terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Turistas da Copa vão ser recebidos no estilo 'casa aberta' em BH

Hospedagens alternativas reforçam serviço de hotelaria na capital mineira.
Abrir as portas do lar gera renda extra e pode virar um negócio.

Flávia CristiniDo G1 MG

De braços abertos, Eulina Caetano espera turistas do Brasil e exterior em sua 'casa ecológia' (Foto: Flávia Cristini/G1)De braços abertos, Eulina Caetano espera turistas do Brasil e exterior em sua 'casa ecológica'
(Foto: Flávia Cristini/G1)
A Copa do Mundo de 2014 será um momento de encontro de culturas e negócios nas cidades-sede da maior competição do futebol. A cerca de seis meses do mundial, capitais ostentam estádios reformados ou em execução, correm para adequar aeroportos e reforçar a estrutura turística. EmBelo Horizonte, empreendimentos hoteleiros estão em obra, assim como a casa de quem aposta na procura por uma hospedagem alternativa, modalidade que recebe o incentivo da Empresa de Turismo de Belo Horizonte e do Ministério do Turismo.   

Aberta a amizades e ao convívio, a professora Eulina Caetano, moradora da capital mineira, decidiu colocar a casa à disposição de turistas. Tudo começou em 2011, quando clicou na internet em um anúncio de hospedagem econômica. A publicidade também sugeria que o imóvel dela fosse ofertado. Foi a oportunidade que encontrou para aproveitar aquele espaço que estava ocioso em casa e dar a ele um uso comercial e turístico. Agora, ela se orgulha de conhecer gente de todo canto do mundo e comemora a renda extra.
Hoje, o dinheiro conseguido com as locações é investido no próprio imóvel"
Eulina Caetano, professora que hospeda turistas em casa
“Atualmente é minha renda principal, parei até de dar aulas particulares”, conta a professora e agora “anfitriã”.  Também esteticista, ela diz que foi preciso complementar o salário na rede pública de ensino para cuidar dos filhos e da casa. Hoje, o dinheiro conseguido com as locações é investido no próprio imóvel. “Já pensei em abrir uma pousada na praia quando me aposentar. Gosto desse convívio, de conhecer pessoas, de fazer amizades”, acrescenta.  

O imóvel bem localizado, na Região da Pampulha, oferece uma hospedagem simples, em que vale até colchão de ar no chão se for alta temporada. O ambiente tem o clima de um grande lar, onde portas levam a inúmeros quartos. Nos cômodos, objetos pessoais como a colcha tecida pela avó e que foi presente de casamento, fotos dos filhos e netos em porta-retratos e uma coleção de vinis. No quintal, pés de amora, manga e mexerica, além de galinhas e um casal de gatos.

A hospitalidade também foi a aposta de Marília Nogueira, que abandonou os trabalhos na área de cinema para concretizar o desejo de ter um negócio na própria casa. Em 2010, ela e o sócio Christophe Wantelez decidiram abrir um hostel (albergue, na tradução para o português). Escolheram um casarão no tradicional bairro Santa Tereza, onde moraram por um tempo e alugaram quartos para turistas de passagem pela cidade. A história do Clube da Esquina, movimento criado no bairro e que tem Milton Nascimento como um dos fundadores, confere charme à região.
Marília carrega Davi, filho de uma funcionária, ao lado da turista africana e do sócio francês (Foto: Flávia Cristini/G1)Marília carrega Davi, filho de uma funcionária, ao lado da turista africana e do sócio francês (Foto: Flávia Cristini/G1)
Pensamos que seria gostoso receber as  pessoas na nossa casa"
Marilia Nogueira, sócia de hostel em Belo Horizonte
“Pensamos que seria gostoso receber as  pessoas na nossa casa. Acabou que a gente descobriu que não é tão fácil assim, porque você trabalha 24 horas. A parte do intercâmbio cultural é a mais interessante, conviver com hábitos e culturas de toda parte”, afirma. Segundo ela, o clima familiar sempre foi mantido, inclusive com a presença do pequeno Davi, filho de uma funcionária, que alegra o dia de todos.

Há um mês no Brasil, Rachelle Stardage, 29 anos, se diverte com a descontração do bebê na hora de tirar uma foto. Ela é natural do Zimbábue, na África, e conta que está “amando” a passagem pelo hostel e pela cidade. Ela demostra estar à vontade no casarão e destaca que os bolos caseiros do café da manhã são deliciosos.

De 2010 para cá, o empreendimento vem crescendo, e a capacidade de hóspedes, que era de 12 no início, vai chegar a 45. O hostel mudou de endereço no mesmo bairro, virou uma pequena empresa com cinco funcionários e, atualmente, passa por reforma para ampliação. Tudo sem perder aquele clima de aconchego. Na entrada, o hóspede encontra um piano, sofás e um cercadinho, indicando que tem criança na casa.

