terça-feira, 3 de setembro de 2013

Mistura explosiva: ignorância e rancor

Ignorância e rancor ajudam a alastrar a indiferença para com o sofrimento alheio.


Ignorância e rancor, terreno onde proliferam sentimentos irracionais. (Foto: Arquivo)
Lev Chaim, de Amsterdã*

Sempre pensei que o maior mal do mundo fosse a ignorância. Hoje, já digo que não é só a ignorância, mas também o rancor. Especialmente este último é uma coisa danada de safada. Quem está possuído pelo rancor, mesmo que inteligente, fica cego, surdo e mudo. E é neste momento que as coisas começam a dar errado. 

Em uma entrevista dada à uma revista semanal aqui da Holanda, o ex-prefeito de Amsterdã, Job Cohen, disse que a sua mãe, judia holandesa, se sentiu isolada por volta do início da perseguição nazista aos judeus no país, em 1938. Ele disse isto para exemplificar o sentimento de isolamento de muitos muçulmanos, hoje em dia, devido ao clima que propicia  taxá-los de  terroristas, por causa de uns poucos extremistas. 

Mas como o mundo está cheio de “ignorantes”, esta forma de pensamento pode chegar a ser perigosa para a coesão de uma sociedade multicultural e multirracial. E é ai que entra o rancor, base para as desforras irracionais de qualquer ser humano, numa atitude que iguala os homens às bestas. Hitler foi um exemplo marcante desta última espécie. 

É claro que sou contra rotular todos os muçulmanos de terroristas. Mas também sou contra a comparação que se faz hoje em dia, sem o menor senso de pudor ou originalidade, da situação de judeus e muçulmanos. Achar que os muçulmanos estão sentindo o mesmo que os judeus sentiram nos anos trinta, durante a chegada dos nazistas ao poder,  é uma distorção da realidade.  

Concordo com o argumento do professor holandês da Universidade de Amsterdã, Arnold Heertje, quando ele diz que degradar um determinado grupo da população é uma coisa totalmente imprópria. Como também é descabido comparar judeus e muçulmanos, na tentativa de minorar o sofrimento dos muçulmanos moderados.  

Heertje lembrou ainda que o anti-semitismo é um mau que existiu em qualquer época e ainda existe até hoje. Poderíamos denominá-lo de uma praga universal, inerente a todas as camadas da sociedade antiga, medieval e atual. Não é de hoje que os judeus sofrem um preconceito tão enraizado e tão  forte. O preconceito contra muçulmanos, historicamente falando, é uma coisa recente.  

O rancor e a inveja são terrenos que fazem proliferar esses tipos de sentimentos irracionais, colocando rótulos podres em um povo, em uma coletividade, como se ela fosse responsável pelos erros de seu tempo. Mesmo assim, os judeus não saíram por ai praticando atentados terroristas. 

E o argumento de que o Estado de Israel, o Estado Judeu, em si só, seja um adepto praticante de atentados terroristas contra o povo palestino, também não cola. Pode-se até denominar a ação dos políticos israelenses de terrorismo, mas isto não dá o direito a ninguém de julgar um povo pelos atos de seus governantes.   

Pode-se chamar todos os muçulmanos de terroristas, porque muitos de seus governos praticam atos terroristas ou apoiam grupos radicais, tais quais o Irã? É claro que não. Quem não viu, há algum tempo, a luta do povo iraniano por democracia e o massacre que os aiatolás lhes infringiram?    

Como deu a entender o professor Heertje, a mãe do ex-prefeito de Amsterdã só começou a se sentir isolada quando o isolamento a atingiu fisicamente aqui na Holanda. Antes, com tudo ocorrendo de mal na Alemanha com os seus co-irmãos, vamos dizer assim, ela ainda não havia protestado. 

Em outras palavras, “pimenta nos olhos dos outros não arde”, não é mesmo? Rancor e a ignorância são duas pragas que ajudam a alastrar a base do mal maior: a indiferença para com o sofrimento alheio.  

"Milonga do muçulmano-judeu" – Jorge Drexler. Veja e ouça o vídeo:

*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora. Escreve todas as terças-feiras para o Dom Total.

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