Padre Geovane Saraiva*
“[...] Para aprofundar e anunciar os mistérios da nossa fé é preciso
entrar no silêncio de Deus”, dizia o grande homem de Deus, na sua doçura e ternura em
pessoa, o qual há seis anos (23/12/2007) partiu para o seio do
Pai. Dom Aloísio Cardeal Lorscheider, que pela graça de Deus, se fez discípulo
de São Francisco de Assis em toda sua plenitude, na seguinte assertiva sobre o
pobrezinho de Assis: “Um homem livre, amarrado a ninguém, levando-o a
redescobrir a pureza original das criaturas. Indubitavelmente, o Cântico das
Criaturas expressa esta liberdade interior e exterior conseguida pelo Santo de
Assis. Só uma vida inteiramente aberta a Deus e ao Irmão é capaz de dar à criatura
humana o gozo da libertação, que conduz à liberdade pura e santa com que Deus
nos criou”.
Que
a mística franciscana tão presente na vida de Dom Aloísio, ao mergulhar no
Mistério da Encarnação, sobretudo, neste tempo forte do Advento, que precede o
Natal; também na Paixão do Senhor, ofertando ao Ceará (Arquidiocese de
Fortaleza) um rosto de uma Igreja verdadeiramente pascal, na mais profunda
liberdade e perfeita alegria, nos proporcione gestos concretos, no sentido de
desmanchar a montanha do orgulho e do egoísmo, amparados pela simbologia do
manto da paz, da justiça, da ternura e da solidariedade, agora muito presente
na Igreja, nas sábias palavras do Papa Francisco, no jornal La Stampa
(15/12/2013): “O Natal é esperança e ternura;
jamais ter medo da ternura; é o encontro de Deus com o seu povo; é também um
mistério de consolação”. Não pode faltar jamais a profecia: “Quando falta à profecia na Igreja, toma
lugar o clericalismo".
Um Deus que amou tanto o mundo, a
nos presentear com seu Filho único neste Natal (cf. Jo 3,16), deu-nos também um
amigo, um pastor, um teólogo e um Cardeal, que sabia compreender a realidade na
sua conjuntura e, com suas posições bem claras e definidas, nas análises e nas
conclusões teológicas pastorais, ao passar às pessoas de boa vontade, um clima
que favorecia e gerava uma confiança generalizada. Dom Aloísio nos faz pensar que
o consumismo, o egoísmo e o individualismo não podem ofuscar o florescimento da
alegria e da esperança dos irmãos e irmãs, ávidos a sempre mais redescobrir,
numa bela e maravilhosa aventura, que Deus é amor.
Foi exatamente a virtude da simplicidade
e da humildade que o transformou no Cardeal que mais se destacou em todos os
Conclaves e Sínodos, dos quais participou, gerando para o mundo inteiro e,
especialmente para a imprensa, uma grande expectativa. Sua palavra corajosa e
profética era acolhida por todos como uma boa notícia, como uma dádiva que
descia do céu! Eis que disse o Senador Pedro Simon a respeito de Dom Aloísio:
“[...] sua voz, naturalmente doce, alternava-se quando era preciso confrontar
os vendilhões da justiça, quando todos os jardins da democracia corriam o risco
de ser alvo de bombas atiradas pelos olhares fixos da repressão. Sua voz ecoou
pelos corredores das prisões [...]”.
A espiritualidade franciscana foi
imprescindível em todo seu trabalho e na sua caridade pastoral para com os
empobrecidos, chegando a se pronunciar, num artigo publicado em 1982, na
Revista Grande Sinal: “À medida que passam os anos, São Francisco merece maior
atenção. Em nossos dias, sobretudo, com a redescoberta do lugar social do pobre
na Igreja e no mundo, o interesse pelos ideais de São Francisco faz-se mais
vivo” [...].
