quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Árvore genealógica da economia



Platão e Aristóteles: pais fundadores do pensamento econômico ocidental (Foto: Divulgação)
Marcus Eduardo de Oliveira

Segundo a “Árvore Genealógica da Economia”, descrita por Paul Samuelson (1915-2009), a economia tem em “Adam Smith o gênio tutelar da escola clássica que gerou David Ricardo, o ´pai de todos´, que gerou duas correntes opostas: uma, ortodoxa, personificada em John Stuart Mill e nos neoclássicos, Léon Walras, William Stanley Jevons e Alfred Marshall, a qual gerou John Maynard Keynes, de quem provieram, por sua vez, os ´neo´ e os ´pós-keynesianos´ dos nossos dias; outra, heterodoxa, representada por Karl Marx e seus descendentes ´socialistas científicos´ matizados de hoje”.

Fato irretocável é que a economia esteve ou no centro propriamente dito, ou nos bastidores dos principais eventos da Humanidade. Assim, essa ciência se fez presente nos escritos dos “pais fundadores” do pensamento econômico ocidental: Platão (428/427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 A.C.).

Segundo Platão, cada ser humano nasce com uma determinada vocação para exercer um ofício. Conquanto, a economia se fez presente no surgimento, formação e desenvolvimento dos mercados ocorrido nas cidades européias no final da Idade Média; no sistema de formação de preços, nos problemas da filosofia social; no Individualismo; no excesso populacional; no liberalismo intervencionista.

Esteve “presente” ainda no pensamento dos revolucionários utópicos, na visão marxista do desenvolvimento e colapso do capitalismo, no movimento ludista que começou em 1811 no interior da Inglaterra e no aço, carvão e na manufatura que foram à base da Revolução Industrial.

À medida que o tempo transcorria, a ciência econômica passou a encontrar representantes e representados no mercantilismo (Petty), na fisiocracia (Quesnay), na escola clássica (Smith, Malthus, Stuart Mill, Ricardo), na crítica ao capitalismo (Marx, Weblen e Hobson), no marginalismo (Pareto, Jevons e Walras), no neoclassicismo (Marshall), no keynesianismo (Keynes e Kalecki), no historicismo (Weber) e no pensamento econômico contemporâneo (Schumpeter, Samuelson, Myrdal, Sraffa, Robinson e Galbraith).

Quando os neoclássicos se apresentaram ao mundo, as ciências econômicas lá estavam representadas no conceito de utilidade marginal e na busca do bem-estar individual. Quando a crise econômica resolveu “abalar” os alicerces do capitalismo mundial, a economia se fez presente no programa New Deal e, com John M. Keynes, voltou a “abalar” o mundo em forma de “revolução científica”, fundando os conteúdos teóricos da macroeconomia.

A ciência econômica esteve junto à teoria política que inaugurou a planificação na União Soviética, assim como esteve presente no primeiro plano quinquenal desse país. A economia esteve nos custos e nas consequências da Segunda Guerra Mundial e na Guerra Fria, assim como se fez presente com Joseph Alois Schumpeter (1883-1950) na “sobrevivência” do capitalismo, pelas mãos dos “revolucionários da economia”: os empreendedores.

A atividade econômica esteve, está e sempre estará nas grandes empresas, nos grandes sindicatos, nos governos, assim como também está, acima de tudo, na sociedade, ávida por vivenciar dias melhores. A economia está nos custos e benefícios marginais que são o que realmente interessa para a eficiência de um sistema econômico.

A economia está em tudo e tudo parece gravitar ao redor da economia

Como a economia está em tudo e quase tudo parece gravitar ao redor dela, Roger E. Backhouse, renomado historiador econômico, afirma que até mesmo nos textos do Velho Testamento ou na poesia de Homero encontram-se excertos econômicos.

Não nos esqueçamos, nesse pormenor, que a sociedade descrita na Ilíada e na Odisséia, obras atribuídas a Homero (ainda que haja dúvidas quanto a sua existência física), reflete o mundo micênico (Idade do Bronze) e eram sociedades organizadas fora dos padrões do mercado, baseadas na pilhagem, no roubo e nos tributos pagos por sociedades derrotadas como maneiras de distribuir riquezas. Portanto, foram sociedades em que a atividade econômica marcou sua presença.

Hesíodo, que viveu no final do século VIII a.C., é outro poeta do Mundo Antigo que também parece guardar uma relação próxima com a economia. Um dos poemas atribuídos a esse autor – Os trabalhos e os dias – tem forte conteúdo econômico. De acordo com Backhouse, Hesíodo pode ser lido como alguém que via o problema econômico básico como de escassez de recursos. A razão para os homens trabalharem é que “os deuses mantêm o alimento escondido dos homens: caso contrário se trabalharia facilmente em um dia o suficiente para se prover para o resto do ano sem trabalhar”. Hesíodo, além de ter sido o primeiro poeta individualista, foi também o primeiro a se queixar publicamente da opressão dos humildes, da injustiça crescente a da supremacia dos ricos.

A economia presente no Mundo Antigo

A atividade econômica está fortemente “registrada” no século 12 a.C., quando os hebreus que viviam nos desertos do Norte da Arábia, organizados em famílias e tribos, conquistaram novos territórios (Canaã) e neles se instalaram. De igual maneira, ao exigirem justiça social, os primeiros profetas de que temos notícias Elias, Eliseu e, depois, Amós, Isaías e Jeremias estavam praticando o que hoje se convenciona denominar de economia social.

