segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Alguém está observando você!

Em breve haverá dispositivos virtuais capazes de vigiar os mínimos detalhes de nossa vida



A violação da privacidade profetizada por George Orwell (Foto: Arquivo)
Por Ricardo Bittencourt*

A cada minuto milhares de informações são produzidas no mundo - vídeos, posts em blogs, postagens em redes sociais, tweets, podcasts são compartilhados no ciberespaço. Um acervo gigantesco de informações, de conteúdo produzidos de forma digital e não centralizada. Da mesma forma no espaço analógico, no mundo material, milhares de pessoas estão vivendo suas vidas, interagindo com outras pessoas - falando, ouvindo, tocando, movendo, sentindo.
Uma infinidade de outros dados e informações produzidos de forma atômica, não digitalizada e extremamente numerosa. Isso considerando somente uma escala micro a vida de uma única pessoa, mas os sujeitos estão inseridos em sociedade, convivendo em sistemas sociais - suas famílias, escola, trabalho, clube, lojas, transporte coletivo. Cada sistema funcionando como um sujeito também consumindo e produzindo dados e informações.
Muito em breve teremos em nosso cotidiano dispositivos que irão fundir cada vez mais esses espaços, seguindo a tendência do Google Glass, um óculos com câmera integrada e acionamento por comandos vocais, capaz de registrar os mínimos detalhes de nossa vida. A principal questão que surge é como inferir novos conhecimentos a partir dessa imensa quantidade de informações? Como obter novas visões, ampliar nossa compreensão do sujeito, dos grupos sociais em suma de toda uma sociedade a partir dessa massa de dados? E principalmente, sem ferir a privacidade, a individualidade do sujeito.
Ponto de virada
Em modelo de mídia convencional, unidirecional, seguindo o modelo produtor-consumidor os grandes broadcasters são os responsáveis pela seleção, organização e apresentação do conteúdo. As interrelações são dadas por cronistas, comentaristas e editores que traçam um painel, fazem um recorte da realidade. Sempre baseando-se em problemas coletivos que possam interessar um grupo n umero de pessoas.
Sem dúvida, tal preceito baseado nas questões mercantis que necessitam vender seus jornais, telejornais e revistas. Assim, essa mídia convencional tornou-se a principal criadora de novos símbolos e signos que resignificaram a sociedade, muitas vezes ajudando a manter um status quo de classes dominantes. Tal modelo foi criado e estabelecido na era industrial, na formação de uma sociedade consumista e materialista.
O ponto de virada é o ciberespaço cujo o modelo de mídia convencional foi rompido e descentralizado. O sujeito tanto é um consumidor quanto um produtor. E a pela facilidade e redução dos custos praticamente qualquer pessoa é um relator, um produtor de novos conteúdos, fatos e informações. Com grande facilidade na geração e na distribuição de novos signos.
Signos remixados e compartilhados
Logo, o conteúdo espalha-se em redes, em inúmeros formatos e se restrutura a cada compartilhamento nas redes sociais. Nesse modelo cabe ao sujeito fazer sua interpretação, sua recombinação. Agora os signos são criados, remixados e compartilhados. O grande exemplo são as manifestações ocorridas no Brasil, a chamada Revolução do Vinagre que articulou-se nas redes sociais, mexeu com as pessoas na discussão política, promoveu mudanças sociais e dialogou fortemente com a cultura de massas.
Frases de seriados, desenhos de personagens de quadrinhos, animes, filmes foram redesenhados em cartazes e foram reinscritos em memes e tumblers. Com conteúdos, signos estruturados é mais fácil de perceber esses movimentos, mas com os dados não estruturados, tácitos e implícitos que são gerados muitas vezes sem uma consciência, mas trata-se de informações emergentes oriundas do funcionamento dos sistemas, dos processos e dos sujeitos?
Em abril de 2013 realizamos no IHU durante o seminário que integra o XIV Simpósio Internacional IHU – Revoluções Tecnocientíficas, Culturas, Indivíduos e Sociedades o Painel TED sobre visualização de dados. No painel reunimos algumas palestras apresentadas durante o evento TED (palestras promovidas com grandes pesquisadores mundiais pela organização homônima com duração máxima de vinte minutos) que apresentam um olhar diferenciado perante a representação de grandes volumes de dados e a forma de inferir novos conhecimentos.
Experimento perturbador
O painel tinha como objetivo criar uma reflexão sobre a questão tecnológica sendo utilizada para representar os dados, tornar visível esse fluxo de informações invisível. Como que a tecnologia de dados está sendo utilizada para democratizar a compreensão de dados e permitir que o sujeito possa exercer sua recombinação, recriar sua rede de significados.
Iniciamos o painel com Deb Roy, um pesquisador indiano que atua no MIT e fez um experimento que em um primeiro momento é um tanto quanto perturbador em relação as questões de privacidade, mas percebe-se o quanto que podemos inferir conhecimentos de uma escala micro para uma escala macro. O Dr. Roy filmou durante o primeiro ano de seu filho todas as suas interações dentro de casa. Todas as peças da casa possuíam câmeras no teto gravando de forma ininterrupta.
Com esses dados sonoros e visuais distribuídos pelo espaço (cada pedaço da casa) e pelo tempo (durante um ano) o grupo de pesquisa do Dr. Roy deseja inferir a gênese das palavras, como que o bebê produz suas primeiras palavras e qual a influência do espaço, das relações, dos signos dentro da casa nesse processo? Para isso a equipe necessitava transformar dados na forma de vídeo (imagens e sons) em outra forma de representação estruturada, uma forma de enxergar os mesmos dados de forma diferente para inferir novos conhecimentos. Dessa pesquisa, a equipe generalizou para mídia para verificar as relações no Twitter em função da programação da TV.
Ficamos com uma sensação de um Grande Irmão, de George Orwell, naquela violação da nossa privacidade, mas ao mesmo tempo fascinados pelo fato de extrair dados tão íntimos, uma massa de dados despersonalizada capaz de inferir fortes relações entre palavras, signos, espaço e tempo. Com conceitos aplicáveis em uma escala micro (uma residência) em uma escala macro (um país).
Lembrem-se das inúmeras câmeras que estão espalhadas nas ruas? Como estas imagens poderiam ser usadas? Na série televisiva de ficção da CBS, Person of Interest, as câmeras estão sempre coletando dados para The Machine processar dados e prever possíveis ataques terroristas.
"1984" - Veja fragmentos da profecia da George Orwell.
* João Ricardo Bittencourt, professor e coordenador do curso de Jogos Digitais da Unisinos.

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