sábado, 7 de setembro de 2013

Crise da não circunstância

Para que eu consiga escrever um texto não basta apenas que me tranque no quarto com o notebook, com a minha xícara favorita em cima dos livros e a chuva batendo na janela. Por mais que essas características soem como o cenário típico e perfeito do escritor, não é assim que funciona. Por isso tenho sérios problemas com prazos de entrega, datas limites. Sempre os cumpro, mas é extremamente complicado para mim me ater a eles. Não por falta de disciplina, mas por que as histórias precisam vir até mim, e não o contrário. 

E foi assim que este texto surgiu. Passando pela Praça da Liberdade à caminho da biblioteca municipal deparei-me com uma senhora sentada com o olhar perdido em algum lugar, ou época, ou pessoa. Olhando para ela, ou melhor, para além dela, imaginei sua história. O seu olhar nostálgico revelava um passado muito intenso, porque nostalgia é lembrança, e lembrança é ter um passado. 

Observando a senhora pensei em toda a sua existência. Uma pessoa que viveu, fez parte de algo e que hoje se atém a ilusão, e se agarra a ela. Pois afinal de contas nada no mundo supera ou mesmo se iguala à nossa fantasia. Essa senhora, por mais perdida que ela pareça em meio a seus devaneios nostálgicos, é a mais situada no mundo que boa parte da humanidade hoje. A humanidade não é a senhora no meio da praça presa ao passado, porque pelo menos essa senhora assume para si mesma sua plena ilusão. Nós, pós-modernos, não. Mantemos a pose em meio à crise, e isso marca o problema ocidental da nossa existência: a não circunstância. 

Acredito que hoje relacionamos o nada ao nada, perdemos nosso perceptual. E quais as consequências disso? Um futuro cada vez mais solto. Não somos integrados no nosso próprio mundo e, se existir não tem um sentido suficientemente forte para cada indivíduo, como terá para a coletividade? Onde está a circunstância de cada um de nós? Será que sentaremos na praça como àquela senhora para pensar no que fizemos pra dar sentido à vida? Somos cada vez mais tecnológicos, mais científicos e até mais organizados socialmente e politicamente. Mas nossa essência, ou simplesmente a pura existência, continuam as mesmas. O mundo deveria comportar mais Zorba’s, ou seja, pessoas mais sábias providas de histórias e capacidades de entendimento que títulos ambulantes. 

Parecemos ser muito ‘cheios de si’, mas não somos. Pode parecer um texto pessimista, mas não é. É só uma visão sincera da humanidade, movida por excitações mal fundamentadas, em que um dia se luta por ideais bem definidos e no outro se esquece pelo que lutou. Uma humanidade dividida entre elitistas e hipócritas. Uma humanidade de jovens mais temerosos e mais perdidos e de professores mais ideológicos e menos pensantes, em que ser uma senhora que só pensa no passado é mais normal e seguro do que o modo como a maior parte da humanidade tem vivido atualmente. 

Essa perda de fundamentalismos reflete em todas as áreas da sociedade ocidental, em que as pessoas buscam, no escuro, por um sentido. E na ânsia de encontrá-lo se tornam ou cada vez mais desesperadas ou cada vez mais iludidas. Não há um meio termo para a loucura pós-moderna.

Brígida Rodrigues Coelho é graduanda em Direito pela Escola Superior Dom Helder Camâra. Começou a escrever com 15 anos no jornal filosófico Conhece-te a ti mesmo e, atualmente, tem uma coluna no jornal o Baruc, de Congonhas e região. Vencedora de muitos concursos literários nacionais e internacionais gosta de focar em assuntos críticos os quais possa relacionar à filosofia. 

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