Líder dos Rolling Stones, o cantor inglês chega, hoje, aos 70 anos na condição de um dos grandes gênios do rock
Há uma foto famosa entre os fãs dos Rolling Stones de uma turnê, de meados da década de 1970, em que Keith Richards ostenta uma camiseta preta com a seguinte questão impressa nela: Who the fuck is Mick Jagger? (em uma tradução mais pudica, seria "Quem diabos é Mick Jagger?").
Capa de "Hyde Park Live", o disco ao vivo em formato digital dos Rolling Stones: sem previsão de canções inéditas
Diário do Nordeste
O cantor inglês no palco do Festival Glastonbury deste ano FOTO: REUTERS/OLIVIA HARRIS
A ironia da foto é que a piada de Keith Richards tem um fundo de verdade. Quando lançou sua autobiografia, "Vida", em 2010, o guitarrista não escondeu o desconforto diante da instável figura do parceiro. Ele lamentava a desaparição do amigo dos velhos tempos, o garoto bem humorado fã de blues.
Richards não é o único a não saber direito quem diabos é Mick Jagger. É assim que ele aparece na maioria dos livros de memórias de gente ligada à banda, como Bill German (do fã-clube Beggar´s Banquet). Isso também aparece nas biografias do cantor e compositor inglês. Em todas elas há verdadeiros apagões, quando Mick parece sumir do mapa, e momentos em que fica claro que o autor não entende porque seu personagem está agindo daquela forma (controversa).
Mick Jagger se revela, assim, uma figura paradoxal. Por um lado, é um artista submetido à superexposição midiática há cinco décadas; por outro, é um sujeito um tanto imprevisível que nem os amigos conseguem decifrar por inteiro.
Talvez por essa razão o livro "Jagger" (Benvirá), de Marc Spitz, se sobressaia entre outras biografias. Não é tão detalhista quanto "Mick Jagger" (Cia. das Letras), de Philip Norma, nem tão picante quanto "Mick: The Wild Life and Mad Genius of Jagger", de Christopher Anderson, mas dá conta desta complexidade do personagem e até arrisca a apontar o momento em que Mick deixou de ser o garoto amigo de Keith Richards, para se tornar numa esfinge do pop.
Para Spitz, o ponto de mutação foi a prisão de Mick e Keith, em 1967, por porte de drogas. A imagem "bab boys" dos Stones, em contraste com o bom-mocismo inicial de seus "rivais" Beatles, acabou por converter o quinteto em bode-expiatório. Foram perseguidos, investigados, presos e até condenados - antes da revogação. Mick não gostou da palhaçada dos conservadores, nem de ser transformado em símbolo de uma geração. Para manter sua individualidade e privacidade, passou a se esconder em máscaras e mais máscaras.
Mick nasceu em uma família de classe média, na cidade de Dartford, próxima a Londres, em 1943. A família saiu da guerra em condições mais favoráveis do que muita gente na Inglaterra. O filho mais velho do casal Jagger teve uma infância sem traumas. Era um bom aluno e teria se convertido em um economista, não tivessem os velhos mestres do blues e os novíssimos astros do rock norte-americano surgido em seu caminho. Criou os Stones com um amigo de infância, ajudou a redefinir o rock e hoje celebra 51 anos de estrada.
Mick Jagger (o segundo da esquerda para a direita), com os Rolling Stones, à época do sucesso inicial do single "(I can´t get no) Satisfaction", em 1965
O simples e o complexo
Mick Jagger foi vítima de uma simplificação que beneficiou - e muito - Keith Richards. É a diferença entre Apolo e Dionísio. E todo mundo sabe que é mais divertido ser o deus do vinho e da embriagues do que a divindade da harmonia e do equilíbrio. Mick ganhou a fama de careta, num meio que isso é pecado mortal: o rock.
No dia que celebra 70 anos de vida, o artista bem que merece uma reavaliação de seu trabalho, sem maniqueísmos estéreis. Ou alguém acha que os Rolling Stones teriam feito as músicas que fizeram se Mick não tivesse dado sua contribuição? O discos solos de qualidade razoável de Keith talvez ajudem a responder à questão sem apelar para fórmulas prontas e não muito espertas.
