sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A bomba boa

Vencer obstáculos – a "bomba", por exemplo – faz bem para a autoestima e prepara o indivíduo para a vida.



(Foto: Ilustração Max Velati)
Por Max Velati*

Não, não vou falar de Ano Novo. Sinto muito. O ano já começou e há muito a fazer e, se não está entendendo a minha pressa, peço a gentileza de ler "A Horta", a minha coluna da semana passada. Vai entender que estou com a enxada na mão, pronto para o trabalho e escrevo a coluna de hoje influenciado por conversas recentes com meus amigos sobre a responsabilidade dos pais na educação dos filhos e a função da escola.

No meu tempo de estudante, o fracasso era "a bomba", a repetição do ano. A punição - já bastante extrema por si só - , provocava efeitos colaterais igualmente graves. Não bastasse ter que estudar as mesmas coisas, os companheiros de sala seguiam em frente enquanto o repetente tinha que se ajustar aos novos colegas, em geral mais jovens e menos interessantes. Os hormônios podiam acrescentar à punição outros sofrimentos. Um repetente já com a penugem sobre os lábios sentia-se ainda mais idiota cercado de crianças.

Encarávamos os livros menos pelo amor ao estudo e mais pelo medo da bomba, admito.

Recentemente, tentaram me explicar que a "bomba" não existe mais até o terceiro ano do Ensino Fundamental. Para ser franco, não entendi a lógica. Parece que o MEC adotou a medida copiando os bons resultados da Educação na França e no Japão. Outro fator para a adoção desta nova diretriz é a noção de que a repetência fere a autoestima do estudante e foi neste ponto da explicação que senti soarem os meus alarmes.

O fracasso não faz bem para a autoestima. Fato. O falso sucesso também não. A indiferença em relação ao sucesso ou ao fracasso também não é nada saudável. 

Mesmo que seja na segunda ou terceira tentativa, vencer obstáculos faz bem para a autoestima e ainda prepara o indivíduo para a vida. Reclamamos da impunidade na sociedade e criamos para a escola um sistema de impunidade baseado em comparações delirantes com outras culturas e que jogam no lixo o bom e velho sistema de méritos. Por mais explicações que eu receba em relação à nova pedagogia, insisto na eficiência da idéia simples de que "se você sabe mais, você faz melhor".

Achei num livrinho inglês de 1818 a noção aparentemente absurda pelos padrões de hoje de que o objetivo da Educacão é fornecer às mentes jovens o conhecimento e a sabedoria necessários para que na vida futura possam se beneficiar destes valores e contribuir para uma sociedade melhor. O mesmo livrinho avisa que nesta jornada o cultivo da virtude é essencial. 

Por tudo o que tenho visto, estamos preparando as mentes jovens para considerar a autoestima mais importante do que o empenho, a aparência mais importante do que a prática da virtude. A prova dos malefícios deste sistema são robustas - para usar o jargão jurídico - e estão todos os dias nos jornais e na TV que registram o comportamento selvagem de jovens educados na impunidade.

Por tudo isso, faço aqui o meu pequeno protesto e meu apelo pela volta da "bomba". Que ela seja restaurada no ensino pelo terror que provocava, um medo que transformávamos em motivação e combustível para o estudo madrugada adentro, mesmo com as pestanas pesadas e graças às garrafas de café...tudo para provar se éramos capazes ou não.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é chargista de Economia da Folha de São Paulo.

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