Oportunidade em 2014
Eulina e Marília estão “de olho” da Copa de 2014, já que Belo Horizonte será uma das cidades-sede. E se a perspectiva do mercado de turismo se concretizar, o negócio irá "de vento em popa”. Os serviços que elas oferecem são alternativas à hospedagem convencional, e a procura por eles vem crescendo na capital mineira, que vai sediar seis jogos do mundial, incluindo uma semifinal. Além dos turistas, delegações estrangeiras vão passar pela capital e Região Metropolitana.
Hostel foi instalado em casarão no tradicional bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte. (Foto: Flávia Cristini/G1)Hostel foi instalado em casarão no tradicional bairro Santa
Tereza, em Belo Horizonte. (Foto: Flávia Cristini/G1)
“É um evento único, não vai ter de novo”, afirma a dona do hostel, que atualmente recebe cerca de 350 hóspedes por mês. Até o início dos jogos, a expectativa é que novos quartos estejam prontos, além de um café que está sendo construído no quintal. As reservas para os dias dos primeiros jogos já estão abertas. “Já temos reservas para estrangeiros e brasileiros. Lá no começo, mais da metade do público era estrangeiro. Agora, de um ano para cá, está invertendo. Acho que os brasileiros estão descobrindo o que é hostel”, disse. Durante o mundial, ela afirma que as tarifas devem ficar de três a quatro vezes mais caras.

No imóvel na Pampulha, Eulina também comemora a boa procura. “Para junho e julho, já são 49 reservas. Até lá, pretendo inaugurar o 12º quarto”, disse. Como alguns são coletivos, ela terá capacidade para receber mais de 20 pessoas ao mesmo tempo.
Decoração inclui artigos pessoais e presentes em imóvel na Pampulha. (Foto: Flávia Cristini/G1)Decoração inclui artigos pessoais e presentes, em imóvel
na Pampulha (Foto: Flávia Cristini/G1)
“É uma acomodação simples e barata, para pessoas que querem se divertir e gastar pouco”, disse. Todos os detalhes da casa – que batizou de “ecológica” por ser montada com materiais reaproveitados de topa-tupo e brechós – são divulgados na internet. “Não adianta colocar uma foto do Palácio de Buckingham e, quando o hóspede chega, encontra um barracão”, brinca. Os leitos custam a partir de 50 dólares. Para agregar valor ao serviço, o filho e estudante de gastronomia deve promover jantares para os turistas.
Fenômeno novo e em expansão
O site Airbnb, que tem escritório no Brasil, é referência no seguimento de hospedagem compartilhada – aquela oferecida pela professora Eulina, que decidiu dar novo uso ao espaço ocioso que tinha em casa. De acordo com a direção, no início do ano, o site oferecia 90 anúncios em Belo Horizonte e, agora, fecha 2013 com 315 ofertas. De outubro a dezembro, foram criados em média três novos anúncios por dia. A cerca de seis meses do mundial, o site informou que tem 114 reservas para junho e julho, com média de três pessoas cada. Por hóspede, a diária tem preço médio de 55 dólares.

Ao criar um perfil no Airbnb, os usuários precisam confirmar que aceitam os termos de uso. Toda a negociação, como detalhes do imóvel, da reserva e dos hóspedes, além de dados de pagamento, são registrados oficialmente no site.

“Para a Copa especificamente temos notado um crescimento ainda mais intenso tanto na demanda – com milhares de reservas já confirmadas a 6 meses do evento – quanto na oferta, principalmente porque muitas pessoas tem anunciado seus espaços exclusivamente para reservas em junho e julho de 2014”, afirmou a direção por meio da assessoria de imprensa.

A hospedagem em casas de famílias é visto pela Empresa de Turismo de Belo Horizonte (Belotur) como “um fenômeno novo”, cujo impacto na cadeia de turismo ainda não pode ser mensurado. A instituição incentiva a hospedagem alternativa.

“Quando temos grandes eventos na cidade, temos falta dos meios de hospedagem tradicionais. Como a tendência é que este número de eventos aumente, precisamos ter esta forma de hospedagem alternativa desenvolvida. É uma modalidade que a gente quer que se estabeleça”, afirmou a diretora de Promoção Turística da Belotur, Stella de Moura. “A Copa vem muito engrandecer este mercado, alertar essas pessoas que elas podem ter essa fonte de renda”, acrescenta.
Em página oficial na internet, o órgão, ligado à prefeitura, divulga os sites que podem ser procurados por quem quer receber turistas. O município não realiza cadastros desses imóveis.

Para o Ministério do Turismo, a oferta de hospedagem alternativa é fundamental para um mercado mais competitivo. De acordo com a pasta, a modalidade ajuda a microeconomia das regiões, pois movimenta os pequenos comércios, gerando emprego e renda para mais pessoas. Levantamento recente aponta que o turista tem à sua disposição pelo menos 3,7 mil imóveis para aluguel nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo de 2014, capazes de acomodar cerca de 20 mil pessoas.

