II, participando do mesmo na qualidade de perito. Com sua partida, a Pontifícia Academia para a Vida afirmou: “Desaparece uma grande figura da teologia do século passado, cujas ideias e análises sempre devem fazer-nos refletir sobre a Igreja Católica, as Igrejas, a sociedade, a cultura”.

Hans Küng, como mestre e artífice na sua carreira ou caminhada teológica, profícua e salutar, sem em circunstância alguma se fechar ao diálogo, anunciou que “o verdadeiro homem, Jesus de Nazaré, é, para a fé, a real revelação do único Deus verdadeiro”. Para ele temos o sentido da Eucaristia como refeição, essencialmente comunitária e de ação de graças, e também como banquete da alegria pelos pecados, com o Senhor presente, sendo essa refeição esperança messiânica que aponta para frente, na direção do futuro, conclamando gestos e ações concretas.

Essa é sua herança, ou espólio, do sacerdote e acadêmico Hans Küng, no seu sonho por uma ética global, que agora se encontra em paz, numa vida sem ocaso, nas mãos de Deus com seus eleitos. Por uma vida teológica, com diálogo e ética integral, segundo os critérios do Evangelho de Jesus, que o Senhor dê o repouso eterno ao seu servo e teólogo, bom e fiel!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).


sábado, 3 de abril de 2021

Nossa páscoa na Páscoa do Senhor

 Padre Geovane Saraiva*

A luminosidade da festa da Páscoa, naquele clarão do novo fogo, por bondade de Deus, quer acender na humanidade um grande desejo: o de se viver a nossa fé com lucidez e coerência, mas na consciência de que Jesus Cristo ressuscitado é o princípio e o fim. Jesus ontem, hoje e sempre está, evidentemente, no tempo, na eternidade, na glória e com poder por todos os séculos, na sua luz que ressuscita, resplandecente, e também dissipa as trevas do nosso coração e da nossa mente (cf. Missal Romano, p. 271).

Vemos Jesus na fidelidade ao Pai e à humanidade, com sua vida consumada no alto da cruz, na condição de servo fiel até o fim, fomentando-nos coragem e persistência: “É graça divina começar bem, graça maior é persistir na caminhada, mas graça das graças é não desistir nunca”. A Páscoa só tem razão de ser na mesma solidariedade e despojamento, num misterioso silêncio, ativo e expectante, mas no incontável número de mães e pais que choram seus filhos e filhas ceifados/as pela Covid-19.

O lamento e a dor de tanta gente nos fazem voltar ao alarido de Maria, que acompanhou seu filho Jesus até o pé da cruz (Jo 19, 25). A campanha “Vacina, sim” nos faz lembrar a campanha pelas “Diretas já”, há 37 anos. A desaprovação de então pode ser considerada a mesma: negacionismo, obscurantismo, trivialidade, tolices e asneiras, sem esquecer das torturas infames e degradantes, além do opróbrio vil e ignóbil, numa ausência de tolerância, evidentemente dentro desse contexto, clamando pela liberdade esperançosa, numa simbologia pascal, possibilitando aquele duelo forte – e mais forte – da vida que vence a morte.

Com Dom Helder digamos: “Que eu possa aprender, afinal, cobrir de véus o acidental e o efêmero, deixando, em primeiro plano, apenas o mistério da redenção: o mistério da Páscoa”. O que importa mesmo a todos nós é que seja o espírito da esperança pascal a nos desafiar, colocando-nos, na mente e no coração, a proposta do percurso divino, afastados da ilusória e mutável esperança, entrelaçados no triunfo da Páscoa eterna.

Que a nossa páscoa, na Páscoa do Senhor, seja consequente, a partir do que acontece hoje, por causa do coronavírus, pois sabemos que devemos cumprir o preceito de se despedir de seu ente querido pela distância – e mentalmente –, repetindo-se também a prece ou oração que brota do interior das pessoas, pelos mesmos irmãos queridos e demais pessoas que chegaram ao fim da jornada terrena e ao ocaso. Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).