O que inspira mais confiança: o terno do oligarca ou jeito relaxado do presidente Mujica?
Mujica: colunistas confundem simplicidade com 'pobrismo'.
Por Ricardo Soares*
O tema pode parecer pueril. Ou ingênuo, ou nonsense. Talvez não combine com um começo de ano. Talvez não combine com um cinquentão como eu, que deveria estar mais aprumado, mais bombeiro e menos incendiário. Vejo até alguns amigos a balançarem a cabeça emitindo o indefectivel "tsk,tsk, tsk". Fazer o que ? Eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim, como diria a canção tema da novela Gabriela.
Fato é que sempre me incomodou muito a convenção inexplicável de que os ternos e gravatas conferem aos homens uma aura de cidadãos de bem. De respeitabilidade. Como se automaticamente, ao usar a vestimenta, todos se transformem em respeitáveis cumpridores de deveres e pagadores de impostos irretocáveis. Homens guardiães da ética, do humanismo, dos direitos civis igualitários. Bom, só pelos exemplos que vemos por aí ternos e gravatas nada tem a ver com honestidade como é de amplo conhecimento de todos os brasileiros que gravitem ou não por Brasília.
Fato (aliás, este é o nome que se dá ao terno em Portugal) é que o assunto é antropologicamente complicado e, se formos à origem da vestimenta, evidente que vamos encontrar muitos motivos para que os homens se considerem elegantes ao se vestirem assim. Eu continuo achando esquisito e até ridícula a indumentária. Como achar bonito um treco que tem calça e paletó do mesmo padrão abaixo do qual se coloca uma camisa ( geralmente branca) amarrada com um pedaço de "pano colorido", expressão que cunhou para a gravata o escritor Marcelo Rubens Paiva?
Pois assim é se nos parece na coletividade. Homens de terno são respeitáveis, são de bem, são os "dotô, sim sinhô", e por aí vai. Do meu lado, posso lhes garantir que os sujeitos mais execráveis, canalhas e lamentáveis com os quais tive o desprazer de cruzar na vida usavam terno e gravata. Triste coincidência? Parece que não, se formos levar em conta os bandidos capitais da recente história republicana.
Os oligarcas, os patrõezinhos, donos de potentados usam terno. E estão sempre acima de qualquer suspeita em relação aos que usam bermuda e chinelo. Pueril ou não, pensemos no assunto e que tal relaxar no vestuário como fez recentemente o presidente uruguaio Mujica na posse de um novo ministro? Por que todo poder precisa ter uma liturgia edulcorada por vestimenta formal? Vamos rir de nós mesmos e de colunistas descerebrados que interpretaram o gesto do Mujica como "pobrismo". Pobre é o espírito de quem acha que poder precisa ser empedernido, pedante, formal.
*É diretor de TV, escritor , roteirista e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) e autor , entre outros, dos livros Cinevertigem, Valentão e Falta de Ar. Atualmente diretor de Conteúdo e programação da EBC- Empresa Brasil de Comunicação.
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