quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A vida pela janela - Alexandre Kawakami*

Quem estava preso entre quatro paredes, incapaz de ver além da janela da ignorância?



(Foto: Arquivo)

Atrás do hotel onde morei por seis meses em Bruxelas, fica a Gare Nord, estação de trem que frequentava para visitar clientes e fornecedores em Charlerois e Liege, cidades ao sul da Bélgica.

No caminho entre a estação e o hotel, havia um baixo meretrício que me trazia curiosidade e espanto. O lugar era montado como nas famosas ruas holandesas, onde o quarto da prestadora de serviços tinha uma vidraça enorme em frente à qual as moças aguardam seus clientes, mostrando suas mercadorias. Uma após a outra as vidraças se alinhavam e as moças lá se exibindo, independente do horário em que passasse. Logo cedo de manhã estavam lá sentadinhas, fazendo as unhas, lendo uma revista, vez ou outra levantando a cabeça para convidar um ou outro transeunte com um sorriso pouco convincente ou uma dancinha meio que desanimada. Vez ou outra as cortinas da vidraça se fechavam, indicando uma negociação exitosa.

Uma destas vitrines sempre me causava uma mistura de indignação, nojo e dor no peito. Meio que no canto da rua, uma senhora com pelo menos setenta anos de idade ficava lá sentada, de rendas, meias e saltos, as peles lutando com os elásticos (e ganhando), oferecendo também seus sorrisos. 

Na primeira vez que a vi quase tive um piripaque: um misto de desconforto e revolta deve ter pulado no meu rosto porque vi, nela também, o incômodo que minha reação havia ocasionado. 

Com o tempo, entretanto, se não nos acostumamos um com o outro, pelo menos desenvolvemos certo ar de civilidade: eu já conseguia vê-la sem atravessar a rua ou esconder o rosto; ela já se divertia com minha inconformidade, fazendo caras e bocas toda vez que eu passava.

Aquela imagem da velhinha sentada e se vendendo, que tanto me agrediu por tantos anos, voltou à mente quando conversava com conhecido que trabalha com ferramentas de busca na internet. Dizia ele que um dos ramos mais profícuos e em expansão da já pujante pornografia eletrônica é, justamente, a das senhoras de mais idade. Dentre estas, existem mesmo estrelas cuja procura e status as coloca a par com suas colegas de muuuuuito menos idade.

Eu, que sempre havia pensado que a velhinha estava lá por miséria ou falta de opção, nunca poderia ter imaginado que, dentre as vitrines que se alinhavam, cada qual com sua variação do mesmo, a velhinha poderia muito bem ter achado seu nicho de mercado. Quem sabe tivesse seu portfólio de clientes já montado. Quiçá estivesse mais feliz do que eu, mais realizada, mais independente, com mais admiradores, passando seus dias a rir dos moleques que se espantavam como eu me espantei. 

Veio-me a mente o número de vezes em que passei por sua janela e a cortina estava fechada. E de repente percebi que quem estava preso no mundo, incapaz de ver além da janela da minha ignorância, era eu mesmo.
*Alexandre Kawakami é Mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da Mont Pelerin Society, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio. É advogado e consultor em Finanças Corporativas.

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