O problema de avaliar a contribuição de Mick Jagger - e dos Stones - esteja no fato de sua fase desbravadora ter acontecido há muito tempo. Tanto que é difícil até para seus protagonistas lembrarem dos contextos, como confessou o cantor em entrevista recente à revista norte-americana Esquire.
Os Stones nunca tiveram a exuberância dos Beatles, nem exploraram os limites do que é possível fazer em estúdio. Na verdade, sempre foram o contrário disso: uma banda bem crua, que, mesmo quando se tornou um empreendimento multimilionário, gravou sem muitas firulas.
É nesse ponto que reside o diferencial dos Stones. Ser cru não é sinônimo de ser simples ou pobre em referências. Mick Jagger sempre foi uma espécie de nerd musical, daquele tipo que conhece bem a discografia de centenas de artistas, tem dezenas de discos obscuros em sua coleção e não morre de amores pelo panteão mainstream. Com seus companheiros de banda, foi capaz de imersões em tradições musicais que o pop tinha dificuldade em assimilar. Quando os Stones traziam aos roqueiros o blues e o country, por exemplo, estes ainda eram territórios selvagens para boa parte dos fãs do rock inglês.
Como poucos artistas, os Stones conseguiram trabalhar com mais de um gênero musical, sem abrir mão de sua assinatura musical. E, se você acha que com Mick Jagger e os Stones é apenas rock´n´roll, é porque ainda não ouviu seus discos com atenção.
DELLANO RIOS
EDITOR
Estradas ainda a serem trilhadas
Apesar de Mick Jagger e os Rolling Stones serem pouco previsíveis, nem o mais otimista dos fãs da banda tem muita esperança de vê-los reunidos para uma turnê, após o término da atual. A "50 & Couting" deve percorrer a Europa, neste segundo semestre e, possivelmente, a América do Sul (Brasil incluso), entre março e abril de 2014. Nos últimos 20 anos, a banda tem dado intervalos de quatro ou cinco anos entre uma excursão mundial e outra.
Se uma próxima turnê acontecesse em quatro anos, teríamos um Charlie Watts de 77 anos nas baquetas. Keith e Ronnie também não têm as melhores saúdes. Claro, não é tão difícil imaginar um Mick Jagger quase oitentão sacolejando no palco. Mas é sempre difícil imaginá-lo em turnê sem os Stones. De seus quatro discos solo, apenas dois renderam turnês. As duas, aliás, com pouquíssimas datas. Com o SuperHeavy, banda multiétnica montada em 2011, não rolaram apresentações ao vivo.
Os Stones - e Mick - têm uma sobrevida mais promissora lançando produtos inéditos, em especial tirados do baú da banda. Até meados dos anos 90, a banda só pensava em seus discos de inéditas. Nada de reedições caprichadas, compilações de lados B ou sobras de estúdio. Desde a edição, em áudio e vídeo, do especial "Rock´n´Roll Circus" (1968) em 1995, o grupo tornou-se mais aberto ao passado. Nos últimos oito anos, mesmo sem um disco de inéditas, o grupo alegra os fãs com reedições de preciosidades dos anos 70, discos com raridades, edições especiais e caprichadas de álbuns clássicos, documentários com diversos enfoques sobre a história da banda.
E a banda não deve parar. Para celebrar seus 50 anos, já editou coletânea, com duas canções inéditas, o documentário "Crossfire Hurricane" e, agora, um disco ao vivo. "Hyde Park Live" é o registro dos shows da banda no famoso parque londrino, em julho deste ano.
O "disco" foi lançado na segunda-feira, em formato digital, exclusivo para o iTunes, com 19 faixas. Mostra que a turma de Jagger ainda está em ótima forma. E que seria muito bom se a próxima surpresa fosse que a garantia de que grupo não vai parar tão cedo. (DR)
Diário do Nordeste
Nenhum comentário:
Postar um comentário