Por Philip Pullella
Durante aquele voo, ele respondeu 21 perguntas sobre temas como o escândalo no banco do Vaticano, a presença de mulheres no clero ou o fato de ele carregar sua própria mala de mão. Mas os comentários mais reveladores foram numa resposta sobre a presença de homossexuais no Vaticano, quando ele parece esboçar o tipo de Igreja que imagina.
"Se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?", disse ele, citando o trecho do catecismo católico que determina que os homossexuais não devem ser marginalizados, e sim respeitados e integrados à sociedade.
Foi a primeira vez que um papa pronunciou publicamente a palavra "gay" - usou-a cinco vezes -, no que é mais um sinal de que o argentino está mais atento às ideias dos fiéis do que seu antecessor, Bento 16.
Ele também enfatizou o preceito religioso de "amar o pecador e odiar o pecado", uma noção que nem sempre esteve evidente nos pronunciamentos de Bento 16. Um documento aprovado em 2005 pelo papa alemão dizia que as tendências homossexuais são "objetivamente perturbadas", e num livro de 2010 ele descreveu a homossexualidade como "uma das misérias" da Igreja.
Para o jornalista John Thavis, que passou 30 anos cobrindo a Santa Sé e escreveu o best-seller "The Vatican Diaries" ("Os Diários do Vaticano"), a frase "Quem sou eu para julgar?" pode acabar sendo a mais citada de qualquer papa moderno.
"O papa Francisco percebeu a verdade simples, que quando a Igreja prega sobre questões pélvicas e políticas, como controle da natalidade, aborto e casamento homossexual, muitas pessoas param de ouvir. Então, em vez de repetir regras e brandir a retórica da ?cultura da morte´, ele está focando em outro lado essencial do cristianismo, o da misericórdia e compaixão. E, é claro, isso é muito mais convidativo", disse Thavis.
Esse é mais ou menos o mesmo argumento defendido por um alto funcionário do Vaticano, que pediu anonimato. "Qual é o benefício de martelar questões em que a posição já é bem conhecida, seja ela abraçada ou não?", disse.
"Qual é a associação imediata que queremos na cabeça das pessoas quando a Igreja Católica for mencionada? Uma governanta rigorosa, ou uma que ensine os mesmos valores sendo abordável, gentil, compreensiva e paciente?"
A conta-gotas
Para Paul Vallely, autor de "Pope Francis - Untying the Knots" ("Papa Francisco - Desatando os Nós"), trata-se de "colocar as pessoas acima dos dogmas" e alterar percepções sem abandonar a substância.
"O papa Francisco claramente quer mudar a imagem da Igreja, de uma organização de cima para baixo, que emite éditos e se guia pelas regras, para um modelo mais populista de uma Igreja de evangelizadores", afirmou David Gibson, autor católico de vários livros, que vive nos EUA e já trabalhou no Vaticano.
"Ao ver todas as pessoas como pecadores - como ele próprio, conforme ele observa - e ao não fazer distinções, salientando em vez disso a busca pela santidade e por fazer o bem, Francisco está bastante alinhado com o lugar onde os católicos nos bancos das igrejas tendem a estar, e seu clero também", disse.
Ao contrário de Bento 16, que passou a maior parte da vida como professor ou como funcionário da Cúria Romana, Francisco sempre foi um pastor.
"Ele sabe o que pensam os católicos nas trincheiras", disse John Allen, correspondente da publicação norte-americana National Catholic Reporter e autor de vários livros sobre o Vaticano e a Igreja.
"Ele quer valorizar o resto do ensinamento da Igreja, especialmente o seu evangelho social. Fazer isso pode convidar as pessoas, começando pelos católicos alienados, a assumirem outro olhar", disse Allen.
Alguns preveem um efeito conta-gotas "Quando Francisco fala com todo um novo registro sobre os gays, ou quando ele está tão aberto, tranquilo e informal em seu trato com as pessoas, o clero irá notar", disse Gibson. "Eles podem não gostar, mas também sabem que precisam conviver com o programa."
Outros ficaram intrigados com a reação da mídia. "É incrível a atenção que uma paráfrase coloquial do Catecismo Católico pode atrair", disse o padre John Paul Wauck, professor da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma, uma instituição conservadora.
Durante a entrevista coletiva no avião, o papa citou o Catecismo Universal Católico, segundo o qual a homossexualidade não é pecado, mas os atos homossexuais são.
Wauck, que é membro da organização católica conservadora Opus Dei, disse que Francisco quis que as pessoas vissem o quadro mais amplo da "mensagem alegre" do cristianismo.
"Se você fosse papa e precisasse identificar os mais cruciais mal entendidos que afligem o mundo hoje, você poderia não se contentar com uma lista familiar de falhas morais, focando em vez disso em questões mais fundamentais sobre como nos relacionamos com Deus. Sem entender essas questões fundamentais, há pouca esperança de apreciar ou aceitar regras morais", disse o padre.
O que, então, o futuro reserva para a Igreja sob Francisco? "A Igreja ainda está chegando a termos com esse novo papa, que, como disse um cardeal, ?joga no mesmo time, mas chuta a bola numa direção inteiramente diferente´", disse Vallely.
Reuters
Dom Total
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