segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Cyberbullying: violência virtual

Adolescentes falam do suicídio de meninas que tiveram imagens íntimas expostas na internet



Eu posso destruir você, diz a mensagem na tela do computador. (Foto: Arquivo)
Por Andrea Dip e Giulia Afiune*

Fotos estampam sorrisos, olhares e caretas. Meninas posam para o próprio celular usando maquiagem, unhas feitas, roupas de festa ou mesmo o uniforme da escola – sozinhas ou acompanhadas dos amigos. Tudo é publicado nos perfis de redes sociais para ser “curtido” – a forma mais rápida e fugaz de aprovação online. Cada “like” em um “selfie” (autorretratos feitos com o celular), gato, comida ou sapato novo é esperado com ansiedade principalmente por crianças e adolescentes que passam cada vez mais tempo postando e checando a própria popularidade nas redes sociais.
Uma pesquisa à qual a Pública teve acesso na íntegra em primeira mão, realizada pela ONG Safernet em parceria com a operadora de telecomunicações GVT – que entrevistou quase 3 mil jovens brasileiros de 9 a 23 anos – revela que 62% deles está online todos os dias e 80% tem as redes sociais como seu principal objetivo de navegação. Como acontece no mundo todo, o que prevalece é a autoimagem – não é à toa que “selfie” foi escolhida como a palavra do ano de 2013 do idioma inglês pelo dicionário Oxford. De 2012 para 2013, seu uso aumentou 17.000% e a hashtag #selfie acompanha mais de 58 milhões de fotos na rede social Instagram.
A rotina online de duas garotas que estamparam páginas de portais, jornais e revistas no último mês não era diferente. Giana Fabi, de Veranópolis, interior do Rio Grande do Sul, e Julia Rebeca, de Parnaíba, litoral do Piauí, viviam a maior parte do tempo conectadas. Separadas por mais de 3,8 mil quilômetros, as meninas de 16 e 17 anos, respectivamente, acompanhavam ansiosamente a reação online às autoimagens cuidadosamente construídas que postavam.
“Ela era linda, as fotos dela então…”, é a primeira coisa que lembra Gabriela Souza, amiga próxima de Giana, sobre as muitas curtidas nas fotos do perfil da gaúcha no Facebook. Gabriela, que preferiu dar a entrevista através do bate-papo da rede, lembra que a amiga vivia arrumada, se achava bonita mas se preocupava com o peso, como a maioria das garotas de sua idade. Willian Silvestro, de 17 anos, namorado de Giana na época, também comenta sua beleza: “Ela tinha olhos azuis e gostava de realçar com lápis preto. Era vaidosa e amava maquiagem”. Os dois estavam juntos havia um mês e todas as noites se falavam por cerca de duas horas pelo Skype.
Já Julia Rebeca, diz o primo Daniel Aranha, gostava de pintar as unhas com cores diferentes e mostrá-las nas redes sociais. “Todo dia era uma nova. Tinha fotos no Facebook em que ela mostrava a unha pintadinha, desenhada, decorada que ela mesma fazia”. Além das fotos, Giana e Julia escreviam sobre o dia a dia na escola ou na academia e postavam músicas e fotos das cantoras preferidas – Miley Cyrus para Julia e Avril Lavigne para Giana. A piauiense fazia curso técnico de enfermagem e pensava em seguir carreira na área da saúde. Já a gaúcha estava no colegial, mas sonhava em deixar a pequena Veranópolis, de apenas 22,8 mil habitantes, para fazer faculdade em Bento Gonçalves ou Caxias do Sul – cidades médias da região.
A descrição das meninas por amigos e familiares combinam com as fotos: alegres, extrovertidas, falantes, “adolescentes normais”. Mas em novembro deste ano, uma foto em que Giana mostrava os seios e um vídeo em que Julia aparecia fazendo sexo com um rapaz e uma garota foram divulgados através do aplicativo Whatsapp – usado em celulares – e se espalharam pelas rede com a velocidade dos escândalos virtuais. Julia se suicidou no dia 10 de novembro e, quatro dias depois, no dia 14, foi a vez de Giana tirar a própria vida, poucas horas depois de saber que a foto havia sido compartilhada. As duas deixaram mensagens de adeus nas redes sociais e se enforcaram.
Adeus pelo Twitter
“Quem divulgou a foto foi um colega da escola que queria ficar com ela, só que ela não queria ficar com ele”, diz o irmão de Giana, Jonas Fabi, de 29 anos. Ele supõe que o garoto tenha espalhado a foto por vingança. “Eu não tenho certeza, mas ouvi comentários de que possa ter sido um jogo na internet. Tu tá online no Skype com várias pessoas e quem perde tem que mostrar uma parte do corpo. Aí ela perdeu, mostrou e na hora deram um printscreen. Ele guardou essa foto como uma carta na manga para chantagear: ela começou a namorar outro, ele foi lá e fez isso”.
Giana ficou sabendo do que estava acontecendo nas redes por volta do meio dia de 14 de novembro, quando sua prima ligou e avisou, depois de receber a foto em seu celular pelo WhatsApp. “Quando eu soube da foto que estava rolando, liguei pra ver como ela estava. Ela pareceu surpresa, espantada. Dói dizer isso mas acho que ela não sabia de nada antes” lamenta Charline Fabi. “Por volta de uma hora da tarde, começamos a conversar por aqui [Facebook]. Ela dizia que iria fazer uma besteira porque não queria causar vergonha para a família. Eu não acreditava porque ela nunca havia mencionado nada desse tipo. Só mandava ela parar de falar aquilo, que as pessoas iriam esquecer. Mas aí, ela despediu-se de mim dizendo: ‘Eu te amo, obrigada por tudo amor. Adeus”.
Charline lembra que continuou a ligar para a prima e, como ela não atendia, ligou para os pais que entraram em contato com os pais de Giana. Jonas, que morava na casa ao lado, pulou o muro e entrou na residência. Lá encontrou o corpo da irmã, que tinha se enforcado com um cordão de seda. “Na hora a adrenalina me segurou de pé. Quando souberam, o pai desabou, a mãe teve que ir para o hospital, em choque. Depois, quando caiu a ficha pra mim, eu também não aguentei”, lembra, emocionado, falando baixo pelo telefone.
Às 12h56, Giana postou uma mensagem de despedida no Twitter: “Hoje de tarde eu dou um jeito nisso. Não vou ser mais estorvo para ninguém”. Jonas atribui a atitude da irmã ao medo da reação da família. “Ela disse pra prima que não queria que a família sentisse vergonha e sofresse por um erro dela. A nossa família é bem conhecida, e a cidade é pequena, meio bocuda, bastante gente inventa coisas. Às vezes você faz uma coisinha e acabam aumentando. De repente isso até influenciou, pelo fato das pessoas todas se conhecerem, daí acaba espalhando rápido.”
"Cyberbulying, a violência virtual". Veja o vídeo. 
* A reportagem de Andrea Dip e Giulia Afiune foi publicada pela Agência Pública.

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