sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Prosperidade separada do crescimento



Tim Jackson: prosperidade reside na qualidade de nossa vida e na saúde (Foto: Divulgação)
Marcus Eduardo de Oliveira
De certa forma, sempre fomos condicionados a observar a prosperidade e o bem-estar dos povos como uma extensão do crescimento econômico mensurado pelo tradicional indicador do Produto Interno Bruto (PIB). Desde Adam Smith, estabeleceu-se dentro das ciências econômicas que o crescimento da atividade econômica, decorrente da produção e do consumo em níveis elevados de bens e serviços comercializáveis, é condicionante da melhoria substancial no padrão médio de vida das pessoas. 

Explicitamente, é a lógica da abundância material estabelecida como base (padrão) de bem-estar. A “receita econômica” básica, para esse caso, é mais ou menos assim: “quanto mais temos, melhor estamos”.

Talvez isso fizesse muito sentido 237 anos atrás, quando a economia “nasceu” enquanto ciência, quando o capital natural era abundante, face ao tamanho e ao dinamismo da economia mundial.

A economia sempre teve na produção/consumo seu eixo articulador. Por essa análise, se há muito consumo (consumidores) haverá mais emprego e mais renda, e girando a roda da economia dessa maneira (com mais produção), assegura-se a manutenção do padrão de bem-estar das pessoas. Pelo menos é essa a noção central que sempre foi defendida pela economia convencional. Entretanto, isso gera uma distorção, pois toda a produção econômica requer a transformação de matérias-primas fornecidas pela natureza. E há, explicitamente, limites para isso.

O problema maior é que essa mesma economia convencional desrespeita esses limites, e não trabalha com a noção de que a taxa de extração de recursos deve ser praticada num nível inferior às taxas de regeneração, pois há de se levar em conta a restauração das reservas do ecossistema.

Por sorte, a teoria econômica “tentou” corrigir essa distorção. A ideia central da utilidade marginal, embasada no princípio da saturabilidade (à medida que se consome um bem, diminui a satisfação ou a utilidade de cada unidade adicional consumida desse bem) procura, ainda que timidamente, frear um pouco o ímpeto da premissa que diz que é consumindo em excesso que se alcançam melhores padrões de vida.

Por isso é de fundamental importância reconhecer que o foco exagerado no consumo material, no lugar de aumentar, na verdade “funciona” mais como redutor do bem-estar humano. Todo excesso leva a transbordamentos. E com a atividade econômica isso não é diferente.

Contudo, a força do consumo, estabelecida pela lógica do mercado, se apresenta sempre com muito fervor, pouco se importando com a noção de utilidade marginal. A economia, com isso, acaba “criando” apenas consumidores, e nada mais.

Por isso Tim Jackson, autor de “Prosperity without Growth”, diz com bastante propriedade que “precisamos pensar num mundo em que os indivíduos sejam cidadãos, não consumidores”.

O que também precisamos fazer, de imediato, é aprender a separar a prosperidade do crescimento, estabelecendo de uma vez por todas que esses conceitos não são sinônimos.

Prosperar nada tem a ver com consumir, com adquirir bens materiais. Nessa obra citada, Jackson aponta que “(...) a prosperidade vai além dos prazeres materiais. (...) reside na qualidade de nossa vida e na saúde e felicidade de nossas famílias. Está presente na força de nossos relacionamentos e em nossa confiança na comunidade. É evidente em nossa satisfação no trabalho e em nossa sensação de significado e propósito partilhados. Depende de nosso potencial de participar da vida da sociedade em plenitude”.

Destacando que a prosperidade não guarda íntima relação com o ato de consumir, talvez seja imperioso ressaltar que a busca primordial (objetivo supremo) da economia deva ser então por prosperidade, e não por taxas de crescimento expansivas. Para tanto, faz-se necessário, com muito esforço, refundar as bases da macroeconomia.

Ademais, aqui não estamos negando (ou não reconhecendo) a importância do crescimento. O que condenamos é a obtenção de um crescimento expansivo que se dá mediante a destruição dos principais ecossistemas. Isso jamais pode ser confundido com desenvolvimento e/ou prosperidade.

Como mencionado no relatório produzido pelo The Worldwatch Institute, “Estado do Mundo – 2013”, cujo título é A Sustentabilidade Ainda é Possível, por que não “reconstruir” a macroeconomia? Por que não mudar metas e paradigmas macroeconômicos que se mostram inócuos e contraproducentes, num mundo cercado pela finitude de recursos naturais?

Faz-se necessário, assim, a elaboração de uma macroeconomia do desenvolvimento sustentável que faça, prioritariamente, a separação da prosperidade do crescimento, a partir do ponto enfatizado que a economia (atividade produtiva), por ser dependente da biosfera (o sistema econômico é sustentado por e contido pelo sistema ecológico, pelo ecossistema global finito), não pode pressionar as fontes ecológicas para satisfazer, a bel-prazer, as forças do mercado de consumo. Crescer por crescer até atingir-se esse estágio somente gera desequilíbrios. Logo, os limites ecológicos devem ser respeitados em sua integridade.

Por fim, essa “nova macroeconomia” deve reconhecer, antes de qualquer outra coisa, que a maior fonte de pressão sobre os limites planetários são os níveis excessivos de consumo dos 10% mais ricos da população mundial, que controlam 57% da renda do planeta.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. prof.marcuseduardo@bol.com.br

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