sábado, 2 de novembro de 2013

Pe. José Fernandes De Oliveira - Solenidade de todos os santos

Pe.José Fernandes De Oliveira*
Neste domingo, XXXI do tempo comum, celebramos com toda a Igreja no Brasil a solenidade de todos os santos. A Liturgia da Palavra nos traz para nosso alimento espiritual a introdução do grande sermão de Jesus contido no texto escrito por Mateus: O sermão da montanha. Subindo ao monte para dar início ao seu ensinamento, o Senhor Jesus realiza um gesto de grande significado bíblico. Com efeito, foi sobre o montanha que Deus criou um povo novo, libertado da escravidão para pertencer somente a Ele, chamado a caminhar sempre na santidade apontada nas palavras da lei. 


O Divino Mestre não nega nem abandona a riqueza desta tradição, mas sobre a montanha para oferecer uma formulação completa da lei de Deus. Mas antes de mostrar com exemplos o sentido desta formulação, fala das bem-aventuranças. Nelas, Jesus anuncia antes de tudo a intenção de Deus de instaurar o seu reino, de tornar ativa a graça da sua paternidade e a sua palavra de salvação neste mundo. Com o anúncio do reino, Jesus proclama o seu projeto de vida para o homem verdadeiramente renovado segundo a imagem de Deus e, por isso, bem-aventurado. As bem-aventuranças não são, de fato, leis, como se deduz de sua própria formulação, ainda que exponham um projeto de vida.
 Um homem que, mesmo lutando contra a pobreza, sabe escolher ser pobre, porque confia em Deus e quer condividir a condição de quem é pobre sem querer; um homem que, enquanto luta contra todo sofrimento, a fim de alivia-lo, sabe, contudo, suportar as desgraças e as aflições da vida no aguardo da consolação de Deus; um homem, que conhecendo bem a violência e talvez sendo vítima dessa mesma violência, crê firmemente que vale a pena ser manso e humilde. Jesus não é um vendedor de sonhos, mas oferece uma visão límpida do homem, como o quer Deus, afirmando que Deus investe a si mesmo a fim de criar uma humanidade nova. Certamente, este projeto não será possível somente com o esforço do homem, mas se torna realizável apenas por quem se deixa se envolver, seduzir-se pela oferta generosa de Deus
Por isso é que Jesus não se dirige diretamente para a multidão, mas antes a seus discípulos; a multidão se encontra presente como pano de fundo porque as palavras de Jesus interessam a toda humanidade. Jesus não oferece um programa de reforma social, mas um projeto para a comunidade dos discípulos, ou seja, os crentes, que, vivendo seriamente e visivelmente suas palavras, tornam-se sinais para o mundo do conhecimento do reino e se coloca a caminho de um novo céu e uma nova terra.

Vale dizer, por isso, que as motivações das bem-aventuraças são quase todas direcionadas para o futuro, com exceção apenas para a formulação do início e da conclusão que se referem ao presente: "deles é o reino dos céus". Esta comunidade dos discípulos já agora presente no mundo é de fato a comunidade do reino e vive já neste mundo a graça de Deus que salva; as demais motivações se encontram no futuro: "serão consolados, herdarão a terra e serão saciados". No momento presente isto já está se realizando, mas se precisa esperar de Deus a realização plena de suas promessas. Vale também sublinhar que é parte integrante do programa de vida proposto por Jesus os primeiros passos de seu longo sermão: Jesus sobe a montanha e se junta a seus discípulos, instaurando com eles uma relação de familiaridade e de proximidade.
Percebe-se com este comportamento de Jesus uma substancial diferença com o que se deu no monte Sinai: não há mais necessidade de agir como Moisés, que havia posto severos limites para aproximação daquele lugar santo e terrivel da presença de Deus; a única condição posta por Jesus é a de segui-lo. Na verdade, aquele que fala com indiscutida e absoluta autoridade de Deus não encontra sentido para se distanciar do seu povo, mas de estar com ele, caminhar com ele, juntar-se a ele. Com efeito, Deus é aquele que se faz presente junto a seu povo. Eis porque as bem-aventuranças pronunciadas por Jesus expressam o que se encontra no seu coração para um povo em cujo meio Deus está. Dentre as bem-aventuranças, pode-se escolher aquela mais consentânea com a celebração de hoje: "Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus".
O ideal da pureza era a preocupação central na lei de Israel, tutelada por isso por rigorosas normas de comportamento. Para se poder participar do culto e assim entrar em contato com a santidade de Deus, precisava-se evitar tudo aquilo que fosse de algum modo incompatível a esta santidade. Jesus, ao contrário, ensina que é necessária a pureza de coração, uma pureza que não coincida com a prática pura e simples de regras externas de pureza, mas antes que toque o coração.

E, com isto, Jesus sugere ao menos três aspectos: a importância da interioridade, ou seja, a necessidade que tudo que se faça seja inspirado numa verdadeira e íntima adesão a Deus e ao seu querer; a liberdade de toda forma de pecado, ou seja, de um coração que se encontre na luz e livre de qualquer vinculação que não seja com Deus. Neste sentido, um coração puro torna-se sinônimo de um coração simples, ou seja, unicamente voltado para Deus; a conexão da pureza de coração com a prática dos mandamentos, em particular, do mandamento da caridade. A recompensa prometida aos de coração puro é a de ver a Deus.
O que significa que aquele que tem um coração puro cultua a Deus sem hipocrisia, alegrando-se por se encontrar com Deus que habita no seu coração; ver a Deus também consiste no modo com que nos dirigindo a Deus com a pobreza de nossas palavras exprimimos a nossa esperança de um dia ver a Deus na sua glória. Fortalecido por esta esperança e esta espera e tendo-se o cuidado de conservar sempre um coração puro, o discípulo pode já nesta vida ver a Deus, encontrando-o e o vendo nas mais diversas situações em que Deus mesmo se faz encontrar. Amém.

*Doutor em Direito Canônico, Presidente do Tribunal Eclesiástico do Ceará e professor da Faculdade Católica de Fortaleza

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