Em Francisco de Assis Dom Aloísio
Lorscheider descobriu a verdadeira face de Deus, indispensável no traçado de
seus passos, a partir dessa realidade misteriosa, quando o afirma numa tônica
poética, com profunda sabedoria: “Sempre fiquei muito impressionado e atraído
pelo amor quente e apaixonado que São Francisco dedica a Deus. Parece que no
beijo do leproso ele entendeu, como Saulo no caminho de Damasco, a doação total
de Deus a nós em seu Filho Jesus Cristo. Custou a Francisco não só descer do
cavalo fogoso que no momento montava, mas muito mais do cavalo do orgulho e da
vaidade com que ele queria conquistar o título de grande e nobre”.
Dom Aloísio, ao se tornar
Arcebispo de Fortaleza (1973-1995), dentro do seu ideal franciscano, tinha bem
claro as resoluções do Concílio vaticano II, dizendo logo de início: “A
comunidade eclesial não é feudo do bispo, mas ele é o servidor de uma Igreja
que se entende a si mesma como sacramento do Reino, isto é, da presença da
verdade e do amor infinito de Deus para com cada criatura humana”. Daí
ele não compreender como algo natural e normal se conviver com a miséria e o
acentuado empobrecimento do povo, que tinha como consequência o êxodo, o
flagelo e a morte de muitos irmãos, levantando sua voz de profeta para dizer
que não era vontade de Deus a realidade aqui encontrada e, ao mesmo tempo, usou
de todos os meios, com uma enorme vontade de transformar essa mesma realidade,
marcando profundamente a história da Igreja do Ceará e do Brasil. No dizer do
Desembargador Fernando Ximenes, “Em pleno regime de exceção, a sociedade
cearense logo sentiu os efeitos dessa guinada. As camadas desfavorecidas ou
marginalizadas, os sem-terra, os sem-teto, os presos políticos, os presidiários
comuns, os trabalhadores em greve - ganharam aliado de peso”.
Quando ele se tornou bispo emérito
de Aparecida, veio a seguinte pergunta: O que o senhor vai fazer? Respondeu:
“Sou um simples frade menor e vou fazer o que o meu provincial mandar, porque a
obediência me torna livre”. Jamais podemos esquecer a chama luminosa de um
coração amável e cheio de bondade, de uma pessoa humana, dotada de grandes
virtudes e qualidades, de um “bispo completo”, segundo o grande teólogo Alberto
Antoniazzi e nas palavras do então Senador Tasso Jereissati, “do homem mais
ilustre da nossa geração, no Ceará, com a sua vida de dedicação à causa dos
excluídos”, do maior benfeitor e patrimônio do povo cearense, que partiu há
seis anos, deixando-nos tristes e com enorme saudade.
Concluo nosso artigo, sintonizado com o Sumo Pontífice, tendo como algo relevante,
sua oração na Capela Santa Marta, no dia 16/12/2013: "A nossa oração
nesses dias em que nos preparamos para o Natal do Senhor deve ser: Senhor, que
não faltem os profetas em seu povo! Todos nós batizados somos profetas. Senhor,
que não nos esqueçamos de sua promessa! Que não nos cansemos de ir adiante! Que
não nos fechemos nas legalidades que cerram as portas. Senhor, liberta o teu
povo do espírito do clericalismo e ajude o teu povo com o espírito da
profecia". Assim seja!
*Padre
da Arquidiocese de Fortaleza, escritor, articulista, blogueiro, membro da
Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza, da Academia de Letras dos
Municípios do Estado Ceará (ALMECE) e Vice-Presidente da Previdência Sacerdotal
- Pároco de Santo Afonso - geovanesaraiva@gmail.com
Autor dos livros:
“O peregrino da Paz”
e “Nascido Para as Coisas Maiores” (centenário de Dom Helder Câmara);
“A Ternura de um
Pastor” - 2ª Edição (homenagem ao Cardeal Lorscheider);
“A Esperança Tem
Nome” (espiritualidade e compromisso);
"Dom Helder:
sonhos e utopias" (o pastor dos empobrecidos);
"25 Anos sobre
Águas Sagradas (coletânea de artigos e fotos).
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