A atividade econômica também é registrada pela história no período que vai do sétimo ao quarto século a.C., principalmente com Anaximandro de Mileto (610–547 a.C.) que desenhou o primeiro mapa do mundo conhecido; certamente atendendo a interesses de alguém que vislumbrava alcançar novos espaços.

Já com o historiador grego Xenofonte (cerca de 430–355 a.C.), vem o conceito Oikonomikos – referindo-se a administração patrimonial.

A prática econômica esteve arraigada no comércio e no poderio naval (as forças de Atenas) e na agricultura e no exército (as forças de Esparta), assim como esteve presente no grande período de prosperidade que marcou a época de Péricles, de 461 a 430 a.C.

De igual modo, a economia “esteve presente” na pirataria que foi eliminada do Mediterrâneo oriental, fazendo florescer, a partir disso, o comércio, a agricultura e a manufatura comercial.

Verificou-se intensa atividade econômica nos grandes projetos de construção da época de ouro ateniense, como o Parthenon e nos ensinamentos dos sofistas – os primeiros intelectuais a cobrar pelos seus ensinamentos, dentre eles o maior de todos – Protágoras (500 ou 480 a.C. - Aprox. 410 a.C.).

A economia se enraizou na Constituição romana que vinculava o poder político à propriedade da terra e ao serviço militar. Nesse período, guerras e conquistas eram as principais fontes de riqueza, e os soldados eram frequentemente recompensados com concessões de terras.

É possível ainda encontrar “pensamentos econômicos” nos escritos teológicos sob diferentes aspectos; isso muito antes das ciências econômicas surgir (nascer) de fato.

Nesse pormenor, o pensamento escolástico “uniu” às idéias econômicas aos ensinamentos morais contidos na Bíblia.

Santo Agostinho (354-430), por exemplo, o mais douto dentre os doutores da Igreja Católica, vislumbrava uma sociedade perfeita a partir do progresso e entendia que “o supérfluo dos ricos é o necessário dos pobres”.

Santo Tomás de Aquino (1225-1274), em Suma Teológica, obra escrita quinhentos anos antes de A Riqueza das Nações já alertava para a prática dos preços de forma justa, longe da usura e dos ganhos fáceis.

São Malaquias (1094-1148), por sua vez, gritando contra a opressão e a injustiça social indagava: “Não somos todos filhos de um único Pai? Não fomos todos criados pelo mesmo Deus? Por que, então, vivemos nos desprezando uns aos outros?”.

A economia presente no Mundo Moderno

No Renascimento e no surgimento do mundo moderno (século XV) a economia, como não poderia deixar de ser, também lá se fez “presente”.

Na segunda metade desse século, os portugueses começam a explorar as costas africanas e chegam à Índia, em 1498. As Índias ocidentais foram alcançadas seis anos antes, em 1492 e, poucos anos depois, os continentes da América do Norte e do Sul foram descobertos.

Tempos depois, a atividade econômica esteve presente nas conquistas espanholas na América que forneceram para a Europa imensas quantidades de ouro e prata. Em todo o período do fim da Idade Média ao Iluminismo – do século XV ao XVIII – o pensamento que dominou foi de forte cunho econômico - o Mercantilismo, termo esse “inventado” por Victor Riqueti (1715-1789), conhecido como marquês de Mirabeau, e popularizado por Adam Smith.

No entanto, foi somente a partir de 1756, apenas duas décadas antes do lançamento de A Riqueza das Nações, que se constituiu o primeiro grupo organizado de economistas – Les Économistes (os Fisiocratas), que teve na figura de François Quesnay (1694-1774) seu principal idealizador.

Apesar de ser médico da corte francesa, mais precisamente de Madame de Pompadour – a amante de Luís XV – Quesnay, com a publicação do seu Tableau Économique (1758), se voltou para a economia analisando a circulação do dinheiro – certamente fazendo analogia com a circulação do sangue dentro do corpo descoberta por Harvey, em 1628.

Outro nome proeminente desse grupo fisiocrata é William Petty (1623-1687), professor de Anatomia em Oxford, em 1650. E assim “nasciam” os primeiros economistas; mesmo não exercendo essa função de forma profissional.

O “nascimento” das Ciências Econômicas

Depois de um lento desenvolvimento, a economia foi fortemente influenciada por teorias científicas como as de Newton e Darwin, pelo pensamento de Aristóteles e Platão, por movimentos filosóficos (Iluminismo, Positivismo), por métodos matemáticos, por técnicas estatísticas, e sempre esteve confrontada por questões práticas como bem-estar, conflitos armados, colonialismo, desenvolvimento, comunismo, socialismo e a transição para o mundo capitalista.

Em todas essas situações, não há espaço para a seguinte dúvida: o comportamento humano sempre se fez presente. Talvez seja por isso que Lionel Robbins (1898-1984) definiu Economia como “a ciência que estuda o comportamento humano como relação entre fins e meios escassos que têm usos alternativos”

Regressando no tempo, cumpre inicialmente apontar que de 1729 a 1746, a cátedra de Filosofia Moral, na Universidade de Edimburgo, foi ocupada por Francis Hutcheson (1660-1739). Tido como o iniciador do Iluminismo escocês, Hutcheson que cunhou o termo “divisão do trabalho”, embora Platão já fizesse referência a isso, teve entre seus alunos o formidável Adam Smith (1723-1790).

Com Smith, a economia, enquanto ciência, finalmente ganhou corpo teórico pela primeira vez. Corria o ano de 1776, e o mês de março trazia então à tona A Riqueza das Nações.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. prof.marcuseduardo@bol.com.br

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