Leitores de fábricas de charutos são elevados à categoria de Patrimônio Cultural do país
Enquanto viveu, Che Guevara foi um fumante inveterado de charutos (Foto: Arquivo) |
Por Marco Lacerda*
Muitas coisas representam o estilo de vida cubano tradicional, como a trova literária e o ritmo alucinante da salsa. Mas nenhum delas tem tanta força na ilha do Caribe como a cultura do tabaco. Em Cuba o prazer pelos ‘puros’ não é considerado um vício, mas um estilo de vida. Não por acaso o país elevou o charutos à categoria de Patrimônio Cultural da nação, concedendo uma distinção especial ao leitor de tabacaria.
A decisão foi oficializada pelo Conselho Nacional de Patrimônio Cultural de Cuba, reconhecendo assim a importância cultural e a singularidade deste ofício que não existe em nenhuma outra parte do mundo. Agora o país aspira a que a leitura de tabacarias seja incluída pela Unesco em sua lista de Patrimônios da Humanidade.
Em todas as galeras das fábricas de tabaco cubanas há uma mesa e uma cadeira reservadas ao leitor de jornais e da melhor literatura mundial. Há anos, durante uma visita à fábrica de ‘puros’ Partagás, fundada em 1845, na vizinhança do Capitólio Nacional, o escritor Ernest Hemingway leu em voz alta ‘O vermelho e o negro’, de Stendhal, para os trabalhadores totalmente entretidos pelo sarau. Incomodados com a lentidão da leitura, porém, muitos tabaqueros acabaram comprando o romance para conhecer o final da história.
Sempre se leu boa literatura nas fábricas cubanas, embora muitas vezes os temas fossem o horóscopo do dia, receitas culinárias, manifestos políticos e densos tratados sobre o realismo socialista, depois que a então União Soviética passou a marcar presença mais intensa na vida do país.
O melhor charuto do mundo
Desde os primórdios desse costume, a escolha dos temas a serem lidos foi motivo de desavenças entre os tabaqueros. Nos tempos coloniais prevaleciam sisudas histórias sobre a Espanha. Em algumas fábricas, com administração e sindicatos mais abertos, chegavam obras de Dostoievski, Víctor Hugo e Zola. Assim começou a surgir a consciência social em alguns grupos de trabalhadores. Dom Quixote, de Cervantes, Dumas e Shakespeare também tinham grande aceitação.
A leitura nas tabacarias foi introduzida em Havana em 1865, na fábrica El Figaro. A iniciativa partiu do político liberal Nicolás Azcarate que levou a prática às fábricas com o objetivo de aliviar as longas e tediosas jornadas de trabalho dos tabaqueros. O resultado da acumulação de conhecimento transformou o setor num coletivo ideológico unido e simpatizante das idéias de independência.
José Marti recebeu apoio incondicional do universo tabaquero em sua luta contra a colonização espanhola. “A mesa de leitura de cada tabacaria foi uma tribuna avançada para a libertação do país”, disse uma vez o herói nacional de Cuba. O ativismo político chegou a tal ponto que, a uma certa altura, livros foram proibidos pelo temor à repressão que poderiam desatar.
Hoje, um século e meio depois, entre artigos do diário comunista Granma e do Juventude Rebelde, nas fábricas de tabaco de Cuba continua-se a ler os livros de sempre, inclusive ‘O vermelho e o negro’ e as aventuras escritas por Alexandre Dumas. De tanto ouvir as peripécias de Edmundo Dantes surgiu a marca de ‘habanos’mais famosa do mundo, os Montecristo.
Tabacaria cubana - Veja o vídeo:
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Dom Total.
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