Ainda de acordo com dados do Ministério do Turismo, a capacidade de hóspedes em Belo Horizonte é de 597 em albergues e 226 em imóveis alugados para temporadas.
De acordo com a Belotur, a rede hoteleira da capital mineira possui 111 hotéis, com 19.321 leitos. Os dados consideram apenas pessoa jurídica. Para o mundial, a expectativa é que a cidade tenha 151 hotéis e cerca de 31 mil leitos, considerando os atuais e os novos.

Como receber bem e sem riscos
Ao oferecer um valor mais acessível de hospedagem e um ambiente sem a formalidade de um hotel, o anfitrião não pode deixar de lado a preocupação com um conforto básico e com regras que estabelecem direitos e deveres.
Turismóloga recomenda capacitação logo do início e, após 'sentir' o negócio, busca pela formalização da hospedagam alternativa (Foto: Flávia Cristini/G1)Turismóloga recomenda capacitação logo do início e, após
'sentir' o negócio, indica a busca pela formalização da
hospedagam alternativa (Foto: Flávia Cristini/G1)
“É importante que a pessoa que vai receber se capacite minimamente. Faça um curso de idioma, se for o caso, um curso de camareira para aprender a arrumar o quarto e a higienizar a roupa de cama. A pessoa não quer pagar mais barato e ter um banheiro ruim, por exemplo”, disse a turismóloga Renata Rodrigues, que é assistente de projetos do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) de Minas Gerais. Ela destaca que há cursos de capacitação gratuitos e acessíveis. Na opinião dela, é esperado que a pintura do quarto seja nova, que o colchão apresente bom estado, que as roupas de cama e banheiros estejam limpos.

Ela avalia que a divulgação do imóvel em sites especializados traz mais segurança para quem hospeda e para o viajante, pois o cadastro fornece informações importantes, como o perfil e o histórico das partes. Mas a propaganda nunca pode ser enganosa. “É importante que a foto seja realista, para não ter uma propaganda que engane. Às vezes, uma perspectiva deixa o quarto muito maior do que ele é e isso é ruim”, disse.

Renata afirma que a divulgação na internet é essencial e recomenda postar fotos de todos os quartos, banheiros, cozinha e área externa. É interessante dar referência sobre a localidade e pontos turísticos e nunca deixar de informar se há animais na casa.

Para agradar que vem de fora, a mesa de café deve ser farta e oferecer alguns produtos da cultura do hóspede. “Ele vai se sentir mais em casa”, garante.
Depois de 'sentir' e ver que realmente quer manter o serviço, é hora de se profissionalizar"
Renata Rodrigues, turismóloga e assistente de projetos do Senac
De acordo com a turismóloga, apesar de ser uma hospedagem alternativa, a pessoa que vai locar quartos pode buscar a formalização. “Depois de 'sentir' e ver que realmente quer manter o serviço, é hora de se profissionalizar. Aí deve criar um CNP e fazer cadastro no Ministério do Turismo. Passa a fomentar o turismo na região e vai ter um retorno a médio e a longo prazo”, aconselha.

Direitos e garantias
Outra dica de especialista pode deixar a relação com o hóspede mais profissional e sem riscos para as partes envolvidas. “O mais importante neste tipo de caso é o contrato, é fundamental para as duas partes. Quanto mais elaborado e com exigência de documentos, mais seguro. Se você se deparar com um contrato sem detalhamento, desconfie”, alerta o vice-presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Bruno Burgarelli.

O documento pode ser redigido de próprio punho ou no computador e deve conter dados como nomes do contratante e do contratado, identidade e CPF, endereço e estado civil. Tudo isso comprovado e assinado por três testemunhas. Segundo o Burgarelli, não é preciso validar em cartório.

“O contrato deve informar condições da hospedagem, por exemplo, horário limite para barulho e regras de saída e entrada dos hospedes”, acrescenta. Outro cuidado é detalhar os bens do imóvel. Segundo o especialista, isso deve ser feito de forma natural e sem constrangimentos, visto que é uma prática no mercado imobiliário.

Antes de fechar o negócio, o especialista indica a lei de locação de imóveis como uma boa leitura, em especial os artigos 48 a 50, que tratam das obrigações do contratado e do contratante.
Segundo ele, ter referência é um ponto positivo e, por isso, anfitrião e hóspede devem procurar saber o histórico um o outro. Quanto ao pagamento, este não deve ser antecipado integralmente. “O sinal deve ser no máximo de 50%, e isso tudo documentado, no contrato, e com recibo”, afirma. E se apesar de todos os cuidados, algum problema não puder ser resolvido em conciliação, a dica do especialista é que as partes procurem a orientação de um advogado.

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